Dedico esta história àqueles que esqueceram seu SER no calabouço do TER
O PATINHO OBCECADO
Era uma vez um patinho
chamado Fofo que tinha um tio muito ganancioso que só pensava em dinheiro.
Patito era o nome de seu tio que era, inclusive, muito rico. Tinhas muitas
casas, muitos carros, muitas fazendas, muitas empresas e muitos empregados.
Vivia numa mansão com piscina, sauna, móveis chiques e caros, muitas
televisões, DVDs, aparelhos de som e computadores dos mais sofisticados, enfim,
tudo de inovador que saía no mercado o seu tio possuía, pois o que não faltava
era dinheiro para adquirir o que quisesse.
No entanto, tio Patito não tinha algumas coisas, dentre elas, tempo para
se divertir, mas nem pensava nisto, pois a única coisa que cabia na sua cachola
eram os pensamentos vinculados ao poder e ao dinheiro.
Fofo achava que o
mundo de seu tio Patito é que era bom, pois ele tinha um monte de coisas que
ele não possuía. Tio Patito tinha o carro do ano e Fofo não tinha nem mesmo um
carrinho decente de brinquedo. Se quisesse brincar, tinha que inventar junto
com seus coleguinhas, carrinhos feitos de caixinha de fósforo ou com as
latinhas de cerveja que catava nas lixeiras da vizinhança. Adorava os carrinhos
que construía, mas pensava – Com certeza, os carros do Tio Patito devem ser bem
melhores. Quando eu crescer, quero ser como ele e ter um carro bem bonito e
tudo que ele tem e eu não.
Com estes pensamentos,
o tempo foi passando e fofo foi crescendo, crescendo, crescendo...E, à medida
que crescia, não parava de pensar nem um minuto nesta idéia de ser como o tio.
Esta ideia virou uma obsessão. Voce sabe o que é obsessão? Obsessão é uma ideia
que não sai da nossa cabeça e não nos deixa em paz. Obcecado, resolveu
imita-lo. Pensava – Agir como ele deve ser uma forma de me tornar uma pessoa
bem parecida com ele.
Pensando assim, Fofo
parou de brincar e só pensava em ganhar dinheiro, assim como seu tio. Tudo que
fazia tinha um preço, até os menores favores, que qualquer pessoa faz
gentilmente e gratuitamente por alguém,
tinha um preço para Fofo. Nunca mais construiu um carrinho de brinquedo com os
coleguinhas. Achava esta brincadeira perda de tempo. Como sabia fazer carrinhos
muito bem, sempre fora requisitado pelos colegas para esta missão. Antes,
presenteava-os com carrinhos de todos os tipos. Agora, só construía seus carrinhos se pudesse
vende-los bem caro e jamais ensinava aos colegas o ofício de sua construção.
Aos poucos, foi ficando ganancioso como o tio. Só queria receber e desaprendeu
a doar. Quando um coleguinha não podia pagar o preço que cobrava pelos
carrinhos que construía, não sentia nem um pouco de misericórdia pelo mesmo.
Voce sabe o que é misericórdia? Misericórdia é voce ser cordial e bondoso
frente a miséria ou dificuldade do outro. Fofo perdeu esta capacidade e diante
das dificuldades do outro pensava; -“ Eu tenho e voce não!” E, dava aquela
risada maldosa...
Fofo cresceu e deixou
de ser Fofo. Seu apelido passou a ser “Pão Duro”. Deixou de ter amigos, pois
não tinha tempo e nem vontade de brincar com eles. Quando brincava, queria
sempre vender alguma coisa. Com isto, os coleguinhas foram achando muito chata
este tipo de brincadeira e se afastando dele, pois ele não era mais uma pessoa
amiga e agradável para se conviver. Fofo foi ficando sem amigos e crescendo
solitário. Com o passar do tempo, ficou rico como o tio Patito, pois só pensava
em trabalhar, trabalhar, trabalhar e ganhar mais e mais dinheiro. Finalmente, passou a poder comprar de tudo.
Passou a ter todas as coisas que sonhou na infância, só não tinha tempo para
usufrui-las. Tinha a melhor TV, mas não tinha tempo para assistir. Tinha uma
piscina enorme, mas não tinha tempo para nadar. O mais engraçado é que ele foi
ficando com medo de se afogar nela. Pato com medo de se afogar... Era só o que
faltava! Aliás, ele foi ficando com cada medo mais esquisito que o outro. Foi
ficando com medo de voar. Lembrava de seus voos maravilhosos quando criança;
agora não conseguia tirar os pés do chão. Tinha asas que não serviam mais para
nada. Para se consolar, dizia: - Pelo menos, eu tenho os meus pés no chão!
Suas asas foram
ficando encardidas e com cheiro de mofo, igual aquelas roupas antigas que a
gente não se desapega e esquece dentro de uma gaveta anos a fio. Tinha medo do
sol, preferia a luminosidade das lâmpadas da sala de sua mega empresa. Tinha
também receio do vento ou até mesmo de uma brisa leve. Temia ficar resfriado.
Preferia o ar condicionado. O engraçado é que não conseguia compreender porque
vivia gripado e cheio de catarro no peito.
No meio de tantos
medos que foram tomando conta de Fofo, foi crescendo também um vazio dentro
dele, parecido com um buraco muito grande. Talvez, voce não saiba o que é ter
um buraco dentro da gente. Só se voce se parecer com Fofo é que vai perceber
isto. Eu só sei que cada vez que Fofo se deparava com este buraco, ele
procurava ganhar mais dinheiro e comprar mais coisas. Mas, este monte de coisas
não preenchia este buraco. Parecia que faltava alguma coisa em sua vida, só que
ele não se dava conta do que. Ficava pensando: - Se eu tenho tudo que o tio
Patito tem e tudo que os outros não tem, o que será que me falta?
