terça-feira, 26 de junho de 2012

O PORQUINHO QUE CHEIRAVA DIFERENTE



Dedico esta história ao olfato de nossa consciência


O PORQUINHO QUE CHEIRAVA DIFERENTE





Era uma vez uma ceva onde viviam vários porcos, cada qual com uma personalidade diferenciada, contribuindo para a construção de uma vida tranqüila, agradável e segura. O mundo deles era o protótipo daquilo que costumamos chamar de qualidade de vida. Mas, o tempo passa e as mudanças são inevitáveis. Mudança não é sinal de retrocesso, aliás, as mudanças deveriam sempre acontecer trazendo junto melhoria nas condições de vida. No entanto, não foi isso que aconteceu com os animais desta história. As inevitáveis mudanças aconteceram trazendo junto um odor desagradabilíssimo que cheirava a falência das relações e da consciência dos habitantes daquela ceva. Como a maior preocupação dos porcos que ali viviam era lutar por um espaço maior, nem todos conseguiam sentir aquele cheiro diferente impregnando cada centímetro daquele ambiente que tivera um aroma tão agradável no passado. A população daquele lugar foi crescendo sem controle e planejamento limitando o espaço que ficava cada vez mais reduzido para todos. Ameaçados pelo medo de perder o seu espaço e centrados apenas no desejo de posse, poder e na garantia das necessidades básicas de subsistência, a insensibilidade para perceber planos mais elevados de vida culminou sobre a maioria. Lentamente, sem se darem conta, a alienação dos pensamentos e sentimentos passou a ser uma regra. Perderam vários sentidos, dentre eles, o olfato e o verdadeiro sentido da vida. Se acostumaram a viver com a sujeira se adaptando bem ao desconforto que esta proporcionava.
Como toda regra tem exceção, no meio daquele antro pútrido vivia um porquinho com um olfato totalmente diferenciado dos demais. Apesar de amar aquele lugar, não conseguia mais se adaptar às precárias condições de vida oferecidas pelo mesmo. Consciente de que qualidade de vida é uma construção conjunta e responsabilidade de todos, resolveu intervir naquela situação insuportável questionando as autoridades e as pessoas comuns daquela comunidade suína:
― Precisamos eliminar este mal cheiro que nos persegue todos os dias.
― Mal cheiro? Perguntou, surpreso, um dos habitantes daquele local.
Surpreso com a insensibilidade olfativa de seu companheiro, o porquinho questionou-o novamente:
― Você não consegue sentir o mal cheiro que reina por aqui?
― Você deve estar ficando louco! Não sinto cheiro algum que não seja o nosso.
― Eu não tenho este cheiro! Relutou o porquinho negando-se aceitar aquele odor fétido como sendo seu também.
― Mais um querendo bancar o diferente... Sai dessa! Assuma a porcaria que nos cerca. Somos porcos e essa é a nossa condição. Ironizou o companheiro.
Assustado e decepcionado, o porquinho pôs-se a refletir sobre a sua condição existencial.
― Ser porco é ser sujo? Jamais aceitarei viver nesta sujeira! Provarei para o mundo que a porcaria só existe na cabeça de quem anda com a consciência apodrecida.
Convicto de que conseguiria limpar a consciência de sua espécie, tornando-a límpida e cristalina, resolveu procurar as autoridades de sua comunidade. Sabia que a parceria com autoridades torna mais fácil todo processo de transformação. Sabia, sobretudo, que autoridades são referências importantes capazes de gerenciar as mudanças que se fazem necessárias. Procurou o conselho suíno, relatando seu desconforto e colocando-se à disposição para colaborar ativamente na faxina da ceva.
― Temos coisas mais importantes para nos preocuparmos agora. É irrelevante a sua insatisfação. Ela não configura as necessidades da maioria. Não podemos fazer nada por você. Determinou o grande provedor suíno.
― Vocês não estarão fazendo por mim, mas por todos. O bem estar e a saúde de todos encontra-se ameaçada. Será que não conseguem perceber isto? Indagou o porquinho transbordando perplexidade.
― Estamos bem adaptados a este cheiro. Os incomodados que se retirem! Não tente infringir desordem à nossa ordem. Ordenou um dos conselheiros.
Percebendo que a ordem daquele lugar se baseava numa desordem generalizada e que a consciência daqueles seres estava poluída pelos dejetos do comodismo, da indiferença, da insensibilidade e ignorância, o porquinho abandonou aquele “chiqueiro” e foi em busca de um outro mundo onde pudesse preservar o seu próprio cheiro. Demorou, mas encontrou um lugar onde a faxina dos sentimentos e pensamentos era sempre bem vinda.
Não foi fácil abandonar o que com tanto amor se dedicou a cuidar. Mas, depois de tanta luta descobriu que lhe restara apenas uma possibilidade: abandonar aquele lugar ou abandonar a si mesmo. Optou por se preservar. Partiu com o coração doído e convicto de que nem sempre todas as transformações almejadas são possíveis. Mas, tem certas coisas que serão sempre possíveis e necessárias - a transformação de si mesmo e a preservação de seu tesouro interior.

