domingo, 15 de fevereiro de 2015

HISTÓRIA DA SEMANA

O CAMINHO

Dizem que Deus traça um caminho para cada criatura viva neste universo.  Sabe-se lá porque ele faz isto; talvez seja uma das suas brincadeiras favoritas. Faz parte do jogo divino torcer para que cada criatura siga o caminho designado para a sua alma.  Dizem que no final do jogo há sempre uma boa recompensa para quem consegue  percorrer o caminho seguindo corretamente o traçado divino.  Tem uma história que ilustra bem tudo isto. Pois bem, vou conta-la para vocês.
            Dizem que Deus fez as tartarugas bem lentas para que elas pudessem apreciar bem cada centímetro do caminho que ele designou para elas. Ao criar as tartarugas, Deus gostou tanto delas, que resolveu além da lentidão dar muitos anos de vida a elas também. Andando devagar e por muitos anos, elas teriam, sem dúvida, muita coisa boa para ver, apreciar e sentir.
Leca e Zuca eram duas tartaruguinhas criadas por Deus  à sua  imagem e semelhança. Epa! Deve ter um equívoco aí, pois não foi o homem a criatura criada à imagem e semelhança do mesmo? Também. Para entender, basta tomar consciência de que ninguém cria nada que não seja uma expressão de si mesmo.  Assim, cada criatura neste universo infinito é uma expressão de Deus; a sua constante onipresença  registrando uma imagem que apesar de una se multiplica. É mais ao menos parecido com a visão que tenho de mim. Quando me olho no espelho, não vejo uma cara só. Quantas vezes fico surpresa com as caras que vejo; todas elas tão diferentes e minhas. Muitas caras e ao mesmo tempo uma só.  Com Deus também não é diferente. Ele registra suas caras em tudo que cria; por isso, tudo é  imagem e semelhança dele, inclusive as tartaruguinhas desta história.
Deus é tempo, é espaço, enfim, Deus é tudo. Ele experimenta a vida através dos seres que cria e cada ser experimenta a vida através dele.  E nesta troca recíproca, a vida se expressa.  Foi assim que a vida de Leca e Zuca se expressou. O jogo divino deu às duas um trajeto muito importante a percorrer ao longo da vida. Teriam que chegar ao cume da montanha mais alta dos arredores de sua terra natal.  Ao chegar ao cume da montanha, receberiam a sua recompensa.
Dada a partida, cada uma iniciou seu trajeto com seu estilo próprio.  Todas as duas com o mesmo projeto de vida traçado por Deus, mas com perfis muito diferentes. Dizem que um mesmo caminho pode se tornar muito diferente frente à percepção de seres com visões díspares .
Zuca era uma tartaruga ansiosa e ambiciosa; queria chegar rápido ao seu destino final. Não suportava a sua natureza lenta e tratava de criar estratégias para acelerar seus passos.  Chegando primeiro ao cume da montanha, seria a primeira a receber a recompensa tão desejada. Para ela, os primeiros são sempre os vencedores no jogo da vida criado pela sua mente ansiosa. Leca, por outro lado, adorava ser uma tartaruga; apreciava bem a sua natureza e se respeitava muito principalmente por ser dotada de grande amor por si mesma. Dizem que quando a gente se ama de verdade, a gente se respeita muito também;  não fazemos nada que prejudique o nosso corpo e a nossa alma.  Pois bem; as duas partiram, cada qual a seu jeito, com as habilidades e recursos próprios. Com a inteligência artesã que tinha, Zuca preparou quatro rodinhas com algumas pedras roladas que garimpou ao longo caminho. Pegou uma tala de madeira e fixou as rodinhas sobre as mesmas formando  um belo skate que lhe daria mais velocidade para  correr pelos caminhos da vida e chegar mais rápido  ao seu trajeto final.  Leca, ao contrário de Zuca, andava com seus próprios pés e passos de tartaruga. Sem pressa alguma, apreciava cada paisagem que se descortinava a  ao longo de seu percurso. Parecia não estar nem um pouco preocupada em chegar à frente de ninguém. Para Leca, chegar à reta final não era o mais importante, pois se sentia chegando a todo momento a algum lugar. Assim, cada lugar novo era uma chegada carregada de novidades a serem vividas e saboreadas.  Além de apreciar, experimenta cada contexto, cada paisagem. Dizem que todo contexto tem um sabor diferente. Deus fez tudo com um sabor inédito.  Dizem que a culinária divina é isto; os sabores que Deus coloca em cada experiência de vida. Leca adorava cada sabor e alguns eram tão agradáveis que ela relutava seguir; ficava mais tempo ali, se empanturrando daquela experiência. Sabia, entretanto, que não dá para parar por definitivo em  lugar algum, por mais agradável que seja a experiência vivenciada ali. As paradas são necessárias, porém transitórias; é preciso seguir em frente. Quem fica definitivamente, fica esquecido de tudo que pode vir a ser. Dizem que a gente não se esquece apenas daquilo que a gente fez ou foi um dia; dizem que é possível se esquecer também daquilo que a gente faz,  é ou pode vir a fazer e ser um dia; e este esquecimento é muito perigoso. O esquecimento habita todos os tempos.  Há coisas que valem à pena serem esquecidas; coisas que não acrescentam; que só nos consomem; que consomem, sobretudo, a nossa energia para seguir em frente.
