quinta-feira, 6 de março de 2014

A DEUSA DA SABEDORIA



Dedico esta história ao cultivo da sabedoria



A Deusa da Sabedoria



Havia uma Deusa muito sábia que pensando no desenvolvimento do ser humano criou inúmeras sementes com o gen da evolução para que o mesmo pudesse semeá-las e cultiva-las. Cada semente deveria ser plantada no solo de nossa alma, cultivada com carinho e dedicação para que uma floresta de boas virtudes, potencialidades e recursos pudesse habitar a nossa vida. Alimentar-se dos frutos das árvores desta rica floresta faria com que alma estivesse sempre bem nutrida.
Todo ser humano receberia ao nascer sementes de todas as espécies devendo cuidar destas e alimentar-se dos seus frutos até o seu último dia de vida. Antes mesmo do nascimento seria advertido de que todas elas seriam importantes e fundamentais ao seu desenvolvimento, devendo, portanto, cuidar de todas sem discriminação e com o mesmo apreço. Caso atribuísse mais atenção a qualquer uma delas, correria o risco de submeter-se a uma grande maldição e desnutrição.
Certa de que seu projeto de evolução humana seria indispensável à saudável perpetuação da espécie, a Deusa da Sabedoria pariu infinitas sementes que carregavam o gen do amor, da paz, da fé, da felicidade, da saúde, do conhecimento, do trabalho, da criatividade, do lazer, do prazer, da esperança, da humildade, da verdade, enfim, de todos os nutritivos recursos que o homem precisaria para ser uma grandiosa obra. Parindo-as, ofertava cada semente a toda alma que se comprometesse com este magnífico projeto de vida.
A vida se tornou uma benção, pois todo ser que chegava ao mundo semeava e cultivava com empenho e sem discriminação cada árvore virtuosa e com os frutos da mesma preparava as mais diversificadas e saborosas refeições para sua alma. Com um cardápio altamente diversificado e enriquecedor preparavam criativos banquetes que os deixavam bem alimentados e fortificados.
Desde o nascimento, o ser humano já era uma potência que necessitava apenas ser desenvolvida. O tempo associado aos cuidados básicos com cada semente transformava todos os brotos numa floresta virtuosa e potencialmente repleta de recursos.
Como toda natureza tem os seus desvios, eis que apareceu na natureza humana uma primeira ameaça ao seu equilíbrio. Um ser diabólico invejando o nirvana daquele paraíso resolveu jogar sobre a alma humana uma semente que dificilmente seria reconhecida. Ela não era uma semente do mal, aliás, todos os seres já tinham sido advertidos sobre os perigos das sementes malignas e tão logo uma erva daninha começasse a brotar, rapidamente empreendiam esforços maciços no sentido de exterminá-la. Esta nova semente diabólica potencializava o desejo de exercer cuidados exclusivos a apenas uma espécie. Como o ser estaria totalmente comprometido com a força virtuosa da dedicação, dificilmente reconheceria estar fazendo mal às outras espécies que estariam relegadas ao segundo plano e futuramente ao esquecimento. Este plano diabólico dificilmente fracassaria e foi justamente isto que aconteceu. Para alegria do compulsivo diabinho, o seu plano brotou com toda força em muitas almas desavisadas que compulsivamente começaram a se dedicar a uma única semente. A dedicação a uma virtude fazia com que todos pensassem estar trilhando o caminho certo e a alma tomada pela obstinação compulsiva não teria discernimento para perceber a negligência para com o resto das coisas à sua volta.
A Deusa da Sabedoria chorou ao ver o caos infringido à sua obra. Naquele momento não sabia como resgata-la de tamanha maliciosidade. Os que se dedicavam à fé compulsiva perdiam a visão e saiam pelo mundo alienados pregando o fanatismo em almas que haviam também se perdido, crucificando-as ao invés de libertá-las. Os que optavam por uma dieta baseada na verdade compulsiva passaram a se sentir donos da mesma e a comercializavam apontando como única saída para a salvação o seu próprio desejo de dominação. Havia aqueles que viviam da humildade exacerbada confundindo-a com a miséria e se tornando pobres mendigos. Os que tinham fome de conhecimento se tornaram analfabetos para as coisas simples da vida. Aqueles que amavam loucamente se agarravam possessivamente a seus entes