Dedico esta história à nossa chama de luz
O MEDO DA VELA
Vou contar a história
de uma vela de sete dias. Vivia junto com as outras velas sem saber ao certo a
sua função. Fria e apagada, parecia mais a morte do que a vida. Vela para
sentir-se viva precisa de luz. Sem luz, sentia-se triste, feia e inútil.
Certo dia, sentiu uma mão trêmula a tocá-la. Observou
bem e viu-se diante de uma mulher a chorar. Suas lágrimas lhe escorriam pelo
rosto consumindo toda a expressão de felicidade e beleza que possuía. A vela
enxergou no fundo dos olhos daquela mulher o desespero. Viu a última chama de
vida de alguém se consumindo e percebeu que poderia ser uma chama de esperança
para aquele frágil ser que, ajoelhado, rogava para a chama divina uma luz que
pudesse iluminar as trevas de sua alma. A vela foi acesa pela tão apagada alma
e passou a ter, a partir daquele momento, a sublime e nobre missão de representar a
esperança e a luz. No entanto, não sabia ainda as implicações desta missão para
a sua própria vida. Sete dias foram suficientes para que pudesse aprender muita
coisa.
No primeiro dia, ficou fascinada com a sua luz.
Sentia-se viva e irradiante. Perguntou a Deus porque se sentia tão bela e ele
respondeu:
—
Belo é aquele que vive e aprecia a sua luz.
Entendeu assim que não há razões para a beleza, ela
está presente em tudo ou poderá não estar presente em nada. É necessário ter
olhos iluminados para adquirir a capacidade de enxergá-la.
No segundo dia, sentiu-se aquecida. Derretia-se de
felicidade ao perceber que, além de luz, irradiava calor. Perguntou a Deus porque
se sentia tão feliz e ele respondeu:
— Você é feliz porque liquidou toda frieza que
existia em si.
Sentiu-se orgulhosa de ter conquistado
a capacidade de ultrapassar a frieza que habitava o seu ser; no entanto, não
sabia ao certo como foi adquirindo esta capacidade. Começou a ficar mais atenta
a tudo que acontecia ao seu redor, percebendo, no 3º dia, uma pequena diferença.
Começou a sentir-se pequena, bem menor do que era antes da sua primeira chama
ser acesa. Perguntou a Deus porque se sentia assim e ele respondeu:
— Você é pequena quando não consegue enxergar
dentro de si. As aparências enganam!
Nunca ninguém lhe havia ensinado a
enxergar dentro dela mesma. Como haveria de aprender isto? Quem haveria de ensiná-la? Sabia que, se
continuasse a olhar apenas para fora, haveria de chorar muito. Seria consumida
por suas lágrimas, pela sua tristeza. Precisava arranjar uma saída, não queria
acabar assim. Lembrou-se da sua missão. Percebeu que sua missão era o seu
trabalho e que o mesmo poderia desviar a sua atenção para algo que valesse à
pena e não gerasse tanto sofrimento. Concentrar a sua atenção na sua pequenez
era optar pela miserabilidade. Determinada, optou por transformar as lágrimas
em suor. O trabalho de construir uma esperança a fazia suar, suar, suar... Seu
suor escorria fartamente pelo seu corpo quando, no 4º dia, fez uma nova pergunta a
Deus numa tentativa de avaliar o seu labor:
—
De que vale o meu suor?
Imediatamente Deus lhe respondeu:
— Seu suor vale a esperança que constrói a tranquilidade
e o sossego para uma alma aflita.
Sentindo que seu suor valia à pena,
continuou o seu trabalho. O tempo ia passando e o corpo daquela vela já não era
o mesmo. Apesar de sua chama continuar forte, seu corpo foi ficando cada vez
mais frágil e pequeno. Já no 5º dia foi tomada por uma inquietante consciência
de que sua própria chama consumia seu corpo. Teve vontade de apagá-la. Talvez
assim continuasse viva. Por medo da morte, pensou que certamente fosse mais
seguro manter-se apagada. Suplicou a Deus que lhe desse um sopro. Confuso, Deus
perguntou-lhe:
—
De que lhe valeria meu sopro?
—
O seu sopro me protegeria da morte. Apagada eu não seria mais consumida pela
minha chama. Respondeu confusa, aquela velinha, querendo se apegar a algo que lhe
desse segurança e apagasse seu medo. Tentando clarear as idéias da mesma, Deus
salientou com sabedoria:
—
Apagado está aquilo que já se encontra morto. Será que não percebe que sua luz
é a sua vida?
—
Mas a minha luz não é eterna, ela se apagará assim que meu corpo definhar.