Zuca, não tinha tempo para refletir sobre estas filosofias de Leca. Filosofia é coisa de gente que tem tempo para pensar; Zuca não tinha. Zuca só tinha tempo para agir. Agia sem pensar, pois tinha que chegar. Dizem que estas ações são também muito perigosas. Dizem, inclusive, que só se deve agir sem pensar quando a gente já sabe. A sabedoria não precisa de muito pensamento, precisa só de alma. Zuca prendeu a alma dela na masmorra de sua mente; uma mente que mentia o tempo todo para ela. Mas, dizem que tem gente que gosta das mentiras que a mente cria por não suportar a verdade de ser ela mesma. E, como já mencionei antes, Zuca não gostava muito de ser uma tartaruga; preferia ter nascido um falcão – o animal mais rápido do mundo. As paisagens passavam por ela rapidamente. Engolia as experiências sem sentir o sabor delas, assim como a gente faz quando come apresado só para encher a barriga; só porque precisa comer para se manter vivo. Zuca procurava,  sobretudo, procurar o caminho mais curto. Criava estratégias mirabolantes para cortar caminhos, principalmente aqueles que pareciam mais difíceis de trilhar, trechos mais íngremes, tortuosos ou repletos de pedregulhos. Leca, ao contrário,  aceitava cada desafio. Se sentia cansada frente os trechos mais difíceis de serem trilhados, mas não desistia de seu caminho, queria percorre-lo integralmente.  Aprendeu com isto, que só se conhece bem o sabor do prazer quem teve a coragem e a resiliência suficiente para provar o sabor das dificuldades também.  Conhecia a lei da interdependência; a direita só existe em relação à esquerda,  o alto em relação ao baixo e por aí vai.  Assim,  sabia que o prazer só existe em relação ao desprazer e se disponibilizou a  conhecer bem o sabor dos dois. Zuca, por outro lado,  engolia sem sentir o sabor de nada. Precisava, apenas, manter a barriga cheia para ter energia para chegar ao final da trajetória. E, foi nesta correria que Zuca chegou anos à frente de Leca no alto da montanha. Inicialmente, sentiu-se vitoriosa. No momento de receber o troféu pela sua conquista, deparou-se com um silêncio atormentador e não com os aplausos que esperava. Cadê o público? Ficou ao longo do caminho. Na reta final só tinha lugar para ela. E, o pior é que  não tinha mais para onde ir – fim de linha.  Não tinha também como voltar. Quando se chega na reta final, não nos é mais dado a oportunidade de voltar. Podemos fazer como Leca -  ficar um tempo maior numa certa experiência de vida - mas nunca podemos voltar atrás. Só nos é permitido seguir em frente. E agora, para onde Zuca iria?  Precisava ficar  e ainda tinha muitos e muitos anos de vida pela frente. Não tinha lembranças para passar o tempo. Tempo era o que não lhe faltava agora. Como relembrar das coisas boas se não teve ao longo do caminho tempo para construir lembranças? Dizem que Deus nos deu a lembrança de presente como única alternativa para voltarmos naquilo que foi bom. Mas, como Zuca engolia as experiências sem sentir o sabor, acabou corrompendo o seu paladar. As lembranças só são fixadas na nossa mente se o sabor delas tiver sido marcante e significativo. Para quem perdeu o paladar, não há sabor significativo. E agora, o que fazer com esta falta de lembrança?  A falta de lembrança causa uma doença que nos protege da dor de não poder ser mais. Zuca se transformou numa tartaruga caduca.