queridos como se fossem donos ou propriedade dos mesmos. Existiam os que buscavam apenas a alegria transformando-se em palhaços que ao invés de graça inspiravam tédio. Os que se alimentavam apenas da árvore da criatividade criavam incessantemente, mas jamais usufruíam sua criação ou da criatividade do outro. Quem se tornou obstinado pela saúde do corpo não se atrevia a fazer nada que não fosse tratar das mínimas probabilidades de adoecer tornando-se um hipocondríaco em potencial. Até a paz não saiu ilesa desta estória, tornou-se vítima de vãs filosofias que se sustentavam apenas em teorias. Seus adeptos nada de prático faziam e fugiam de qualquer conflito se refugiando em templos meditativos. O trabalho compulsivo estressou infinitos seres transformando-os em máquinas; alienados, julgavam-se nobres operadores de produção não identificando o labor doentio. Onde estava a esperança para o fim deste caos? Quem se dedicou exclusivamente a ela idealizava um futuro maravilhoso onde todas as dificuldades seriam superadas; conformavam-se passivamente com o trágico presente e nada faziam para transformá-lo.
A Deusa da Sabedoria assistia o flagelo humano sem saber como ajudar. Viu florestas inteiras sendo devastadas e transformadas em áridos desertos. A alimentação foi ficando escassa e artificial. Alimentos antes produzidos pela própria alma deveriam agora ser comprados em centros comerciais. Todas as virtudes começaram a ser comercializadas. Quem não cultivava o equilíbrio poderia adquiri-lo em forma de enlatados cuja marca intitulava-se Spa. Quem não cultivava a alegria poderia comprar um saco de risadas. Aqueles que não tinham tempo para saúde compravam nas farmácias as pílulas de vitaminas, proteínas e sais minerais capazes de evitar variadas doenças. O conhecimento passou a ser vendido, jamais conquistado. Todos poderiam comprá-lo somente em cursos e livrarias. Os que não tinham tempo para fé pagavam o dízimo e conquistavam o paraíso. A liberdade era comprada em cursos de vôo livre e em lojas que vendiam equipamentos de vôo capazes de produzir a tão sonhada sensação de ser um pássaro. A mídia fazia propagandas maravilhosas sobre antidepressivos e ansiolíticos que se instituíam como sendo a pílula da felicidade, da paz e tranqüilidade. Com o amor e com os prazeres sexuais não foi diferente. Havia pílulas, programas e sites computadorizados capazes de estimulá-los. A beleza era comprada nas lojas e a juventude adquirida através de caros cosméticos. Começar a produzir seres humanos em laboratório de acordo com os padrões vigentes era muito mais apropriado e chique do que o ultrapassado e cafona método natural. Tinha-se filhos de acordo com a moda da estação. Quando a moda passava alguns pais se sentiam frustrados, mas tratavam de institucionalizar deste cedo seus filhos em nome de uma boa educação. E assim, sucessivamente, foram acontecendo uma série de transformações que o homem deu o nome de progresso.
Carente de uma alimentação natural e sadia e absorta em tanta artificialidade, um câncer espiritual passou a se proliferar na raça humana com forte poder de destruição. A Deusa da Sabedoria se deu conta de que o obstinado progresso humano era bem diferente do seu maravilhoso projeto de evolução. Sua obra perdeu gradativamente o poder de discernir e desenvolver-se. Sabia que semente poderia salvar a humanidade do caos, mas não sabia como introduzi-la neste novo universo humano. Com sua divina sapiência pariu-se a si mesma e ofertou-se a terra em forma de semente.
Eu não sei lhes dizer ainda onde caiu a semente da sabedoria, mas posso lhes garantir que em algum lugar ela existe e é com certeza a nossa única saída. Às vezes tenho a impressão de que ela se encontra dentro de todos nós em um lugar muito escuro que necessita apenas de um pouco de luz para germinar, crescer e se desenvolver. O Deus Iluminação há de lançar seus raios de luz sobre esta semente. Sei que uma nuvem negra não deixa a luz penetrar no interior da alma de alguns seres, mas já consigo ver muitos outros irradiando luminosidade e isto me enche de esperança e felicidade. Se houver uma nuvem negra sobre você, comece a soprá-la desde já. Eu lhe garanto que por detrás dela uma luz poderosa lhe aguarda.