Dedico esta história a toda criança ativa que descobrindo o que muitos adultos tentam negar e encobrir, acabam sendo reprimidas e mal compreendidas frente a ignorância daqueles que se julgam maduros, mas que possuem, na verdade, uma criança também reprimida e mal resolvida dentro deles.
Num
gigantesco lago de águas cristalinas, rodeado por uma floresta de árvores gigantescas de infinita beleza,
vivia uma comunidade de patos selvagens. Ali, eles nasciam, cresciam e
aprendiam as lições básicas para sobrevivência e para as inúmeras viagens que
deveriam fazer ao longo da vida. Todos os anos, durante o inverno, a temperatura ficava tão baixa que as águas
do grande lago congelavam . As águas cristalinas por onde os patos selvagens
nadavam e se compraziam durante a primavera e verão eram substituídas por uma
imensa pedra de gelo. Nadar; nem pensar!
Só esquiando mesmo... Mas, pato não foi feito para esquiar. O jeito era aproveitar a estação gelada para
fazer maravilhosas viagens para outras regiões mais quentes. Retornavam quando
a primavera chegava trazendo de volta o calor e a alimentação que já começava a
ficar escassa no outono. No outono, embora as águas não congelassem, iam
gradativamente ficando bem geladinha. As folhas das frondosas árvores se
desprendiam dos galhos e uma paisagem desagasalhada começava a tomar conta de
todo o lugar. O friozinho começava a chegar. E, foi no meio deste friozinho que uma patinha
chamada Vitória Régia, muito simpática e
feliz descobriu uma forma gostosa de se esquentar. Esfregando suas asinhas no
seu corpinho, conseguia se aquecer e
fugir daquele frio que a deixava muito tensa. Se esfregando, esfregando, esfregando,
seu corpinho além de aquecer, lhe proporcionava uma outra sensação muito
gostosa. Vitória Régia descobriu que além de esquentar, um prazer enorme brotava no meio daquele
calor. Em meio aquele frio todo, a
patinha suava de tanto se esfregar, percebendo
que, mesmo ofegante, era muito gostoso fazer aquele movimento todo.
Inicialmente, se esfregar era uma boa
solução para o problema do frio, mas este esfrega todo passou a se tornar
também um problema, pois a patinha começou a ter tanta vontade de se esfregar
para obter aquele prazer gostoso que passou a fazer isto muitas vezes ao dia e
em lugares onde aquele esfrega todo não era bem-vindo. Quando ia para as aulas
de natação e de voo, a patinha ao invés de prestar atenção nos ensinamentos do
professor, preferia se esfregar, esfregar, esfregar... De tanto se esfregar,
começou a chamar a atenção dos coleguinhas que achavam estranho aquela
movimentação toda da patinha. Foi ai que seus coleguinhas começaram a chama-la
de Esfreguinha. Vitória Régia não gostou nada daquele apelido, pois gostava
muito de seu nome. Começou a ficar envergonhada todas as vezes que se esfregava
e a achar que estava fazendo alguma coisa errada, pois todo mundo olhava
aqueles seus gestos de uma forma muito esquisita. O olhar dos outros patos
pareciam dizer: Você está fazendo uma
coisa errada! Vitória Régia começou a se sentir culpada. A culpa gera um
incômodo que deixa a gente muito triste. Assim, o esfrega, esfrega além de prazer deixava a patinha
triste também.
Na verdade, não havia nada de errado
no esfrega, esfrega de Vitória Régia, só estava errado o momento que ela
escolhia para fazer aquilo. Ela precisava descobrir uma forma de resolver este
conflito. Onde poderia encontrar uma
solução para este prazer que passou a se tornar um problema? Foi aí que Vitória
Régia procurou a mamãe pata para compartilhar seu conflito. Contou para mamãe
tudo que estava acontecendo e a mamãe com toda sua sabedoria orientou
amavelmente a sua filhinha:
- Querida, você não precisa se preocupar. Eu tenho uma ótima
saída para o seu conflito. Eu já passei por isto também e consegui resolver
esta situação de uma forma muito simples. Não vamos deixar que este prazer se
torne um problema na sua vida. Concorda?
- É isto mesmo que eu quero, mamãe . Mas, não sei o que fazer... Eu queria
parar de me esfregar, porém acho gostoso fazer isto. Eu me sinto tão relaxada
despois que me esfrego...
- Realmente, esfregar desta forma relaxa bastante. No entanto,
você precisa apenas saber o momento certo para relaxar. Tem hora para tudo. Se
a mamãe ficasse só relaxando, não iria trabalhar e nem trazer comida para casa.
