Dedico esta história a todos aqueles que temem o inevitável.
No sótão de uma casa muito antiga
vivia uma amável família de ratos. Desde cedo, a mamãe e o papai rato ensinavam
seus filhos a se protegerem dos perigos do mundo; e um deles eram os gatos que também
ali moravam. O ideal seria morar num local onde não existissem perigos,
pensavam os ratinhos mais novos assim que tomavam consciência dos riscos que a
vida lhes impunha. Mas, a vida nem sempre pensa assim e nos coloca diante de
situações onde a gente tem que aprender
a ser muito sábio e corajoso.
Certo dia, mamãe rata se deparou com Solé, o ratinho caçula
da casa, chorando escondido para que ninguém
pudesse ver. Preocupada com seu filhote,
aninhou-o sobre seu colo e perguntou afetuosamente:
- Filhinho, porque você está chorando?
- Eu não estou chorando não, mamãe. Caiu um cisco no meu olho
e está ardendo muito. Despistou Solé,
envergonhado, secando as lágrimas
de seus olhinhos para enganar a mamãe.
- A mim você não engana. Não devemos ter vergonha de chorar.
Todas as vezes que choramos a nossa alma está tentando lavar uma energia ruim que
precisa ser removida dentro da gente.
- Energia ruim! O que é isto mamãe? Só o nome ruim já assustou
Solé fazendo com que arregalasse seus olhinhos vermelhos de tanto chorar.
-Isso mesmo! Energia ruim - repetiu a mamãe pausadamente –
Você acha que as coisas ruins só existem fora da gente? Os nossos piores
inimigos estão dentro da gente mesmo.
Solé deu um salto colocando as patinhas no centro do peito.
- Como assim, mamãe! Quer dizer que os gatos desta casa não
são os nossos piores inimigos? Eu estava aqui chorando com medo do perigo que
existe lá fora e você vem me dizer que existe um perigo ainda maior dentro de
mim? Agora é que eu vou ficar com medo mesmo. Tô vendo que não tenho para onde fugir.
-Você não tem que fugir para lugar nenhum. Você só precisa
saber enfrentar os perigos de dentro e fora de você. Respondeu a mamãe
enfaticamente.
- Não estou entendendo mais nada... Não é o papai que vive
nos dizendo para fugir dos gatos da casa. Papai me disse que eles são mais
fortes e não temos como medir força com eles... Retrucou Solé.
- Papai está certíssimo! Confirmou a mãe.
- Você está ficando maluca, mamãe... Como é que você diz que
o papai está certo ao nos aconselhar fugir e ao mesmo tempo você nos diz para não
fugir? Quem está certo? Qual o conselho deverá ser seguido; o seu ou o dele?
Perguntou Solé muito confuso.
- O dois. Respondeu mamãe rata dando uma gostosa gargalhada e
dando uma beijoca bem gostosa no rostinho do filho.
- Tô vendo que este mundo é muito complicado mesmo... Assim,
fica difícil entender o jeito certo de viver. Me dá mais medo ainda! Desabafou
Solé aninhando-se ainda mais no colo da mamãe rata.
Mamãe rata colocou Solé diante de si e olhou com firmeza nos
olhinhos do filho dizendo:
- Solé, preste muita atenção no que eu vou lhe dizer. Viver
não é tão complicado assim como você está pensando. O que falta é sabedoria
para resolvermos os nossos problemas e
vivermos a vida com mais leveza e tranquilidade. Este medo ruim que está
dentro de você é uma das energias ruins que precisa ser lavada. É por conta
deste medo ruim que você estava chorando, não é mesmo?
- É, mamãe. Eu tenho tanto medo feio... Tenho muito medo de
você, do papai, dos meus irmãozinhos e até mesmo de eu morrer. Fico imaginado coisas
horríveis! Se um gato daqueles nos
pega... Não quero nem pensar! Na verdade, não quero pensar, mas ao mesmo tempo
não consigo parar de pensar nestas coisas ruins. Desabafou Solé, enchendo seus olhinhos de lágrima novamente.
- Tá vendo... Sua alma mandou mais água para limpar esta
energia ruim dentro de você. Chorar é bom que limpa, mas é melhor a gente
aprender a não sujar ao invés de ter que ficar limpando toda hora. Concorda? Ponderou
a mamãe rata.
- Você tem razão, mamãe. Mas, como é que a gente faz para o
medo não sujar a gente? Eu teria que ser muito corajoso e não ter medo de nada
né? Perguntou Solé, soluçando e ao mesmo tempo passando suas patinhas sobre os
olhos com o intuito de secar as lágrimas
que escorriam copiosamente dos mesmos.
- Precisamos ter apenas o medo bom e eliminar o medo ruim.
Explicou a mãe.
- Então, você está dizendo que existe dois tipos de medo?
Perguntou Solé cheio de curiosidade.
- Isso mesmo, filhinho. O medo bom se torna prudência e o
medo ruim se torna neurose. E, é preciso tomar muito cuidado com esta última. A
neurose é uma doença. Advertiu a mãe.
- Agora que ficou complicado mesmo. Prudência... Neurose...
