terça-feira, 29 de maio de 2012

O PATINHO OBCECADO


Dedico esta história àqueles que esqueceram seu SER no calabouço do TER



O PATINHO OBCECADO



Era uma vez um patinho chamado Fofo que tinha um tio muito ganancioso que só pensava em dinheiro. Patito era o nome de seu tio que era, inclusive, muito rico. Tinhas muitas casas, muitos carros, muitas fazendas, muitas empresas e muitos empregados. Vivia numa mansão com piscina, sauna, móveis chiques e caros, muitas televisões, DVDs, aparelhos de som e computadores dos mais sofisticados, enfim, tudo de inovador que saía no mercado o seu tio possuía, pois o que não faltava era dinheiro para adquirir o que quisesse.  No entanto, tio Patito não tinha algumas coisas, dentre elas, tempo para se divertir, mas nem pensava nisto, pois a única coisa que cabia na sua cachola eram os pensamentos vinculados ao poder e ao dinheiro.

Fofo achava que o mundo de seu tio Patito é que era bom, pois ele tinha um monte de coisas que ele não possuía. Tio Patito tinha o carro do ano e Fofo não tinha nem mesmo um carrinho decente de brinquedo. Se quisesse brincar, tinha que inventar junto com seus coleguinhas, carrinhos feitos de caixinha de fósforo ou com as latinhas de cerveja que catava nas lixeiras da vizinhança. Adorava os carrinhos que construía, mas pensava – Com certeza, os carros do Tio Patito devem ser bem melhores. Quando eu crescer, quero ser como ele e ter um carro bem bonito e tudo que ele tem e eu não.

Com estes pensamentos, o tempo foi passando e fofo foi crescendo, crescendo, crescendo...E, à medida que crescia, não parava de pensar nem um minuto nesta idéia de ser como o tio. Esta ideia virou uma obsessão. Voce sabe o que é obsessão? Obsessão é uma ideia que não sai da nossa cabeça e não nos deixa em paz. Obcecado, resolveu imita-lo. Pensava – Agir como ele deve ser uma forma de me tornar uma pessoa bem parecida com ele.

Pensando assim, Fofo parou de brincar e só pensava em ganhar dinheiro, assim como seu tio. Tudo que fazia tinha um preço, até os menores favores, que qualquer pessoa faz gentilmente  e gratuitamente por alguém, tinha um preço para Fofo. Nunca mais construiu um carrinho de brinquedo com os coleguinhas. Achava esta brincadeira perda de tempo. Como sabia fazer carrinhos muito bem, sempre fora requisitado pelos colegas para esta missão. Antes, presenteava-os com carrinhos de todos os tipos.  Agora, só construía seus carrinhos se pudesse vende-los bem caro e jamais ensinava aos colegas o ofício de sua construção. Aos poucos, foi ficando ganancioso como o tio. Só queria receber e desaprendeu a doar. Quando um coleguinha não podia pagar o preço que cobrava pelos carrinhos que construía, não sentia nem um pouco de misericórdia pelo mesmo. Voce sabe o que é misericórdia? Misericórdia é voce ser cordial e bondoso frente a miséria ou dificuldade do outro. Fofo perdeu esta capacidade e diante das dificuldades do outro pensava; -“ Eu tenho e voce não!” E, dava aquela risada maldosa...

Fofo cresceu e deixou de ser Fofo. Seu apelido passou a ser “Pão Duro”. Deixou de ter amigos, pois não tinha tempo e nem vontade de brincar com eles. Quando brincava, queria sempre vender alguma coisa. Com isto, os coleguinhas foram achando muito chata este tipo de brincadeira e se afastando dele, pois ele não era mais uma pessoa amiga e agradável para se conviver. Fofo foi ficando sem amigos e crescendo solitário. Com o passar do tempo, ficou rico como o tio Patito, pois só pensava em trabalhar, trabalhar, trabalhar e ganhar mais e mais dinheiro.  Finalmente, passou a poder comprar de tudo. Passou a ter todas as coisas que sonhou na infância, só não tinha tempo para usufrui-las. Tinha a melhor TV, mas não tinha tempo para assistir. Tinha uma piscina enorme, mas não tinha tempo para nadar. O mais engraçado é que ele foi ficando com medo de se afogar nela. Pato com medo de se afogar... Era só o que faltava! Aliás, ele foi ficando com cada medo mais esquisito que o outro. Foi ficando com medo de voar. Lembrava de seus voos maravilhosos quando criança; agora não conseguia tirar os pés do chão. Tinha asas que não serviam mais para nada. Para se consolar, dizia: - Pelo menos, eu tenho os meus pés no chão!

Suas asas foram ficando encardidas e com cheiro de mofo, igual aquelas roupas antigas que a gente não se desapega e esquece dentro de uma gaveta anos a fio. Tinha medo do sol, preferia a luminosidade das lâmpadas da sala de sua mega empresa. Tinha também receio do vento ou até mesmo de uma brisa leve. Temia ficar resfriado. Preferia o ar condicionado. O engraçado é que não conseguia compreender porque vivia gripado e cheio de catarro no peito.

No meio de tantos medos que foram tomando conta de Fofo, foi crescendo também um vazio dentro dele, parecido com um buraco muito grande. Talvez, voce não saiba o que é ter um buraco dentro da gente. Só se voce se parecer com Fofo é que vai perceber isto. Eu só sei que cada vez que Fofo se deparava com este buraco, ele procurava ganhar mais dinheiro e comprar mais coisas. Mas, este monte de coisas não preenchia este buraco. Parecia que faltava alguma coisa em sua vida, só que ele não se dava conta do que. Ficava pensando: - Se eu tenho tudo que o tio Patito tem e tudo que os outros não tem, o que será que me falta?

