terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O MEDO DA VELA


Dedico esta história à nossa chama de luz


O MEDO DA VELA


 Vou contar a história de uma vela de sete dias. Vivia junto com as outras velas sem saber ao certo a sua função. Fria e apagada, parecia mais a morte do que a vida. Vela para sentir-se viva precisa de luz. Sem luz, sentia-se triste, feia e inútil.
Certo dia, sentiu uma mão trêmula a tocá-la. Observou bem e viu-se diante de uma mulher a chorar. Suas lágrimas lhe escorriam pelo rosto consumindo toda a expressão de felicidade e beleza que possuía. A vela enxergou no fundo dos olhos daquela mulher o desespero. Viu a última chama de vida de alguém se consumindo e percebeu que poderia ser uma chama de esperança para aquele frágil ser que, ajoelhado, rogava para a chama divina uma luz que pudesse iluminar as trevas de sua alma. A vela foi acesa pela tão apagada alma e passou a ter, a partir daquele momento,  a sublime e nobre missão de representar a esperança e a luz. No entanto, não sabia ainda as implicações desta missão para a sua própria vida. Sete dias foram suficientes para que pudesse aprender muita coisa.
No primeiro dia, ficou fascinada com a sua luz. Sentia-se viva e irradiante. Perguntou a Deus porque se sentia tão bela e ele respondeu:
— Belo é aquele que vive e aprecia a sua luz.
Entendeu assim que não há razões para a beleza, ela está presente em tudo ou poderá não estar presente em nada. É necessário ter olhos iluminados para adquirir a capacidade de enxergá-la.
No segundo dia, sentiu-se aquecida. Derretia-se de felicidade ao perceber que, além de luz, irradiava calor. Perguntou a Deus porque se sentia tão feliz e ele respondeu:
 — Você é feliz porque liquidou toda frieza que existia em si.
         Sentiu-se orgulhosa de ter conquistado a capacidade de ultrapassar a frieza que habitava o seu ser; no entanto, não sabia ao certo como foi adquirindo esta capacidade. Começou a ficar mais atenta a tudo que acontecia ao seu redor, percebendo, no 3º dia, uma pequena diferença. Começou a sentir-se pequena, bem menor do que era antes da sua primeira chama ser acesa. Perguntou a Deus porque se sentia assim e ele respondeu:
 — Você é pequena quando não consegue enxergar dentro de si. As aparências enganam!
         Nunca ninguém lhe havia ensinado a enxergar dentro dela mesma. Como haveria de aprender isto?  Quem haveria de ensiná-la? Sabia que, se continuasse a olhar apenas para fora, haveria de chorar muito. Seria consumida por suas lágrimas, pela sua tristeza. Precisava arranjar uma saída, não queria acabar assim. Lembrou-se da sua missão. Percebeu que sua missão era o seu trabalho e que o mesmo poderia desviar a sua atenção para algo que valesse à pena e não gerasse tanto sofrimento. Concentrar a sua atenção na sua pequenez era optar pela miserabilidade. Determinada, optou por transformar as lágrimas em suor. O trabalho de construir uma esperança a fazia suar, suar, suar... Seu suor escorria fartamente pelo seu corpo quando, no 4º dia, fez uma nova pergunta a Deus numa tentativa de avaliar o seu labor:
— De que vale o meu suor?
Imediatamente Deus lhe respondeu:
 — Seu suor vale a esperança que constrói a tranquilidade e o sossego para uma alma aflita.
         Sentindo que seu suor valia à pena, continuou o seu trabalho. O tempo ia passando e o corpo daquela vela já não era o mesmo. Apesar de sua chama continuar forte, seu corpo foi ficando cada vez mais frágil e pequeno. Já no 5º dia foi tomada por uma inquietante consciência de que sua própria chama consumia seu corpo. Teve vontade de apagá-la. Talvez assim continuasse viva. Por medo da morte, pensou que certamente fosse mais seguro manter-se apagada. Suplicou a Deus que lhe desse um sopro. Confuso, Deus perguntou-lhe:
— De que lhe valeria meu sopro?