Nunca ouvi falar disto.
- Nunca é tarde para aprendermos coisas novas. Deixa que
mamãe vai lhe explicar tudo direitinho. Prudência é um jeito cuidadoso de agir
para a gente não cair em enrascadas. Se
a gente não tem medo nenhum, a gente fica inconsequente.
Solé fez uma cara esquisita, como se
não estivesse entendendo alguma coisa.
- Epa! Que cara é esta? Pela sua cara, já sei
que vai me perguntar o que é ser inconsequente.
Solé deu uma risadinha balançando a
cabecinha afirmativamente. A mamãe continuou explanando:
- Se você não tiver medo do gato, vai sair da nossa toca sem
os cuidados necessários para se proteger e acabaria sendo engolido por eles.
Isso seria ser inconsequente. Ser consequente é saber que o perigo existe. O
ideal é ser consequente e sábio ao mesmo tempo. Saber que o perigo existe e que
a gente não precisa se tornar vítima dele. Se formos só consequentes e não
tivermos a sabedoria para lidar com o medo, evitaremos os gatos, mas nos tornaremos
vítimas da tal neurose que acabei de lhe apresentar. Alertou a mãe.
- Quer dizer que a neurose é tão perigosa quanto os gatos que
estão lá fora? Perguntou Solé surpreso.
- Isso mesmo! A neurose é consequência da sujeira que o medo ruim provoca dentro da gente. Quando a
neurose pega a gente, ela só faz a gente pensar coisa ruim. Ela só mostra o
perigo, jamais a forma de nos proteger e enfrenta-lo. É por isso que a mamãe
falou que o perigo maior pode estar dentro da gente. Se a nossa cabeça não sabe
pensar coisa boa, o mundo vai se tornar um inferno, um lugar muito ruim para se
viver. Mas, se essa cabecinha aprender a pensar a coisa certa, ou seja, se você
conseguir ter pensamentos positivos, o mundo vai se tornar um lugar muito bom
de se viver, um verdadeiro paraíso.
- Paraíso, mamãe. Mesmo com os gatos lá fora nos esperando
para nos atacar? Perguntou Solé denotando receio e uma certa restrição frente
ao que a mamãe acabara de dizer.
Mamãe rata compreendendo a
insegurança do filho continuou explicando para o mesmo estes ensinamentos da
vida que parecem a primeira vista tão complexos.
- Gatos vão sempre existir. Não é acabando com eles que
conseguiremos construir o nosso paraíso. O melhor a fazer é aprender a lidar
com o perigo. Na tentativa de acabar com ele, muitas vezes a gente acaba se
tornando um ser perigoso também. A única
coisa que a gente nunca deve fazer é nos tornar uma fonte de perigo seja para o
outro ou para nós mesmos. Os gatos tem o mesmo direito que nos temos de existir, assim como cada ser neste mundo. Mesmo
que a gente não queira, todo ser, inclusive nós, representa, de certa forma, uma fonte de perigo para outro.
- Como assim? Não entendi. Eu nunca desejei fazer mal a
ninguém. Retrucou Solé.
- Eu também, filhinho. Mas, mesmo sem desejar, acabamos
fazendo o mal sem a intenção de sermos maus. Assim como todos os seres vivos ,
precisamos nos alimentar para viver. Para alimentarmos precisamos comer outros
seres que devem nos perceber da mesma forma que percebemos os gatos. Mesmo sem
desejar, transmitimos doenças a outros seres que podem morrer por conta disto,
assim como outros seres nos transmitem doenças também.
- Ixe! Então, eu não vou comer mais nada.
- Se você não comer mais nada, vai fazer muito mal para si
mesmo. Você vai se matar devagarinho e vai também causar uma grande tristeza
para a sua família e para todas as pessoas que te amam. Você acha isto justo?
- Não seria justo comigo e nem com vocês. Então, estou num
beco sem saída... Refletiu Solé.
-Não, meu filho! A vida não é um beco sem saída. A vida é
assim e pronto. Há sempre uma hora para tudo; para nascer, crescer e morrer. É
tudo muito simples, mas a gente tenta complicar. Precisamos não só compreender,
como também aceitar tudo isto. Todo mundo quer nascer e crescer, mas não quer
morrer...
- Eu não quero morrer, mamãe!
E, nem quero que você e ninguém
morra também. Afirmou Solé cheio de ansiedade.
- Ninguém quer isto, mas morrer não depende da gente. Por
isso, não adianta nada ficar pensando nisto. Precisamos pensar apenas em como
viver bem. Quando chegar o momento de nossa morte e da morte do outro, a única
coisa que nos resta é aceitar isto, mesmo que a gente fique muito triste. Por
isso, eu falei da importância de viver com sabedoria; deixar para ficar triste
só no dia que a gente tiver que lidar com a tristeza e jamais antes disto.
-Acho que eu não estou
sabendo viver com sabedoria, porque eu
fico pensando na morte e ela nem veio ainda me visitar. Fico com medo do gato
nos devorar, mas agora estou começando a entender que este meu medo ruim está
devorando a minha alegria. Tenho tudo para ficar alegre e acabo ficando triste
quando penso nestas coisas. Conjecturou Solé.
