domingo, 30 de dezembro de 2012

O GRÃOZINHO DE AREIA


 

DEDICO ESTA HISTÓRIA A TODO GRÃOZINHO DE AREIA QUE ÀS VEZES SE DEBATE COM A SUA CONDIÇÃO, MAS QUE BUSCA, LÁ NO FUNDO DO SEU SER, O NOBRE SENTIDO DE SÊ-LO.


O GRÃOZINHO DE AREIA


Era uma vez um grãozinho de areia chamado José. José andava muito insatisfeito consigo mesmo. Achava que a vida de grão de areia não valia à pena. Pensava que talvez valesse mais à pena ser uma estrela ou qualquer outra coisa que fosse grande, luminosa, forte e poderosa. Tinha vontade de deixar de ser um grão de areia, mas não sabia como deixar de sê-lo. Chegava a pensar que se talvez fosse levado ao vento, solitário, pudesse deixar de sê-lo, mas era sempre advertido  de que este seu desejo era impossível. E assim vivia em eterno conflito consigo mesmo.
José encontrava frequentemente ao seu redor muitos grãos de areia assim como ele, todos lamentando a sua lastimável condição de ser um simples grão. Um dia, porém, viu uma grãozinha sorrindo alegremente no meio de tanta lamentação. Surpreso, perguntou à mesma:
— O que faz de você um ser tão feliz?
— Viver é uma grande felicidade! Respondeu a grãozinha irradiando entusiasmo pela vida.
— Viver pode ser bom para uma estrela, mas para um grão de areia... É terrível ser um grão de areia. Lamentou José.
— Mas eu sou também um grão de areia e não me sinto infeliz na minha condição de sê-lo. Qual a diferença entre um grão e uma estrela? Perguntou a grãozinha.
— A estrela vive nas alturas, é grande e brilha. Nós vivemos aqui em baixo, podemos ser pisado por todos e, além do mais, somos minúsculos e opacos. Respondeu José cheio de insatisfação.
— Nossa, que jeito mais esquisito de enxergar a vida! Exclamou a grãozinha cheia de indignação.
— E por acaso há outra maneira de enxergar esta vida miserável? Perguntou José desafiando a grãozinha.
— Eu não sei se o meu jeito de enxergar é certo ou errado, só sei que é completamente diferente do seu.
Tentando ironiza-la José falou:
— Se o jeito que você se enxerga for bom, talvez você esteja cega.
A grãozinha, com toda delicadeza e humildade, falou com ternura:
   Talvez eu seja cega mesmo e com isto tenha adquirido a capacidade de enxergar diferente. Você enxerga usando a mágoa como instrumento. Eu utilizo o meu coração e dentro dele há muito amor, principalmente por mim.
— O amor faz a gente se enxergar diferente? Perguntou José.
— O amor faz a gente enxergar tudo belo! Esse seu jeito estranho de enxergar a vida me faz pensar que lhe falta amor.
— Você está querendo dizer que não existe amor na minha vida? Que petulância! Eu sei muito bem o que vem a ser o amor. Censurou José àquela grãozinha que parecia tê-lo desafiado naquele momento.
— Eu não estou querendo dizer que não existe amor na sua vida. Eu estou querendo dizer que lhe falta amor. Existir e faltar são duas coisas bem diferentes. É justamente por existir que você sabe o que é, e é por saber o que é que você se sente mal quando o amor lhe falta. Ponderou a grãozinha com sabedoria.
— E quanto de amor me falta? Perguntou o grãozinho curioso.
— Amor não se mede, amor se sente. Falta apenas você sentir amor por si mesmo. Explicou a grãozinha.
— Me diga como se faz isto, pois na verdade eu sempre passei a minha vida preocupado em sentir amor pelos outros e tentando comprovar o amor que os outros sentiam  por mim. Buscando a aprovação de todos acabei esquecendo de olhar para mim. Lamentou José.
— Você pode começar por aí, por lembrar-se mais de si mesmo.
— Isso não funciona! Eu passo o dia inteiro me lembrando desta coisa horrível que sou e a estrela que não consigo ser.
A grãozinha já estava quase perdendo a paciência com o jeito pobre e pequeno que aquele grão tinha de se perceber. Ela, grão como ele, não se via assim. Onde estava a diferença? Tentando ajudá-lo, resolveu persistir naquela conversa.
