terça-feira, 12 de junho de 2012

A Dialética dos Opostos


Dedico esta história à cega vaidade que nos habita e à sábia humildade que pacientemente nos aguarda




A DIALÉTICA DOS OPOSTOS


          

Humildade foi abordada por Vaidade na rua que lhe inquiriu:

_ Nossa, andas impecável ultimamente! Para que este chique todo?

_ Para eu mesma. Gosto de ver-me bela, sinto-me bem e acredito também que as pessoas sintam-se bem diante das coisas belas da vida.

_ Pois eu prefiro a humildade. Gosto de sair o mais avacalhada possível. Escarniou Vaidade dando uma de humilde. 

_ Acho que somos bem diferentes! Eu gosto de cuidar bem da minha própria pessoa. Sinto-me feliz quando me cuido. Pontuou Humildade.

-Será que voce pensa que as pessoas lhe contemplariam mais com esta beleza toda? Saiba que sou eu a mais contemplada pela minha humildade. Chego a ser comparada com o grande mestre Jesus Cristo. Totalmente desapegada! Poder ser comparada a ele nos permite sentir no pedestal.

_ Não desejo para pedestais em minha vida. Desejo apenas viver e sentir o prazer de cada oportunidade que a vida me oferece. Sinalizou Humildade.

_ Pois, a maior oportunidade que a vida tem me oferecido é poder tornar-me a mais sábia e a mais humilde das criaturas. Não desperdiçarei esta oportunidade, pois sei que a vida é curta. Com certeza, você terá que voltar várias vezes aqui para aprender ser simples e humilde. A maior riqueza reside na simplicidade e na humildade. E eu me sinto perto, bem perto de apoderar-me da maior riqueza que o ser humano poderá adquirir nesta vida. Regozijou-se Vaidade

_ Não sei se é um defeito, mas não tenho me preocupado em ser a maior em nada. Desejo apenas viver e sentir que estou crescendo, sem contudo, ter que, necessariamente, ser a maior.

_ Você tem muito que aprender! Precisa subir mais alguns degraus na sua escala evolutiva.

_ Mas, como você consegue detectar com tanta clareza em que degrau estou se nem eu mesma consigo enxergar isto? Indagou Humildade.

_ Provavelmente, porque já consigo ter uma visão muito maior do que a sua. Certamente, devo estar bem acima de você no processo evolutivo, apesar de você ser também uma pessoa especial. Continuou Vaidade oferecendo à Humildade uma virtude, mas com clara intenção de desqualifica-la.

_ Me sinto um ser especial, mas, não seriam todos, seres especiais?

_ Alguns são mais especiais do que os outros, pois possuem missões mais importantes a cumprir.

­­_ Que missão é mais importante nesta vida? Perguntou Humildade

_ Missões de Mestres. E, eu me identifico muito com eles. Você não pode imaginar o quanto é difícil cumprir esta missão. Estou certa de estar cumprindo bem a minha. Já consigo ser um exemplo a ser seguido. Por outro lado, existem pessoas com missões tão medíocres...

Consternada, Humildade franziu sua sobrancelha e perguntou confusa:

_ O que você chama de missão medíocre?

_ O seu trabalho, por exemplo...Não é tão indispensável assim. Qualquer um pode executá-lo.

_ Eu tento executar o meu trabalho da melhor forma possível, de maneira que eu possa sentir que estou me servindo e ao próximo. Existe algum trabalho que uma outra pessoa não possa executar? Acho que temos visões muito diferentes da vida.

_ Com certeza, mas acredito que um dia você possa conseguir alcançar a visão que hoje eu possuo. É só uma questão de tempo e experiência. Gabou-se Vaidade.

_ Tenho realmente muito que aprender com o tempo e com a experiência. Aliás, tudo que sei é fruto disto. Agora, deixe-me ir,  pois ainda tenho que brincar um pouco hoje.

_ Brincar? Eu tenho  que estudar e aumentar os meus conhecimentos. Quanto maior, mais poder . Desde quando brincar dá poder a alguém?

_ A mim dá o poder de relaxar. Respondeu Humildade com um lindo sorriso no rosto.

_ Brincar é coisa de criança. Não dá para uma pessoa viver a vida inteira agindo como gente pequena. Censurou Vaidade com uma expressão de desprezo.

_ O que você quer realmente dizer com isto? Perguntou Humildade compreendendo bem a malícia vaidosa.

_ Quero dizer que você precisa amadurecer.

_ Você me acha imatura? Perguntou Humildade sorrindo novamente.

_ Muito! Respondeu Vaidade com uma sonoridade grave em sua voz.

_ Com certeza preciso amadurecer, mas estou tranqüila quanto a isto, pois sei que cada fruta amadurece no seu tempo. Pontuou Humildade tranquilamente e com sabedoria.

_ Pois eu já amadureci totalmente e já consigo ser saboreada pelo outro com prazer. Olhe como todos babam aos meus pés! Evito estas bajulações, pois querem sujar a minha humildade com a inveja que lhes habita.

 Humildade ficava cada vez mais indignada com o discurso de Vaidade, mas nem por isso perdia a sua serenidade. Sem pretensão de corrigi-la ou censura-la, limitava-se a ouvi-la. Sabia que Vaidade possui uma armadura muito possante para evitar qualquer consciência que lhe pudesse roubar suas referências e lhe fazer sofrer. Vaidade precisava acreditar que era Humildade. Só largaria mão desta crença quando desse conta de enxergar-se. No fundo, não gostava da imagem que via e se fantasiava do ideal que buscava, mas que estava tão distante de si. Precisava da fantasia. Sua realidade era dura demais para ser experimentada. Por isso, projetava sua realidade sobre o outro numa tentativa paradoxal de se ver no outro e ao mesmo tempo de se esconder de si mesma. Sem a mínima pretensão de quebrar as suas fantasias e compreendendo as limitações da mesma, Humildade se limitou a dizer:

_ Difícil ser humilde... Acho que prefiro ser eu mesma.

_Você deveria ser como eu. Sugeriu Vaidade.

_ Acho difícil ser como você. Ser eu mesma me satisfaz. Justificou-se Humildade.

_ Você é uma pessoa narcisista. Só te falta uma coisa.

_O que me falta? Perguntou Humildade enxergando claramente o grande vazio de Vaidade.

_  Te falta Humildade. Finalizou Vaidade dando as costas para Humildade e seguindo seu destino.

                 Terminada a conversa, Humildade também seguiu o seu caminho. Depois deste dia não se encontraram nunca mais, pois Vaidade tinha o forte propósito de não perder seu tempo com qualquer um. E, “qualquer um” sempre foi “qualquer um” para ela. Por outro lado, para Humildade, “qualquer um” sempre foi “um a mais” para ajuda-la  aprender e crescer.










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