-Acho que você está começando
a entender... Isso mesmo! Você tem sua família com saúde e feliz aqui juntinho
de você, mas os seus pensamentos negativos fazem você criar uma vida ruim para
todos nós; uma vida feia que só existe ai na sua cabeça. Aprenda a controlar
este pensamento para você finalmente conquistar seu paraíso. No seu paraíso
você só vai ter o bom medo dos gatos e de qualquer outro perigo e vai viver a
alegria de ter a sua família e tudo que lhe faz bem junto de você. Pensando nas
coisas boas que você tem, você vai ficar agradecido. A gratidão afasta o medo
de tudo que possa lhe faltar, pois você estará focado na abundância de coisas
boas ao seu redor. E, você só tem motivos para agradecer. Sua vida é muito boa.
Concorda, filhinho? Perguntou a mãe rata depois de explicar tanta coisa
importante para Solé.
-Concordo, mamãe! Mas,
o que eu tenho que fazer para não
morrer? Perguntou Solé, desejando uma receita para uma vida eterna.
-Viva! Viva mais e pense menos. Pense apenas nas coisas que
você precisa fazer para viver bem e feliz. Aconselhou mamãe rata com sabedoria.
- E se a morte vier me visitar? O que eu posso fazer?
Perguntou Solé.
-Quando isto acontecer, a morte vai trazer uma vida nova para
você e a única coisa que você terá que fazer é aceitar esta vida nova, mesmo
que a princípio você não goste muito dela. Mas, agora é momento de viver a vida
que você tem e não a vida não lhe pertence ainda. Cuidado com aquilo que seu pensamento
negativo teme perder. Lembre-se de que o
único controle que você pode ter é de seus pensamentos; controle da vida ou da
morte, jamais. Esta vida que você tem pode ser vivida intensamente. A morte, só quando chegar e pode ser que ela
demore muito ainda para nos visitar. A gente pede para nossos anjinhos nos proteger
e vai vivendo com a segurança que eles também nos proporcionam. Assim, você tem
a segurança que a sua prudência, sabedoria e sagacidade lhe oferece. Tem a
segurança que a mamãe e o pai lhe proporciona. E tem ainda a segurança que seus
anjinhos lhe ofertam todos os dias. É muita segurança, concorda? Assim, fica muito
difícil alguma coisa ruim acontecer. Se aprender a pensar coisas boas, viver a
vida que tem e confiar nesta segurança toda, você não vai temer nenhum gato
mais. Não vai nem mesmo precisar passar a vida fugindo deles. Explicou a mãe
com muita paciência e carinho.
-Mas, se eu não fugir deles, eles poderão me devorar. Contestou,
Solé.
- Não, necessariamente. Você pode aprender a controla-los.
Mesmo que eles sejam fisicamente mais fortes, você pode ser mais forte aqui oh!
Demonstrou a mãe, batendo seus dedinhos compridos na cabeça.
- Na mente? Perguntou Sole checando seu entendimento.
- Isso mesmo! Com a mente saudável, você saberá sempre o
momento certo de fugir, de enfrentar e de transformar o perigo. Mais do que
isto, com uma mente saudável, sem o lixo de pensamentos ruins, confiando em
toda segurança que acabei de lhe apresentar, você vai saber o que pensar e
fazer para construir uma vida muito feliz e saudável. Afirmou mamãe rata cheia
de confiança.
- Acho que aprendi a fugir, mas não sei ainda como enfrentar
e transformar cada gato horrível que vejo lá fora. Refletiu Solé com desejo de
arranjar uma solução para esta sua dificuldade.
- Fuja quando você não tiver recurso para enfrentar. Enfrente
quando você não tiver recurso para transformar. E transforme quando você se
descobrir um ser muito forte e repleto de recursos. Aconselhou a mãe com sabedoria.
-E, o que eu faço para ser forte e cheio de recursos, mamãe.
- Só vivendo e pensando coisas boas, filhinho. Respondeu a
rata mãe.
Solé compreendeu que tinha muito que
viver. Daquele dia em diante ele passou a ficar mais vigilante. Todas as vezes
que percebia um pensamento ruim querendo controlar a sua mente, dava um jeito
de expulsa-lo. Ele desenvolveu uma técnica que funcionava sempre. Ele
determinava:
- Chispa daqui pensamento indesejado, porque eu sou muito feliz e não há espaço para
você no meu paraíso.
Depois que determinava isto, dava um
jeito de ocupar sua mente com coisas boas, fazendo simplesmente algo que lhe
desse muito prazer em fazer. E assim, foi se tornando, ao longo dos anos, um ratinho poderoso, cheio de recursos.
Passou a ter tantos recursos que conseguiu algo que a maioria dos ratos jamais
conseguem: conseguiu transformar os gatos daquela casa em grandes amigos. Você
pode até não acreditar, mas no dia que você conseguir obter os mesmos recursos
que Solé, não vai ter dúvidas de que
isto é realmente possível.