terça-feira, 12 de junho de 2012

A Dialética dos Opostos


Dedico esta história à cega vaidade que nos habita e à sábia humildade que pacientemente nos aguarda




A DIALÉTICA DOS OPOSTOS


          

Humildade foi abordada por Vaidade na rua que lhe inquiriu:

_ Nossa, andas impecável ultimamente! Para que este chique todo?

_ Para eu mesma. Gosto de ver-me bela, sinto-me bem e acredito também que as pessoas sintam-se bem diante das coisas belas da vida.

_ Pois eu prefiro a humildade. Gosto de sair o mais avacalhada possível. Escarniou Vaidade dando uma de humilde. 

_ Acho que somos bem diferentes! Eu gosto de cuidar bem da minha própria pessoa. Sinto-me feliz quando me cuido. Pontuou Humildade.

-Será que voce pensa que as pessoas lhe contemplariam mais com esta beleza toda? Saiba que sou eu a mais contemplada pela minha humildade. Chego a ser comparada com o grande mestre Jesus Cristo. Totalmente desapegada! Poder ser comparada a ele nos permite sentir no pedestal.

_ Não desejo para pedestais em minha vida. Desejo apenas viver e sentir o prazer de cada oportunidade que a vida me oferece. Sinalizou Humildade.

_ Pois, a maior oportunidade que a vida tem me oferecido é poder tornar-me a mais sábia e a mais humilde das criaturas. Não desperdiçarei esta oportunidade, pois sei que a vida é curta. Com certeza, você terá que voltar várias vezes aqui para aprender ser simples e humilde. A maior riqueza reside na simplicidade e na humildade. E eu me sinto perto, bem perto de apoderar-me da maior riqueza que o ser humano poderá adquirir nesta vida. Regozijou-se Vaidade

_ Não sei se é um defeito, mas não tenho me preocupado em ser a maior em nada. Desejo apenas viver e sentir que estou crescendo, sem contudo, ter que, necessariamente, ser a maior.

_ Você tem muito que aprender! Precisa subir mais alguns degraus na sua escala evolutiva.

_ Mas, como você consegue detectar com tanta clareza em que degrau estou se nem eu mesma consigo enxergar isto? Indagou Humildade.

_ Provavelmente, porque já consigo ter uma visão muito maior do que a sua. Certamente, devo estar bem acima de você no processo evolutivo, apesar de você ser também uma pessoa especial. Continuou Vaidade oferecendo à Humildade uma virtude, mas com clara intenção de desqualifica-la.

_ Me sinto um ser especial, mas, não seriam todos, seres especiais?

_ Alguns são mais especiais do que os outros, pois possuem missões mais importantes a cumprir.

