quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

NEM QUE SEJA NA CADUQUISSE

 Dedico esta história ao nosso direito e ao nosso dever de divertir

Lá estava ele, na dita terceira idade, olhando seu neto brincar e lembrando-se da sua infância:
— Vovô, por que o senhor me olha tanto?
— Estou recordando minha infância.
— Você brincou muito? Perguntou o neto repleto de curiosidade pelas experiências lúdicas do avô.
Desiludido o avô respondeu:
— Não brinquei não. Quando eu quis brincar, meus pais me disseram que havia muito tempo pela frente incumbindo-me de outras tarefas. O tempo passou e as brincadeiras ficaram perdidas no tempo.
Numa outra ocasião, já bem mais velho, observando o namoro do neto agora adolescente, fitou-o com saudade.
— Por que me olha assim, vovô?
— Estou recordando minha adolescência.
— Você namorou muito? Perguntou o neto curioso pelas paqueras do avô.
Novamente desiludido o avô respondeu:
— Quando desejei namorar meus pais me disseram que naquele momento eu deveria estudar. Estudando, eu não aprendi a escolher uma mulher que eu realmente amasse. Meus pais acabaram fazendo a escolha por mim e eu perdi a mulher de meus sonhos. Estudando eu aprendi a ser um médico, mas não aprendi a ser um homem.
Lá na frente, já bem velhinho, ouviu atentamente o neto já com 40 anos contar as histórias de uma linda viagem de férias. As lágrimas que rolaram de seus olhos desencadearam no neto uma melancólica curiosidade:
— Por que choras, vovô?
Exalando desilusão por todos os seus poros, respondeu:
— Choro as férias que não gozei. Na sua idade, mesmo não sendo mais cobrado por ninguém, aprendi a me cobrar a responsabilidade de trabalhar e nada mais. Uma censura interior me dizia que o lazer deveria ficar para a aposentadoria. Esta voz censora alegava-me que o trabalho me daria a garantia de uma aposentadoria tranqüila. Aposentei com tranqüilidade financeira, mas paguei um alto preço por isso. Poupei usufruir a vida. Esta poupança me rendeu apenas a doença que hoje me habita. Mesmo sendo um médico nunca consegui me tratar. O que um velho que não aprendeu a se divertir pode fazer? Eu não quero mais que a doença seja a minha única diversão.
O neto olhou o avô com pesar aconselhando-o com otimismo:
— O senhor aprendeu a tratar da doença e se esqueceu de tratar de sua saúde. Soube tratar da enfermidade de todos e não soube tratar de si mesmo. Pois trate agora de descobrir o que lhe dá prazer. Não sou eu quem vai cometer mais um erro dizendo-lhe o que fazer. Pode parecer tarde demais, mas ainda há tempo para a diversão.
O velho ouviu atentamente os conselhos do neto, mas nada fez. Seu comodismo parecia ser maior do que sua força de vontade. No entanto, sua doença, sua maior aliada, encarregou-se de ajuda-lo trazendo a esclerose de presente. A esclerose lhe presenteava ora com a infância, ora com a adolescência. Com atitudes aparentemente insanas, próprias de uma criança ou de um adolescente, já não se importava e nem mesmo ouvia o comentário das pessoas dizendo:
— O velho caducou mesmo!
Da sua caduquice ele não abriu mão. Viveu feliz para o resto de seus dias usufruindo todos os direitos que cabem a uma criança e a um adolescente na idade senil.

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