Você só precisa aprender a controlar seu desejo. Nosso desejo não tem que ser
atendido prontamente. Precisamos aprender a hora certa de satisfaze-lo. Nem
toda hora é hora de dormir, embora dormir seja muito gostoso.
- E nem toda hora é hora de comer, embora comer seja muito
gostoso também. Completou Vitória Régia.
- Isto mesmo. Vejo que compreendeu bem o que quero lhe
ensinar. Não dá para realizar todos os desejos ou satisfaze-los na hora que
eles aparecem. Precisamos saber a hora certa para cada coisa. Você não pode
deixar que o desejo de se esfregar atrapalhe outras coisas que também são
importantes na sua vida, como estudar,
brincar, comer, dormir e um monte de outras coisas que você precisa fazer na
vida. Explicou com ternura a mamãe.
- Mamãe, eu não sei ainda qual a hora certa de me esfregar.
Tem hora certa para isto? Perguntou Vitória Régia um pouco confusa.
- Não tem uma hora específica ou um dia da semana apropriado
para isto. Você só não pode se esfregar em horas destinadas a outras atividades,
como, por exemplo, estudar. E, deve
também saber que você deve se esfregar apenas na sua intimidade para não causar constrangimento para as outras pessoas.
Ponderou a mamãe pata.
- O que é intimidade e o que é constrangimento? Perguntou
Vitória Régia.
- Intimidade é um lugar e uma hora que pertence só a nós
mesmos, ou seja, tem um momento do dia que você está apenas com você mesma e
mais ninguém. Nesse momento, se o desejo de se esfregar aparecer, você pode se
esfregar à vontade. Estando apenas com você, não irá incomodar ninguém. Tem
momentos que são só nossos e de mais ninguém. E constrangimento é um sentimento de
estranheza que a gente causa no outro quando a gente tem um comportamento que
não é adequado para o momento. Mesmo que a coisa seja certa, no momento errado,
fica esquisito. Imagina se eu resolver começar a cantar de madrugada quando
todo mundo estiver dormindo. Todo mundo vai achar esquisito, não é mesmo?
- Entendi, mamãe. Cantar não é errado, mas de madrugada
quando o silêncio é necessário para todo mundo descansar ficaria realmente muito
esquisito!
- É esta esquisitice que causaríamos no outro, que a gente
chama de constrangimento. Completou a mamãe pata.
-Entendi perfeitamente, mamãe. Só que tem ainda um problema...
-Que problema filhinha? Perguntou a mamãe dando uma gostosa
risadinha.
-E se eu tiver muita vontade, muita vontade mesmo e não
conseguir esperar a hora da intimidade para me esfregar? O que eu devo fazer?
-Se estiver na frente de outras pessoas, procure um lugar onde
não tenha ninguém. Crie um lugar de intimidade para fazer isto sem causar o tal
constrangimento nas pessoas ao seu redor. Mas, o ideal é você aprender a
dominar o seu desejo e a melhor maneira de fazer isto é parar de prestar
atenção no seu desejo e focar a sua atenção naquilo que está acontecendo no
momento. Você pode também, procurar uma
outra atividade que distraia a sua atenção. É melhor que aja assim, pois não
ter controle sobre o seu desejo pode ser muito perigoso. Alertou a mamãe
arregalando seus olhinhos e olhando profundamente nos olhos da filha.
-Perigoso! Como assim, mamãe. Perguntou Vitória Régia
exalando preocupação.
-Quando o nosso desejo começa a mandar na gente e perdemos o
controle sobre ele, uma doença muito séria chamada obsessão passa a nascer
dentro da gente.
- Obsessão! Que doença é esta, mamãe? Perguntou a patinha
mais assustada ainda.
- A pessoa obsessiva só consegue pensar naquilo que o desejo
manda e passa a se tornar escrava dele. Por isso, a gente tem que dominar o
nosso desejo e não o contrário. Você quer se tornar escrava de seu desejo?
Indagou a mãe pata.
-De jeito nenhum, mamãe! Eu quero ser livre. Não vou deixar
que meu prazer se me esfregar se torne uma doença. Eu sou dona de meu desejo e
não o contrário. Pode deixar que eu vou saber muito bem determinar os meus
momentos de intimidade. Respondeu Vitória Régia com muita determinação.
Daquele dia em diante, Vitória Régia
conseguiu dominar não só o seu desejo de se esfregar, mas todos os seus
desejos. Aprendeu a vive-los na hora
certa e com muito prazer. Seu esfrega, esfrega
deixou de ser um problema para ser uma solução para relaxar em seus momentos de intimidade. Seus colegas
nunca mais a chamaram de Esfreguinha, pois Vitória Régia aprendeu a fazer a
coisa certa na hora certa.