domingo, 13 de setembro de 2015

SOLÉ - O SÁBIO RATINHO



Dedico esta história a todos aqueles que temem o inevitável.


No sótão de uma casa muito antiga vivia uma amável família de ratos. Desde cedo, a mamãe e o papai rato ensinavam seus filhos a se protegerem dos perigos do mundo; e um deles eram os gatos que também ali moravam. O ideal seria morar num local onde não existissem perigos, pensavam os ratinhos mais novos assim que tomavam consciência dos riscos que a vida lhes impunha. Mas, a vida nem sempre pensa assim e nos coloca diante de situações onde a gente tem que aprender  a ser muito sábio e corajoso.
Certo dia, mamãe rata se deparou com Solé, o ratinho caçula da casa,  chorando escondido para que ninguém pudesse ver.  Preocupada com seu filhote, aninhou-o sobre seu colo e perguntou afetuosamente:
- Filhinho, porque você está chorando?
- Eu não estou chorando não, mamãe. Caiu um cisco no meu olho e está ardendo muito. Despistou Solé,  envergonhado,  secando as lágrimas de seus olhinhos para  enganar a mamãe.
- A mim você não engana. Não devemos ter vergonha de chorar. Todas as vezes que choramos a nossa alma está tentando lavar uma energia ruim que precisa ser removida dentro da gente.
- Energia ruim! O que é isto mamãe? Só o nome ruim já assustou Solé fazendo com que arregalasse seus olhinhos vermelhos de tanto chorar.
-Isso mesmo! Energia ruim - repetiu a mamãe pausadamente – Você acha que as coisas ruins só existem fora da gente? Os nossos piores inimigos estão dentro da gente mesmo.
Solé deu um salto colocando as patinhas no centro do peito.  
- Como assim, mamãe! Quer dizer que os gatos desta casa não são os nossos piores inimigos? Eu estava aqui chorando com medo do perigo que existe lá fora e você vem me dizer que existe um perigo ainda maior dentro de mim? Agora é que eu vou ficar com medo mesmo. Tô vendo que não tenho para onde fugir.
-Você não tem que fugir para lugar nenhum. Você só precisa saber enfrentar os perigos de dentro e fora de você. Respondeu a mamãe enfaticamente.
- Não estou entendendo mais nada... Não é o papai que vive nos dizendo para fugir dos gatos da casa. Papai me disse que eles são mais fortes e não temos como medir força com eles... Retrucou Solé.
- Papai está certíssimo! Confirmou a mãe.
- Você está ficando maluca, mamãe... Como é que você diz que o papai está certo ao nos aconselhar fugir e ao mesmo tempo você nos diz para não fugir? Quem está certo? Qual o conselho deverá ser seguido; o seu ou o dele? Perguntou Solé muito confuso.
- O dois. Respondeu mamãe rata dando uma gostosa gargalhada e dando uma beijoca bem gostosa no rostinho do filho.
- Tô vendo que este mundo é muito complicado mesmo... Assim, fica difícil entender o jeito certo de viver. Me dá mais medo ainda! Desabafou Solé aninhando-se ainda mais no colo da mamãe rata.
Mamãe rata colocou Solé diante de si e olhou com firmeza nos olhinhos do filho dizendo:
- Solé, preste muita atenção no que eu vou lhe dizer. Viver não é tão complicado assim como você está pensando. O que falta é sabedoria para resolvermos os nossos problemas e  vivermos a vida com mais leveza e tranquilidade. Este medo ruim que está dentro de você é uma das energias ruins que precisa ser lavada. É por conta deste medo ruim que você estava chorando, não é mesmo?
- É, mamãe. Eu tenho tanto medo feio... Tenho muito medo de você, do papai, dos meus irmãozinhos e até mesmo de eu morrer. Fico imaginado coisas horríveis!  Se um gato daqueles nos pega... Não quero nem pensar! Na verdade, não quero pensar, mas ao mesmo tempo não consigo parar de pensar nestas coisas ruins. Desabafou Solé,  enchendo seus olhinhos de lágrima novamente.
- Tá vendo... Sua alma mandou mais água para limpar esta energia ruim dentro de você. Chorar é bom que limpa, mas é melhor a gente aprender a não sujar ao invés de ter que ficar limpando toda hora. Concorda? Ponderou a mamãe rata.
- Você tem razão, mamãe. Mas, como é que a gente faz para o medo não sujar a gente? Eu teria que ser muito corajoso e não ter medo de nada né? Perguntou Solé, soluçando e ao mesmo tempo passando suas patinhas sobre os olhos com o intuito de  secar as lágrimas que escorriam copiosamente dos mesmos.
- Precisamos ter apenas o medo bom e eliminar o medo ruim. Explicou a mãe.
- Então, você está dizendo que existe dois tipos de medo? Perguntou Solé cheio de curiosidade.
- Isso mesmo, filhinho. O medo bom se torna prudência e o medo ruim se torna neurose. E, é preciso tomar muito cuidado com esta última. A neurose é uma doença. Advertiu a mãe.