— O seu sopro me protegeria da morte. Apagada eu não seria mais consumida pela minha chama. Respondeu confusa, aquela velinha, querendo se apegar a algo que lhe desse segurança e apagasse seu medo. Tentando clarear as idéias da mesma, Deus salientou com sabedoria:
— Apagado está aquilo que já se encontra morto. Será que não percebe que sua luz é a sua vida?
— Mas a minha luz não é eterna, ela se apagará assim que meu corpo definhar. Completou a velinha repleta de ansiedade e angústia.
— Você está sendo totalmente contraditória. Se tem medo de sua luz se apagar, porque suplica pelo meu sopro?  Questionou a voz divina.
— Porque apagando-a eu teria condição de salvar pelo menos alguma coisa. Justificou a vela.
— Que coisa você julgaria salvar? Perguntou novamente o ser divino.
— O meu corpo. Respondeu prontamente a vela.
—  Como já lhe disse, um corpo apagado é um corpo sem luz. Um corpo sem luz é um corpo morto. Sem luminosidade, ele não enxergaria jamais a beleza. Sem a chama do seu calor, não sentiria a irradiante felicidade que você experimentou. Não seria capaz nem mesmo de sofrer, chorar. Seria inerte, desconheceria o suor de seu trabalho. Você deseja o impossível. Não há como salvar um corpo morto. Sem luz um corpo não tem vida.
— Então não há nada que eu possa fazer? Perguntou a velinha num tom de desilusão que fazia pena.
— Há ainda muito que fazer. Respondeu Deus acendendo a esperança na desiludida vela.
— O que posso fazer?
— Aprender a aceitar o que é finito e o que é eterno. Respondeu o Divino
— Finito é meu corpo. O que seria eterno?  A minha luz é que não pode ser, pois ela se apagaria juntamente com meu corpo. Conjeturou a vela, tentando compreender conceitos tão complexos.
 Tentando oferecer para a vela uma definição que pudesse tranquilizá-la, a sabedoria divina tentou esclarecer:
— Eternidade é permanência.
— Continuo não entendendo nada. Explique-me isto melhor! Solicitou ansiosamente a velinha que diminuía de tamanho, tornando-se cada vez mais pequenina a cada minuto que passava.
—  Permaneça e verá. Finalizou com firmeza a voz divina.
O medo da vela era bem maior do que a tranquilidade que a sabedoria divina tentava transmitir-lhe. Pensar em mais um dia de vida fazia a sua chama tremer. Queria parar no tempo ou voltar, se fosse possível. Não sabia quanto tempo de vida teria, sabia apenas que iniciava o seu sexto dia de luz. Desesperada, chegou ao cúmulo de amaldiçoar a sua chama luminosa. Lembrou-se da irradiante beleza e alegria dos seus primeiros dias de luz. Agora estava ali, irradiando tristeza e se consumindo cada vez mais nela. Iniciou um choro compulsivo, que transformou seu corpo num emaranhado de lágrimas. Difícil era identificar os limites do corpo e das gotas segregadas pelo seu humor deprimido. Tudo parecia uma coisa só. Chorando, sem controle e impotente para reverter o inevitável, permaneceu ali quietinha aguardando o seu fim.
Já quase se apagando, no seu 7º dia de vida, sentindo sua chama trepidando, conquistou enfim o poder de permanecer. Sem lágrimas e sem corpo,  apossou-se apenas de uma chama que se sustentava no vazio. Neste momento, vazia de súplicas ou lamentações, permaneceu. Envolvida por um silêncio confortante e pela chama da coragem que lhe manteve acesa, foi surpreendida repentinamente por uma enorme chama que além de luz emanava uma linda oração:
OBRIGADA SENHOR POR TER ME REVELADO O SENTIDO DA VIDA.
OBRIGADA POR UMA SIMPLES VELA TER SIDO CAPAZ DE EMANAR A LUZ NECESSÁRIA PARA A MINHA MAIS RECENTE DESCOBERTA.
A CHAMA DESTA VELA ETERNIZOU-SE TRANSFORMANDO-SE EM SABEDORIA
DESCOBRÍ QUE VIVER É PERMANECER ACESO.
DESCOBRÍ QUE MORTO ESTÁ AQUELE QUE APAGOU A SUA LUZ PARA ECONOMIZAR O QUE É FINITO.
DESCOBRÍ QUE O TÃO TEMIDO INEVITÁVEL É NA VERDADE UM MOMENTO DE TRANSFORMAÇÃO.
DESCOBRÍ NA MINHA TRANSFORMAÇÃO A MINHA PERMANÊNCIA.
DESCOBRÍ NA MINHA PERMANÊNCIA A MINHA ETERNIDADE.
DESCOBRÍ NA MINHA ETERNIDADE A TUA LUZ.
DESCOBRÍ NA TUA LUZ A MINHA TRANSCENDÊNCIA.
     Findou-se a oração e o medo da vela. Daquele dia em diante ela nunca mais temeu sua chama.