Fofo não estava
satisfeito e ficava cada vez mais confuso, pois olhava para seus amigos
felizes; amigos que possuíam muito menos coisas do que ele. E, novamente, ele
pensava: - Como eles podem estar mais felizes do que eu se eles não possuem as
coisas que tenho?
Eram tantos
pensamentos que Fofo foi ficando com a mente confusa e cansada. Foi ficando
doente, deprimido e estressado. Sentia que havia perdido algo e não sabia o
que. Mesmo tendo passado a vida inteira competindo, lutando para chegar na
frente, para ser o melhor; sentia, agora, a sensação de ter ficado para trás e
de ser a pior das criaturas. Sem energia para continuar nesta luta sem sentido,
resolveu, finalmente, procurar o amigo mais feliz que possuía. Pensou que ele,
talvez, pudesse lhe vender a receita da felicidade. Ao chegar na casa do mesmo
ficou surpreso. Seu amigo não tinha nem mesmo uma TV em casa. Piscina, nem
pensar. Seu amigo nadava nos lagos e rios que a natureza, gratuitamente, lhe
oferecia. Com tão poucas coisas, ele só tinha uma coisa que Fofo não
tinha: Felicidade. Como Fofo só pensava em dinheiro, propôs com
palavras duras e arrogantes:
- Voce é um pobretão!
Passou a vida toda nesta miséria. Se quiser, poderá ter algumas coisas que eu
tenho e voce não. Estou disposto a pagar o preço justo pela sua felicidade.
- Voce quer comprar a
minha felicidade? Perguntou indignado o amigo.
- Pago o preço justo!
Reforçou Fofo cheio de pompa.
-Voce não tem como
comprar a minha felicidade. Ela não tem preço. O máximo que poderei fazer é
compartilha-la com voce. Completou o amigo externando piedade e demonstrando
com ternura que nem tudo o dinheiro compra.
Fofo já se esquecera
como era este negócio chamado compartilhamento. Lembrava vagamente de sua
infância quando compartilhava brinquedos e momentos de prazer com os amigos.
- Eu não sei
compartilhar. Gaguejou Fofo.
Ele que se julgava
dono da verdade e o “sabe tudo”, de repente se viu sabendo tão pouco de coisas
que sabia tanto quando criança. Sentiu-se envergonhado de ter descoberto que
havia coisas da vida que desconhecia ou esquecera.
- Voce quer reaprender
a compartilhar? Perguntou o amigo carinhosamente.
- Reaprender? Como
assim?
- Me lembro bem de
voce na nossa infância. Voce sabia compartilhar muito bem tudo que possuía.
- E, o que eu possuía?
Não me lembro de ter possuído nada. Lembro-me apenas que o Tio Patito possuía
muitas coisas que eu sempre tive vontade de ter.
- Parece que voce
perdeu tudo que o Fofo tinha quando optou por ter as coisas que o seu tio
Patito possuía.
- Pode ser, mas não me
lembro mesmo das coisas que o Fofo tinha. Se teve realmente alguma coisa
preciso checa-las e conferi-las. Voce pode lista-las para mim? Perguntou como
um empresário diante da aferição de uma nota fiscal.
Lamentando as perdas
de Fofo e querendo ajuda-lo a reconquistar o perdido, o amigo, num tom bem
humorado, começou a listar tudo aquilo que se lembrava:
- Voce tinha tempo
para brincar e hoje voce não tem. Tinha sempre um sorriso no rosto e agora só
vejo rugas de preocupação. Tinha humor e agora só seriedade. Tinha amizades e
agora só tem a solidão como sua maior parceira. Tinha alegria e agora só vejo
tristeza no seu olhar. Tinha coragem e agora sinto a presença do medo em voce.
Tinha a liberdade e agora te vejo sempre preso ao desejo de ter mais. Enfim,
agora voce só tem a imagem idealizada do seu tio Patito.
Antes que o amigo
continuasse, Fofo disparou a chorar:
- Agora é tarde! Perdi
muito tempo acumulando coisas que nem mesmo usufrui. Estou perdido!
- Perdidão! Confirmou
o amigo batendo as asas em suas costas fraternalmente.
- Não sei o que fazer e por onde
começar a mudar a minha vida. Estive todo este tempo equivocado. Se eu pudesse voltar, faria tudo
diferente. Daria todo o dinheiro que tenho para retornar à minha infância e
corrigir meus erros.
- Pare de pensar em
dinheiro! É um bom começo. Vá viver aquilo que a sua ideia obsessiva por
dinheiro lhe roubou viver. Repreendeu o amigo, olhando-o com seriedade.
- Fui furtado do meu
maior bem. Me sinto um miserável pedindo de esmola um pouco mais de vida. O que
vivi não é vida. Voce tem razão, é pura obsessão.
- Espero que faça um
bom proveito desta descoberta. Agora, voce me dê licença, pois tenho que ir.
Hoje é dia de flutuar nas correntezas do
rio Guari.
- Posso ir com voce?
Perguntou Fofo, receoso temendo uma rejeição do amigo.
- É claro! Desde que
leve o Fofo e não pense no seu Tio Patito.
Fofo e seu amigo
seguiram rumo a rio Guari. Uma nova vida cheia de aventuras e prazeres o
aguardava de braços abertos. Afogando suas ambições naquele rio e flutuando
sobre sua humildade, reaprendeu a nadar, voar e brincar. Suas penas voltaram a
ficar brancas e fofas como algodão e hoje, depois de muitos anos, virou lenda
na região. Dizem que quem tiver a graça de encontrar uma pena bem fofa e branca
flutuando pelo rio Guari conquistará a verdadeira felicidade.