Dedico
esta história à cega vaidade que nos habita e à sábia humildade que
pacientemente nos aguarda
A DIALÉTICA DOS OPOSTOS
Humildade
foi abordada por Vaidade na rua que lhe inquiriu:
_ Nossa, andas impecável ultimamente! Para
que este chique todo?
_ Para eu mesma. Gosto de ver-me bela, sinto-me bem e acredito
também que as pessoas sintam-se bem diante das coisas belas da vida.
_ Pois eu prefiro a humildade. Gosto de sair o mais avacalhada
possível. Escarniou Vaidade dando uma de humilde.
_ Acho que somos bem diferentes! Eu gosto de cuidar bem da minha
própria pessoa. Sinto-me feliz quando me cuido. Pontuou Humildade.
-Será que voce pensa que as pessoas lhe contemplariam mais com
esta beleza toda? Saiba que sou eu a mais contemplada pela minha humildade. Chego
a ser comparada
com o grande mestre Jesus Cristo. Totalmente desapegada! Poder ser comparada a
ele nos permite sentir no pedestal.
_ Não desejo para pedestais em minha vida. Desejo apenas viver e sentir o prazer de
cada oportunidade que a vida me oferece. Sinalizou Humildade.
_ Pois, a maior oportunidade que a vida tem me oferecido é poder
tornar-me a mais sábia e a mais humilde das criaturas. Não desperdiçarei esta
oportunidade, pois sei que a vida é curta. Com certeza, você terá que voltar várias
vezes aqui para aprender ser simples e humilde. A maior riqueza reside na
simplicidade e na humildade. E eu me sinto perto, bem perto de apoderar-me da
maior riqueza que o ser humano poderá adquirir nesta vida. Regozijou-se Vaidade
_ Não sei se é um defeito, mas não tenho me preocupado em ser a
maior em nada. Desejo apenas viver e sentir que estou crescendo, sem contudo,
ter que, necessariamente, ser a maior.
_ Você tem muito que aprender! Precisa subir mais alguns degraus
na sua escala evolutiva.
_ Mas, como você consegue detectar com tanta clareza em que degrau
estou se nem eu mesma consigo enxergar isto? Indagou Humildade.
_ Provavelmente, porque já consigo ter uma visão muito maior do
que a sua. Certamente, devo estar bem acima de você no processo evolutivo,
apesar de você ser também uma pessoa especial. Continuou Vaidade oferecendo à
Humildade uma virtude, mas com clara intenção de desqualifica-la.
_ Me sinto um ser especial, mas, não seriam todos, seres
especiais?
_ Alguns são mais especiais do que os outros, pois possuem missões
mais importantes a cumprir.
_ Que missão é mais importante nesta vida? Perguntou Humildade
_ Missões de Mestres. E, eu me identifico muito com eles. Você não
pode imaginar o quanto é difícil cumprir esta missão. Estou certa de estar cumprindo
bem a minha. Já consigo ser um exemplo a ser seguido. Por outro lado, existem
pessoas com missões tão medíocres...
Consternada, Humildade franziu sua sobrancelha e perguntou
confusa:
_ O que você chama de missão medíocre?
_ O seu trabalho, por exemplo...Não é tão indispensável assim.
Qualquer um pode executá-lo.
_ Eu tento executar o meu trabalho da melhor forma possível, de
maneira que eu possa sentir que estou me servindo e ao próximo. Existe algum
trabalho que uma outra pessoa não possa executar? Acho que temos visões muito
diferentes da vida.
_ Com certeza, mas acredito que um dia você possa conseguir
alcançar a visão que hoje eu possuo. É só uma questão de tempo e experiência. Gabou-se Vaidade.
_ Tenho realmente muito que aprender com o tempo e com a
experiência. Aliás, tudo que sei é fruto disto. Agora, deixe-me ir, pois ainda tenho que brincar um pouco hoje.
_ Brincar? Eu tenho que
estudar e aumentar os meus conhecimentos. Quanto maior, mais poder . Desde
quando brincar dá poder a alguém?
_ A mim dá o poder de relaxar. Respondeu Humildade com um lindo
sorriso no rosto.
_ Brincar é coisa de criança. Não dá para uma pessoa viver a vida
inteira agindo como gente pequena. Censurou Vaidade com uma expressão de
desprezo.
_ O que você quer realmente dizer com isto? Perguntou Humildade
compreendendo bem a malícia vaidosa.
_ Quero dizer que você precisa amadurecer.
_ Você me acha imatura? Perguntou Humildade sorrindo novamente.
_ Muito! Respondeu Vaidade com uma sonoridade grave em sua voz.
_ Com certeza preciso amadurecer, mas estou tranqüila quanto a
isto, pois sei que cada fruta amadurece no seu tempo. Pontuou Humildade
tranquilamente e com sabedoria.
_ Pois eu já amadureci totalmente e já consigo ser saboreada pelo
outro com prazer. Olhe como todos babam aos meus pés! Evito estas bajulações,
pois querem sujar a minha humildade com a inveja que lhes habita.
Humildade ficava cada vez mais indignada com o
discurso de Vaidade, mas nem por isso perdia a sua serenidade. Sem pretensão de
corrigi-la ou censura-la, limitava-se a ouvi-la. Sabia que Vaidade possui uma
armadura muito possante para evitar qualquer consciência que lhe pudesse roubar
suas referências e lhe fazer sofrer. Vaidade precisava acreditar que era
Humildade. Só largaria mão desta crença quando desse conta de enxergar-se. No
fundo, não gostava da imagem que via e se fantasiava do ideal que buscava, mas
que estava tão distante de si. Precisava da fantasia. Sua realidade era dura
demais para ser experimentada. Por isso, projetava sua realidade sobre o outro
numa tentativa paradoxal de se ver no outro e ao mesmo tempo de se esconder de
si mesma. Sem a mínima pretensão de quebrar as suas fantasias e compreendendo
as limitações da mesma, Humildade se limitou a dizer:
_ Difícil ser humilde... Acho que prefiro ser eu mesma.
_Você deveria ser como eu. Sugeriu Vaidade.
_ Acho difícil ser como você. Ser eu mesma me satisfaz.
Justificou-se Humildade.
_ Você é uma pessoa narcisista. Só te falta uma coisa.
_O que me falta? Perguntou Humildade enxergando claramente o
grande vazio de Vaidade.
_ Te falta Humildade.
Finalizou Vaidade dando as costas para Humildade e seguindo seu destino.
Terminada a conversa, Humildade também
seguiu o seu caminho. Depois deste dia não se encontraram nunca mais, pois Vaidade
tinha o forte propósito de não perder seu tempo com qualquer um. E, “qualquer
um” sempre foi “qualquer um” para ela. Por outro lado, para Humildade, “qualquer
um” sempre foi “um a mais” para ajuda-la aprender e crescer.
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