­­_ Que missão é mais importante nesta vida? Perguntou Humildade

_ Missões de Mestres. E, eu me identifico muito com eles. Você não pode imaginar o quanto é difícil cumprir esta missão. Estou certa de estar cumprindo bem a minha. Já consigo ser um exemplo a ser seguido. Por outro lado, existem pessoas com missões tão medíocres...

Consternada, Humildade franziu sua sobrancelha e perguntou confusa:

_ O que você chama de missão medíocre?

_ O seu trabalho, por exemplo...Não é tão indispensável assim. Qualquer um pode executá-lo.

_ Eu tento executar o meu trabalho da melhor forma possível, de maneira que eu possa sentir que estou me servindo e ao próximo. Existe algum trabalho que uma outra pessoa não possa executar? Acho que temos visões muito diferentes da vida.

_ Com certeza, mas acredito que um dia você possa conseguir alcançar a visão que hoje eu possuo. É só uma questão de tempo e experiência. Gabou-se Vaidade.

_ Tenho realmente muito que aprender com o tempo e com a experiência. Aliás, tudo que sei é fruto disto. Agora, deixe-me ir,  pois ainda tenho que brincar um pouco hoje.

_ Brincar? Eu tenho  que estudar e aumentar os meus conhecimentos. Quanto maior, mais poder . Desde quando brincar dá poder a alguém?

_ A mim dá o poder de relaxar. Respondeu Humildade com um lindo sorriso no rosto.

_ Brincar é coisa de criança. Não dá para uma pessoa viver a vida inteira agindo como gente pequena. Censurou Vaidade com uma expressão de desprezo.

_ O que você quer realmente dizer com isto? Perguntou Humildade compreendendo bem a malícia vaidosa.

_ Quero dizer que você precisa amadurecer.

_ Você me acha imatura? Perguntou Humildade sorrindo novamente.

_ Muito! Respondeu Vaidade com uma sonoridade grave em sua voz.

_ Com certeza preciso amadurecer, mas estou tranqüila quanto a isto, pois sei que cada fruta amadurece no seu tempo. Pontuou Humildade tranquilamente e com sabedoria.

_ Pois eu já amadureci totalmente e já consigo ser saboreada pelo outro com prazer. Olhe como todos babam aos meus pés! Evito estas bajulações, pois querem sujar a minha humildade com a inveja que lhes habita.

 Humildade ficava cada vez mais indignada com o discurso de Vaidade, mas nem por isso perdia a sua serenidade. Sem pretensão de corrigi-la ou censura-la, limitava-se a ouvi-la. Sabia que Vaidade possui uma armadura muito possante para evitar qualquer consciência que lhe pudesse roubar suas referências e lhe fazer sofrer. Vaidade precisava acreditar que era Humildade. Só largaria mão desta crença quando desse conta de enxergar-se. No fundo, não gostava da imagem que via e se fantasiava do ideal que buscava, mas que estava tão distante de si. Precisava da fantasia. Sua realidade era dura demais para ser experimentada. Por isso, projetava sua realidade sobre o outro numa tentativa paradoxal de se ver no outro e ao mesmo tempo de se esconder de si mesma. Sem a mínima pretensão de quebrar as suas fantasias e compreendendo as limitações da mesma, Humildade se limitou a dizer:

_ Difícil ser humilde... Acho que prefiro ser eu mesma.

_Você deveria ser como eu. Sugeriu Vaidade.

_ Acho difícil ser como você. Ser eu mesma me satisfaz. Justificou-se Humildade.

_ Você é uma pessoa narcisista. Só te falta uma coisa.

_O que me falta? Perguntou Humildade enxergando claramente o grande vazio de Vaidade.

_  Te falta Humildade. Finalizou Vaidade dando as costas para Humildade e seguindo seu destino.

                 Terminada a conversa, Humildade também seguiu o seu caminho. Depois deste dia não se encontraram nunca mais, pois Vaidade tinha o forte propósito de não perder seu tempo com qualquer um. E, “qualquer um” sempre foi “qualquer um” para ela. Por outro lado, para Humildade, “qualquer um” sempre foi “um a mais” para ajuda-la  aprender e crescer.