— Pare com este seu jeito de queixar-se da vida e de si mesmo! Enquanto você não corrigir este seu comportamento autodepreciativo, você não conseguirá se amar. Sem amar a si mesmo, tornará impossível amar a vida por mais bela que ela seja. Tente se conhecer melhor. Será que não percebe a importância de um grão de areia?
José foi ficando assustado com a firmeza da grãozinha. Limitou-se a ficar caladinho escutando a bronca de um ser que se dizia igual a ele, mas que parecia ao mesmo tempo ser tão diferente. Não conseguia encontrar uma razão sequer que pudesse justificar a importância de um grão de areia. Ela, por sua vez, continuava falando, tentando buscar, se necessário, no lugar mais longínquo do universo, uma razão para a sua existência.
— Eu me aceito porque sei que tudo tem uma razão de ser.  Se sou uma pequena grãozinha, é porque o  universo precisa muito de mim. Se o universo não precisasse de mim, eu não seria um grão, eu simplesmente não existiria. O universo precisa que eu seja um grão e não uma estrela, assim como você. O fato de sermos uma coisa e não outra, não aniquila o nosso valor. A quem foi dado o poder de atribuir valor a coisas? Perguntou a grãozinha desafiando José, que afirmou logo em seguida:
— Boa pergunta! Eu não saberia respondê-la.
— Pois eu sei! Este poder foi dado a todos nós. Valemos por aquilo que afirmamos ser, como tudo aquilo que nos rodeia. Eu não sou como você que não se atribui valor algum. Eu me sinto importante, pois fui inteligente o suficiente para criar uma razão que pudesse me transformar num ser significativo e indispensável neste universo. Ninguém neste mundo conseguiria aniquilar o meu valor, pois eu já o defini. Sou um grande tesouro!
José deu uma grande risada e falou com sarcasmo:
— Deixa de ser pedante! Por que você não consegue enxergar a realidade e se aceitar como um ser pequeno, opaco e cravado neste chão?
— Você é quem não consegue enxergar a realidade e se aceitar como é. O seu orgulho lhe deixa cego. Não sou eu quem estou lamentando a condição de ser um grão. Eu aceito a minha condição, você não. O fato de sermos pequenos não significa que não sejamos grandes. O fato de sermos opacos não significa que não tenhamos o nosso brilho. O fato de estarmos cravados no chão não significa que não estejamos nas alturas.
Sem entender aquilo que a grãozinha tinha acabado de falar, José enrugou atesta num sinal de reprovação. A sua expressão denotava grande insatisfação. Parecia desejar ser o universo e não o grão que o constituía. A grãozinha por sua vez permaneceu ali, feliz.  Uma das coisas que lhe dava imenso prazer era olhar para uma linda estrela abaixo da terra que sempre dirigia o seu olhar para cima admirando este gigantesco planeta. O brilho do olhar dela era tão intenso que a grãozinha conseguia adivinhar o que aquela estrela pensava. Com certeza ela dizia:
— Que planeta maravilhoso! De quantos grãos é feito a terra? Abençoados sejam todos eles ali juntinhos criando o chão que abriga tantas espécies, tanta riqueza e tanta beleza. Majestosa grã!
Esta história termina com o universo sussurrando no ouvido desta estrela:
— Daí não dá para você enxergar, mas habita este planeta um grão megalomaníaco, chamado homem, que não descobriu ainda o sentido e a consistência de ser um simples grão. Ao invés de se sentir parte, ele se sente o todo – O TODO PODEROSO. Com isso ele sofre. Sofre ao descobrir que não tem tanto poder quanto gostaria. Se não descobrir a parte importante que é, e principalmente a parte importante que cada espécie que habita este maravilhoso planeta representa, acabará transformando a majestosa grã em pó.