sábado, 14 de junho de 2014

UMA NOVA CHANCE



Dedico esta história à humildade que nos falta


Existem religiões que acreditam em vida após a morte, outras acreditam no paraíso e por aí vai... Não estou aqui para questiona-las, mas para misturar um pouquinho estas crenças e criar uma historinha que possa despertar um pouquinho mais a nossa consciência.
Pois é!.. Chega um momento que precisamos acertar as nossas contas, seja nesta vida ou lá do outro lado, diante de Deus. Tem gente que parte desta vida como uma consciência bem capitalista, alguns se posicionando como devedores e outros como credores diante de Deus. E, é esta surpreendente história que vou lhes contar agora – a história de um homem que se julgava um credor diante de Deus.
Chegando lá no céu, com seu bloquinho de créditos, apresentou a Deus uma imensa lista dos serviços que havia prestado à humanidade e da dívida que Deus tinha para com ele.
_Como assim? Eu não consigo reconhecer esta dívida. Indagou Deus ao homem.
_Não acredito que irá me dar o calote! Posso esperar isto de qualquer  humano, mas do senhor... Deus me livre! Retrucou o homem censurando o questionamento divino.
_Eu posso te livrar de qualquer dívida que tenha para comigo, mas não posso aceitar esta dívida que você diz eu ter para com você. Deveras, fez muitas coisas boas lá na terra, mas recebeu em troca toda a minha benevolência enquanto estava lá. Te dei quase tudo que desejou.
_Quase tudo... Este é o problema! O senhor não acha que por tudo que fiz, eu mereceria tudo que sempre desejei? Este “quase” é, de certa forma, um “imposto” indevido imposto por você.
Deus conhece bem as suas criaturas e até se diverte bem com elas. Acha bem engraçada as artimanhas que criam para conseguir aquilo que desejam e para não conviverem com a falta. Ciente disto, fez uma proposta ao homem:
_Tenho uma proposta irrecusável para pagar esta dívida que você me delegou. Como bem disse, jamais darei calote  em meus filhos. Antes que pudesse prosseguir, o homem foi dando logo seu recadinho pretencioso:
_ Não me venha com nenhuma proposta indecente!..
_ Proposta indecente? E eu só lá de fazer alguma proposta indecente para alguém. Indagou o Divino.
_ Se quiseres me oferecer mais uma vidinha daquelas, “pode tirar seu cavalinho da chuva”...Nã, nã, nã... Aceito não! Ironizou o homem.
_ Você me parece bem exigente mesmo! Estou ciente que deverei lhe oferecer a melhor vida que eu possa ter criado para um ser neste universo infinito. Darei a você a oportunidade  de nascer e viver por longos anos no Planeta Perfeito. Propôs a Divindade.
_ Planeta Perfeito? Me fale melhor deste lugar, para eu ver se é realmente um lugar perfeito para mim. Solicitou o homem com pedantismo.
_ Você terá, lá, tudo que lhe faltou no Planeta Terra. Na terra as coisas não são tão boas, pois o ser humano não se liga numa vida tão certinha e perfeita. Na verdade, meus filhos humanos são viciados em falta. A falta gera tesão e eles adoram isto. Gostam muito mais da fome do que da saciedade. Você viveu lá e pode confirmar isto. Como pode existir num planeta tão farto, pessoas passando fome? E, o pior... Não há banquete que sacie, pois meus queridos filhos humanos levam à boca o alimento que ofereço, mas o olhar está sempre focado na mesa do outro. A maioria come, mas não se alimenta. Enchem o “buxo,” mas não  sentem o sabor e nem mesmo sabem aproveitar o valor nutritivo de cada alimento que lhes oferto.
Foi interrompido pelo homem, que com ansiedade e arrogância determinou:
_Me diga o que realmente interessa. Daquele povinho e daquele inferninho eu já conheço muito bem.
Deus deu uma gargalhada estrondosa que rugiu como trovão por todo o espaço sideral.  O homem levou um grande susto. A frequência e o timbre daquele som expressavam, de certa forma, o poder do Divino. Com uma hipocrisia travestida de humildade, o Homem perguntou receoso:
_ Opa, desculpe-me! O  que houve? Eu falei alguma bobagem?
Deus sabe também ser irônico com quem precisa. Olhando nos olhos daquele homem respondeu:
_ De jeito nenhum! Você é sempre muito sensato em tudo que diz e reivindica. Eu é que perco a minha sensatez de vez em quando. Me perdoa por não ter sido justo contigo na última vida. Vamos realmente ao que interessa! Vou te dar tudo que deseja. Terá uma vida onde nada lhe faltará.
_ Nada? Perguntou o homem desconfiado.
_ Nada, absolutamente nada! Pode confiar. Confirmou o Divino com bastante assertividade.
Tomado novamente pela sua arrogância, o homem retrucou com um cinismo revestido de insegurança.
_ Posso mesmo?
_Eu te dou a minha palavra. E te proponho algo ainda mais tentador para que você não tenha dúvidas em aceitar a minha proposta. Te dou o meu lugar no universo caso lhe falte alguma coisa.
Os olhos do homem brilharam de felicidade. Já conseguia se sentir o próprio Deus. Aliás, já conseguia se achar mais competente para administrar o universo do que aquela figura divina errante diante de ti. No mínimo, não cometeria os mesmos erros que Deus cometera com ele, e, isto já era uma grande coisa; dentro de sua lógica egocêntrica, talvez a coisa mais importante de todo o universo. O seu desejo , com certeza, era a coisa mais importante. Certamente, na posição de  Deus, não falharia neste tópico. Voltando de seus devaneios, aceitou prontamente a proposta divina:
_ Eu aceito a sua proposta. E o contrato? Quando é que a gente assina?
_ O contrato é a minha palavra. Ela já está registrada em todas as estrelas deste universo. Só resta uma ressalva...Ressaltou o ser divino.
_ Qual? Perguntou desconfiado, temendo ser traído por Deus.
_ Vale sentir falta de qualquer coisa; menos da falta, que vocês estão como humanos viciados nela. No Planeta Perfeito, não há programação para viver a falta.
_ Mas, é justamente isto que desejo! Não sentir nunca mais falta de nada. Pacto fechado!
_ Pacto fechado! Concluiu Deus, imprimindo sua palavra em todas as estrelas do universo.
Fechado o acordo, o homem nasceu no Planeta Perfeito. Viveu por lá uma vida longa e perfeita, sem qualquer imperfeição ou falta que pudesse criar algum desconforto. Como sempre, em algum momento, chega a hora do grande reencontro com Deus. Retornando, chegou novamente diante de Deus com seu bloquinho de anotações. Antes que pudesse cobrar alguma coisa, Deus interveio:
_ Te faltou alguma coisa lá? Perguntou curioso o grande criador.
_ Sim, me faltou sim! Afirmou o homem.
_ Mas, isto não é possível! O que pode ter lhe faltado? Perguntou Deus desconfiado.
_ Me faltou a falta. A FAL-TA! Mais uma vez, você falhou. Não dá para agradecer esse paraíso de merda que você me ofertou.
Esta possibilidade, já prevista em contrato, não deu ao homem o lugar de Deus, mas deu a Deus mais um ato de generosidade para com o homem:
_ Do paraíso, você não dá conta! Volte para a Terra, meu filho querido, pois é lá o seu verdadeiro lugar.
O homem voltou agradecido e muito feliz com a infelicidade que teria.