Fofo não estava satisfeito e ficava cada vez mais confuso, pois olhava para seus amigos felizes; amigos que possuíam muito menos coisas do que ele. E, novamente, ele pensava: - Como eles podem estar mais felizes do que eu se eles não possuem as coisas que tenho?

Eram tantos pensamentos que Fofo foi ficando com a mente confusa e cansada. Foi ficando doente, deprimido e estressado. Sentia que havia perdido algo e não sabia o que. Mesmo tendo passado a vida inteira competindo, lutando para chegar na frente, para ser o melhor; sentia, agora, a sensação de ter ficado para trás e de ser a pior das criaturas. Sem energia para continuar nesta luta sem sentido, resolveu, finalmente, procurar o amigo mais feliz que possuía. Pensou que ele, talvez, pudesse lhe vender a receita da felicidade. Ao chegar na casa do mesmo ficou surpreso. Seu amigo não tinha nem mesmo uma TV em casa. Piscina, nem pensar. Seu amigo nadava nos lagos e rios que a natureza, gratuitamente, lhe oferecia. Com tão poucas coisas, ele só tinha uma coisa que Fofo não tinha:  Felicidade.  Como Fofo só pensava em dinheiro, propôs com palavras duras e arrogantes:

- Voce é um pobretão! Passou a vida toda nesta miséria. Se quiser, poderá ter algumas coisas que eu tenho e voce não. Estou disposto a pagar o preço justo pela sua felicidade.

- Voce quer comprar a minha felicidade? Perguntou indignado o amigo.

- Pago o preço justo! Reforçou Fofo cheio de pompa.

-Voce não tem como comprar a minha felicidade. Ela não tem preço. O máximo que poderei fazer é compartilha-la com voce. Completou o amigo externando piedade e demonstrando com ternura que nem tudo o dinheiro compra.

Fofo já se esquecera como era este negócio chamado compartilhamento. Lembrava vagamente de sua infância quando compartilhava brinquedos e momentos de prazer com os amigos.

- Eu não sei compartilhar. Gaguejou Fofo.

Ele que se julgava dono da verdade e o “sabe tudo”, de repente se viu sabendo tão pouco de coisas que sabia tanto quando criança. Sentiu-se envergonhado de ter descoberto que havia coisas da vida que desconhecia ou esquecera.

- Voce quer reaprender a compartilhar? Perguntou o amigo carinhosamente.

- Reaprender? Como assim?

- Me lembro bem de voce na nossa infância. Voce sabia compartilhar muito bem tudo que possuía.

- E, o que eu possuía? Não me lembro de ter possuído nada. Lembro-me apenas que o Tio Patito possuía muitas coisas que eu sempre tive vontade de ter.

- Parece que voce perdeu tudo que o Fofo tinha quando optou por ter as coisas que o seu tio Patito possuía.

- Pode ser, mas não me lembro mesmo das coisas que o Fofo tinha. Se teve realmente alguma coisa preciso checa-las e conferi-las. Voce pode lista-las para mim? Perguntou como um empresário diante da aferição de uma nota fiscal.

Lamentando as perdas de Fofo e querendo ajuda-lo a reconquistar o perdido, o amigo, num tom bem humorado, começou a listar tudo aquilo que se lembrava:

- Voce tinha tempo para brincar e hoje voce não tem. Tinha sempre um sorriso no rosto e agora só vejo rugas de preocupação. Tinha humor e agora só seriedade. Tinha amizades e agora só tem a solidão como sua maior parceira. Tinha alegria e agora só vejo tristeza no seu olhar. Tinha coragem e agora sinto a presença do medo em voce. Tinha a liberdade e agora te vejo sempre preso ao desejo de ter mais. Enfim, agora voce só tem a imagem idealizada do seu tio Patito.

Antes que o amigo continuasse, Fofo disparou a chorar:

- Agora é tarde! Perdi muito tempo acumulando coisas que nem mesmo usufrui. Estou perdido!

- Perdidão! Confirmou o amigo batendo as asas em suas costas fraternalmente.

- Não sei o que fazer e por onde começar a mudar a minha vida. Estive todo este tempo equivocado. Se eu pudesse voltar, faria tudo diferente. Daria todo o dinheiro que tenho para retornar à minha infância e corrigir meus erros.

- Pare de pensar em dinheiro! É um bom começo. Vá viver aquilo que a sua ideia obsessiva por dinheiro lhe roubou viver. Repreendeu o amigo, olhando-o com seriedade.

- Fui furtado do meu maior bem. Me sinto um miserável pedindo de esmola um pouco mais de vida. O que vivi não é vida. Voce tem razão, é pura obsessão.

- Espero que faça um bom proveito desta descoberta. Agora, voce me dê licença, pois tenho que ir. Hoje é dia de flutuar nas correntezas  do rio Guari.

- Posso ir com voce? Perguntou Fofo, receoso temendo uma rejeição do amigo.

- É claro! Desde que leve o Fofo e não pense no seu Tio Patito.

Fofo e seu amigo seguiram rumo a rio Guari. Uma nova vida cheia de aventuras e prazeres o aguardava de braços abertos. Afogando suas ambições naquele rio e flutuando sobre sua humildade, reaprendeu a nadar, voar e brincar. Suas penas voltaram a ficar brancas e fofas como algodão e hoje, depois de muitos anos, virou lenda na região. Dizem que quem tiver a graça de encontrar uma pena bem fofa e branca flutuando pelo rio Guari conquistará a verdadeira felicidade.




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