Leca, continuou caminhando, caminhando e experimentando profundamente o sabor de cada experiência, apurando seu paladar até  chegar finalmente  no alto da montanha. Lá do alto pôde avistar todo o trajeto percorrido e muitas lembranças boas vieram acalentar a sua alma  antes que pudesse partir para uma outra experiência nova. Leca se transformou, ao longo destes anos todos,  numa tartaruga muito sábia. Dizem que a sabedoria é o nosso troféu e ela só pode ser conquistada quando a gente se prontifica não só a conhecer, mas também a degustar  o sabor de cada experiência vivida.  A palavra sabedoria vem de saber ou de sabor? Vem do latim Sapere – saber , sentir o gosto de...  Só sabe quem saboreia. Leca compreendeu que a maior conquista não está no final da caminhada , mas ao longo de todo o percurso da vida. Tomada por esta compreensão, pode finalmente, juntamente com Zuca caduca partir para um outro jogo divino que ninguém sabe bem as regras, mas que todo mundo tenta inventar. Eu diria que elas foram viver aquilo que não viveram ainda. Para Leca, um novo lugar; para Zuca o mesmo  novamente. Que possa ser não só novamente, mas com uma nova mente. 

LUCY - A ESTRELINHA DA TERRA



Era uma vez uma estrelinha muito brilhante que vivia no céu iluminando tudo ao redor. Ela olhava para um planeta azul chamado terra e tinha uma enorme vontade de conhecê-lo. Muito perspicaz, a estrelinha percebeu que este planeta precisava de muita luz. Pensou que talvez pudesse ser mais útil na terra do que no céu, já que no céu já existiam muitas estrelas luminosas como ela e na terra não havia tantas estrelas assim. Pediu aos anjinhos que a deixasse ser uma estrelinha na terra. Prometeu que ofertaria toda sua luz deixando a terra mais linda e iluminando o caminho de estrelinhas pouco reluzentes que porventura vivessem ali. Os anjinhos lhe explicaram que na terra não existiam estrelas, mas que existiam muitos seres vivos que apesar de não serem estrelas possuíam uma luz que só os seres celestiais podiam enxergar. Confusa, a estrelinha perguntou o que eram seres vivos. Pacientemente, os anjinhos explicaram mencionando a natureza de cada ser que vivia na terra. Desejando muito trazer a sua luz para a terra, a estrelinha perguntou:
Vocês não poderiam me transformar num ser vivo? Eu poderia levar a minha luz para os seres que vivem na terra.
Qual ser vivo você gostaria de se transformar?
Diante de tudo que vocês me explicaram, acho que os seres humanos precisam de muita luz para não destruírem o maior patrimônio que possuem.
De fato, eles estão destruindo o maior tesouro que possuem; sua própria morada e, conseqüentemente, a própria vida.
Me deixe partir! Por favor! Sei que posso ser tão útil! Implorou a estrelinha.
Vamos pedir autorização ao Grande Deus e brevemente lhe daremos uma resposta. Ponderou os anjinhos.
A estrelinha esperava com otimismo e alegria a resposta de seus anjinhos amigos. Ela estava certa de que seria atendida. Sempre fora muito confiante e a sua luz positiva trouxe para si a exata resposta que esperava. Os anjinhos retornaram trazendo a resposta de Deus.
Você foi autorizada a nascer. Anunciaram os anjos.
Nascer? O que é nascer? Perguntou a estrelinha um pouco atordoada com tanta novidade.
Não tem como você cair na terra como se fosse uma estrela cadente transformando-se num ser nativo de lá. Todos os seres na terra nascem um dia. Você vai nascer como uma linda menina, terá uma bela família e um nome especial.
Família... Nome... O que é isto?
Família é como se fosse um grupo de estrelas muito especiais que conviverão com você e te amarão muito. O amor é uma luz muito forte que pulsa na maioria dos seres que vivem na terra. E, nome é como se fosse um chamado. É como você será conhecida.
Poxa, parece que as coisas na terra são bem diferentes das coisas aqui no céu.
Um pouco!.. Viva e verá! Desafiou os anjos.
Será que eu terei saudade das minhas amigas aqui do céu?
Assim que você nascer, você esquecerá tudo que viveu até agora. Só terá lembranças para as coisas que acontecerão lá na terra.
Vou perder todas as minhas lembranças?
Não. Elas ficarão guardadas aí dentro de você, mas não precisarão ser usadas lá na terra. Se você precisar de alguma lembrança, ela será liberada conforme a sua real necessidade. Nós estaremos sempre juntinhos de você administrando estas questões. Prometeu os anjos acalmando a estrelinha que começava a exalar certa ansiedade.
Eu vou me esquecer de vocês também? Perguntou receosa.