- Agora que ficou complicado mesmo. Prudência... Neurose... Nunca ouvi falar disto.
- Nunca é tarde para aprendermos coisas novas. Deixa que mamãe vai lhe explicar tudo direitinho. Prudência é um jeito cuidadoso de agir para a gente não cair em  enrascadas. Se a gente não tem medo nenhum, a gente fica inconsequente.
Solé fez uma cara esquisita, como se não estivesse entendendo alguma coisa.
- Epa! Que cara é esta? Pela sua cara,  já  sei que vai me perguntar o que é ser inconsequente.
Solé deu uma risadinha balançando a cabecinha afirmativamente. A mamãe continuou explanando:
- Se você não tiver medo do gato, vai sair da nossa toca sem os cuidados necessários para se proteger e acabaria sendo engolido por eles. Isso seria ser inconsequente. Ser consequente é saber que o perigo existe. O ideal é ser consequente e sábio ao mesmo tempo. Saber que o perigo existe e que a gente não precisa se tornar vítima dele. Se formos só consequentes e não tivermos a sabedoria para lidar com o medo,  evitaremos os gatos, mas nos tornaremos vítimas da tal neurose que acabei de lhe apresentar. Alertou a mãe.
- Quer dizer que a neurose é tão perigosa quanto os gatos que estão lá fora? Perguntou Solé surpreso.
- Isso mesmo! A neurose é  consequência da sujeira que o  medo ruim provoca dentro da gente. Quando a neurose pega a gente, ela só faz a gente pensar coisa ruim. Ela só mostra o perigo, jamais a forma de nos proteger e enfrenta-lo. É por isso que a mamãe falou que o perigo maior pode estar dentro da gente. Se a nossa cabeça não sabe pensar coisa boa, o mundo vai se tornar um inferno, um lugar muito ruim para se viver. Mas, se essa cabecinha aprender a pensar a coisa certa, ou seja, se você conseguir ter pensamentos positivos, o mundo vai se tornar um lugar muito bom de se viver, um verdadeiro paraíso.
Paraíso, mamãe. Mesmo com os gatos lá fora nos esperando para nos atacar? Perguntou Solé denotando receio e uma certa restrição frente ao que a mamãe acabara de dizer.
Mamãe rata compreendendo a insegurança do filho continuou explicando para o mesmo estes ensinamentos da vida que parecem a primeira vista tão complexos.   
- Gatos vão sempre existir. Não é acabando com eles que conseguiremos construir o nosso paraíso. O melhor a fazer é aprender a lidar com o perigo. Na tentativa de acabar com ele, muitas vezes a gente acaba se tornando um ser perigoso também.  A única coisa que a gente nunca deve fazer é nos tornar uma fonte de perigo seja para o outro ou para nós mesmos. Os gatos tem o mesmo direito que nos temos  de existir, assim como cada ser neste mundo. Mesmo que a gente não queira, todo ser, inclusive nós,  representa,  de certa forma,  uma fonte de perigo para outro.
- Como assim? Não entendi. Eu nunca desejei fazer mal a ninguém. Retrucou Solé.
- Eu também, filhinho. Mas, mesmo sem desejar, acabamos fazendo o mal sem a intenção de sermos maus. Assim como todos os seres vivos , precisamos nos alimentar para viver. Para alimentarmos precisamos comer outros seres que devem nos perceber da mesma forma que percebemos os gatos. Mesmo sem desejar, transmitimos doenças a outros seres que podem morrer por conta disto, assim como outros seres nos transmitem doenças também.
Ixe! Então, eu não vou comer mais nada.
- Se você não comer mais nada, vai fazer muito mal para si mesmo. Você vai se matar devagarinho e vai também causar uma grande tristeza para a sua família e para todas as pessoas que te amam. Você acha isto justo?
- Não seria justo comigo e nem com vocês. Então, estou num beco sem saída... Refletiu Solé.
-Não, meu filho! A vida não é um beco sem saída. A vida é assim e pronto. Há sempre uma hora para tudo; para nascer, crescer e morrer. É tudo muito simples, mas a gente tenta complicar. Precisamos não só compreender, como também aceitar tudo isto. Todo mundo quer nascer e crescer, mas não quer morrer...
- Eu não quero morrer, mamãe!  E,  nem quero que você e ninguém morra também. Afirmou Solé cheio de ansiedade.
- Ninguém quer isto, mas morrer não depende da gente. Por isso, não adianta nada ficar pensando nisto. Precisamos pensar apenas em como viver bem. Quando chegar o momento de nossa morte e da morte do outro, a única coisa que nos resta é aceitar isto, mesmo que a gente fique muito triste. Por isso, eu falei da importância de viver com sabedoria; deixar para ficar triste só no dia que a gente tiver que lidar com a tristeza e jamais antes disto.
-Acho que  eu não estou sabendo viver com sabedoria,  porque eu fico pensando na morte e ela nem veio ainda me visitar. Fico com medo do gato nos devorar, mas agora estou começando a entender que este meu medo ruim está devorando a minha alegria. Tenho tudo para ficar alegre e acabo ficando triste quando penso nestas coisas. Conjecturou Solé.