Completou a velinha repleta de ansiedade e angústia.
—
Você está sendo totalmente contraditória. Se tem medo de sua luz se apagar,
porque suplica pelo meu sopro?
Questionou a voz divina.
—
Porque apagando-a eu teria condição de salvar pelo menos alguma coisa.
Justificou a vela.
—
Que coisa você julgaria salvar? Perguntou novamente o ser divino.
—
O meu corpo. Respondeu prontamente a vela.
— Como já lhe disse, um corpo apagado é um
corpo sem luz. Um corpo sem luz é um corpo morto. Sem luminosidade, ele não
enxergaria jamais a beleza. Sem a chama do seu calor, não sentiria a irradiante
felicidade que você experimentou. Não seria capaz nem mesmo de sofrer, chorar.
Seria inerte, desconheceria o suor de seu trabalho. Você deseja o impossível.
Não há como salvar um corpo morto. Sem luz um corpo não tem vida.
—
Então não há nada que eu possa fazer? Perguntou a velinha num tom de desilusão
que fazia pena.
—
Há ainda muito que fazer. Respondeu Deus acendendo a esperança na desiludida
vela.
— O
que posso fazer?
—
Aprender a aceitar o que é finito e o que é eterno. Respondeu o Divino
—
Finito é meu corpo. O que seria eterno?
A minha luz é que não pode ser, pois ela se apagaria juntamente com meu
corpo. Conjeturou a vela, tentando compreender conceitos tão complexos.
Tentando
oferecer para a vela uma definição que pudesse tranquilizá-la, a sabedoria
divina tentou esclarecer:
—
Eternidade é permanência.
—
Continuo não entendendo nada. Explique-me isto melhor! Solicitou ansiosamente a
velinha que diminuía de tamanho, tornando-se cada vez mais pequenina a cada
minuto que passava.
— Permaneça e verá. Finalizou com firmeza a voz
divina.
O medo da vela era bem maior do que a tranquilidade
que a sabedoria divina tentava transmitir-lhe. Pensar em mais um dia de vida
fazia a sua chama tremer. Queria parar no tempo ou voltar, se fosse possível.
Não sabia quanto tempo de vida teria, sabia apenas que iniciava o seu sexto dia
de luz. Desesperada, chegou ao cúmulo de amaldiçoar a sua chama luminosa. Lembrou-se
da irradiante beleza e alegria dos seus primeiros dias de luz. Agora estava ali,
irradiando tristeza e se consumindo cada vez mais nela. Iniciou um choro
compulsivo, que transformou seu corpo num emaranhado de lágrimas. Difícil era
identificar os limites do corpo e das gotas segregadas pelo seu humor
deprimido. Tudo parecia uma coisa só. Chorando, sem controle e impotente para
reverter o inevitável, permaneceu ali quietinha aguardando o seu fim.
Já quase se apagando, no seu 7º dia de vida, sentindo
sua chama trepidando, conquistou enfim o poder de permanecer. Sem lágrimas e
sem corpo, apossou-se apenas de uma chama que se sustentava no vazio. Neste
momento, vazia de súplicas ou lamentações, permaneceu. Envolvida por um
silêncio confortante e pela chama da coragem que lhe manteve acesa, foi
surpreendida repentinamente por uma enorme chama que além de luz emanava uma
linda oração:
OBRIGADA
SENHOR POR TER ME REVELADO O SENTIDO DA VIDA.
OBRIGADA
POR UMA SIMPLES VELA TER SIDO CAPAZ DE EMANAR A LUZ NECESSÁRIA PARA A MINHA
MAIS RECENTE DESCOBERTA.
A
CHAMA DESTA VELA ETERNIZOU-SE TRANSFORMANDO-SE EM SABEDORIA
DESCOBRÍ
QUE VIVER É PERMANECER ACESO.
DESCOBRÍ
QUE MORTO ESTÁ AQUELE QUE APAGOU A SUA LUZ PARA ECONOMIZAR O QUE É FINITO.
DESCOBRÍ
QUE O TÃO TEMIDO INEVITÁVEL É NA VERDADE UM MOMENTO DE TRANSFORMAÇÃO.
DESCOBRÍ
NA MINHA TRANSFORMAÇÃO A MINHA PERMANÊNCIA.
DESCOBRÍ
NA MINHA PERMANÊNCIA A MINHA ETERNIDADE.
DESCOBRÍ
NA MINHA ETERNIDADE A TUA LUZ.
DESCOBRÍ
NA TUA LUZ A MINHA TRANSCENDÊNCIA.
Findou-se a
oração e o medo da vela. Daquele dia em diante ela nunca mais temeu sua chama.