-Acho que você está começando  a entender... Isso mesmo! Você tem sua família com saúde e feliz aqui juntinho de você, mas os seus pensamentos negativos fazem você criar uma vida ruim para todos nós; uma vida feia que só existe ai na sua cabeça. Aprenda a controlar este pensamento para você finalmente conquistar seu paraíso. No seu paraíso você só vai ter o bom medo dos gatos e de qualquer outro perigo e vai viver a alegria de ter a sua família e tudo que lhe faz bem junto de você. Pensando nas coisas boas que você tem, você vai ficar agradecido. A gratidão afasta o medo de tudo que possa lhe faltar, pois você estará focado na abundância de coisas boas ao seu redor. E, você só tem motivos para agradecer. Sua vida é muito boa. Concorda, filhinho? Perguntou a mãe rata depois de explicar tanta coisa importante para Solé.
-Concordo, mamãe!  Mas, o  que eu tenho que fazer para não morrer? Perguntou Solé, desejando uma receita para uma vida eterna.
-Viva! Viva mais e pense menos. Pense apenas nas coisas que você precisa fazer para viver bem e feliz. Aconselhou mamãe rata com sabedoria.
- E se a morte vier me visitar? O que eu posso fazer? Perguntou Solé.
-Quando isto acontecer, a morte vai trazer uma vida nova para você e a única coisa que você terá que fazer é aceitar esta vida nova, mesmo que a princípio você não goste muito dela. Mas, agora é momento de viver a vida que você tem e não a vida não lhe pertence ainda.  Cuidado com aquilo que seu pensamento negativo teme perder.  Lembre-se de que o único controle que você pode ter é de seus pensamentos; controle da vida ou da morte, jamais. Esta vida que você tem pode ser vivida intensamente.  A morte, só quando chegar e pode ser que ela demore muito ainda para nos visitar. A gente pede para nossos anjinhos nos proteger e vai vivendo com a segurança que eles também nos proporcionam. Assim, você tem a segurança que a sua prudência, sabedoria e sagacidade lhe oferece. Tem a segurança que a mamãe e o pai lhe proporciona. E tem ainda a segurança que seus anjinhos lhe ofertam todos os dias. É muita segurança, concorda? Assim, fica muito difícil alguma coisa ruim acontecer. Se aprender a pensar coisas boas, viver a vida que tem e confiar nesta segurança toda, você não vai temer nenhum gato mais. Não vai nem mesmo precisar passar a vida fugindo deles. Explicou a mãe com muita paciência e carinho.
-Mas, se eu não fugir deles, eles poderão me devorar. Contestou, Solé.
- Não, necessariamente. Você pode aprender a controla-los. Mesmo que eles sejam fisicamente mais fortes, você pode ser mais forte aqui oh! Demonstrou a mãe, batendo seus dedinhos compridos na cabeça.
- Na mente? Perguntou Sole checando seu entendimento.
- Isso mesmo! Com a mente saudável, você saberá sempre o momento certo de fugir, de enfrentar e de transformar o perigo. Mais do que isto, com uma mente saudável, sem o lixo de pensamentos ruins, confiando em toda segurança que acabei de lhe apresentar, você vai saber o que pensar e fazer para construir uma vida muito feliz e saudável. Afirmou mamãe rata cheia de confiança.
- Acho que aprendi a fugir, mas não sei ainda como enfrentar e transformar cada gato horrível que vejo lá fora. Refletiu Solé com desejo de arranjar uma solução para esta sua dificuldade.
- Fuja quando você não tiver recurso para enfrentar. Enfrente quando você não tiver recurso para transformar. E transforme quando você se descobrir um ser muito forte e repleto de recursos.  Aconselhou a mãe com sabedoria.
-E, o que eu faço para ser forte e cheio de recursos, mamãe.
- Só vivendo e pensando coisas boas, filhinho. Respondeu a rata mãe.
Solé compreendeu que tinha muito que viver. Daquele dia em diante ele passou a ficar mais vigilante. Todas as vezes que percebia um pensamento ruim querendo controlar a sua mente, dava um jeito de expulsa-lo. Ele desenvolveu uma técnica que funcionava sempre. Ele determinava:
- Chispa daqui pensamento indesejado,  porque eu sou muito feliz e não há espaço para você no meu paraíso.

Depois que determinava isto, dava um jeito de ocupar sua mente com coisas boas, fazendo simplesmente algo que lhe desse muito prazer em fazer. E assim, foi se tornando, ao longo dos anos,  um ratinho poderoso, cheio de recursos. Passou a ter tantos recursos que conseguiu algo que a maioria dos ratos jamais conseguem: conseguiu transformar os gatos daquela casa em grandes amigos. Você pode até não acreditar, mas no dia que você conseguir obter os mesmos recursos que Solé,  não vai ter dúvidas de que isto é realmente possível.