Acho que sim. Mas terá sempre a sensação de que estará sendo protegida por todos nós. Assegurou seus amigos celestiais.
A estrelinha ficou por alguns instantes um pouco pensativa refletindo profundamente sobre tudo aquilo. Depois de algum tempo, suspirou fundo e resolveu fazer uma pergunta intrigante:
Se as coisas funcionam assim na terra, será que acontece também assim aqui no céu?
Como assim? Perguntaram os anjinhos.
Será que antes de ser estrela do céu eu era uma outra coisa qualquer. Será que perdi também a memória daquilo que eu era antes de ser uma estrela?
Os anjinhos não lhe deram uma resposta. Só levantaram os ombros e as sobrancelhas sinalizando uma indagação. Interrompendo as divagações da estrelinha, ordenaram:
Se queres partir, prepare-se. Daqui a poucos minutos uma linda menina chamada Lucy estará nascendo. Você será a energia e a luz que preencherá o corpo e a vida dela. Aceita o desafio de ser gente?
Com todo prazer! Finalizou a estrelinha.
Antes que pudesse pensar em qualquer coisa a respeito, uma luz gigantesca envolveu a estrelinha fazendo-a renascer aqui na terra. Neste momento o sol, a lua e milhares de estrelas  deram suas mãos de luz fazendo uma linda oração para que a terra pudesse acolher com alegria e gratidão a linda estrelinha que o universo lhe ofertara.
Nasceu Lucy, uma linda menina, perspicaz, ativa, amorosa e muito inteligente. De todas as qualidades que Lucy tinha, a sua grande coragem chamava atenção de todos. Era uma criança que aceitava todos os desafios e lutava bravamente por tudo que desejava. De tão confiante que era chegava a causar admiração em uns e incômodo em outros. Não temia nada. Na verdade, quase nada. Lucy tinha um único medo do qual não conseguia se livrar. Todas as noites, quando se deitava para dormir, ela vivia um pesadelo. Era como se fosse um sonho acordada. Ela via estrelinhas sem brilho, de cara triste e zangada, e ao mesmo tempo, estrelas luminosas e felizes reluzindo no teto de seu quarto. Ficava assustada, pois seu quarto, às vezes, ficava parecido com o céu noturno da terra, repleto de estrelas. Temerosa, sem saber o significado daquela experiência e sem saber o que aquelas estrelas reluzentes e sem brilho pudessem fazer com ela, fechava os olhinhos e chorava baixinho para ninguém ouvir. Ficava com vergonha de dizer para as pessoas que estava vendo aquelas coisas estranhas.  Mas, certo dia, o medo ficou tão grande que se transformou em pavor e o pavor em uma grande tristeza que fez Lucy chorar muito alto. Sua mãe, ouvindo seus soluços, correu até o quarto de Lucy para ver o que estava acontecendo. Mais assustada que a filha, a mãe perguntou ansiosa sem saber o que estava acontecendo:
O que houve, minha filha?
Mamãe, eu estou com muito medo. Desabafou Lucy aos prantos.
Medo de que, filhinha? Perguntou a mãe confusa abraçando a filha.
Das estrelas. Respondeu soluçando.
Mas, as estrelas são tão belas. Elas não podem lhe fazer mal.
Tenho medo das estrelas sem brilho e tristonhas que aparecem no teto de meu quarto.
Não existem estrelas aqui, Lucy.
Elas se apagaram assim que você entrou aqui. Justificou a menina.
Fique tranqüila, filhinha. Você deve ter tido um sonho ruim. Durma, isto tudo vai passar. Amanhã você já não se lembrará disto e a vida vai continuar tranqüila.
Não, não! Fique aqui comigo, mamãe. Sei que não vai passar. Eu sempre vejo estas estrelas no teto de meu quarto. Só que hoje a cara das estrelas tristes estavam ainda mais tristes. Haviam estrelas zangadas também. Só hoje tive coragem de lhe contar. Elas vão voltar! Elas sempre voltam. Desabafou Lucy agarrando a mãe impedindo-a que esta saísse do seu lado.
A mãe de Lucy era muito sábia e sabia exatamente como ajudar a filha. Quando criança teve alguns medos parecidos com os de Lucy. Fora ajudada a combatê-los por intermédio da Vovó Zica que de tudo sabia um pouco. Aproveitando os ensinamentos da avó e olhando fundo nos olhos da filha tratou de lhe passar alguns conselhos.
Filhinha, você quer acabar com este medo?
É o que mais quero, mamãe.
—Então ouça com atenção a receita da vovó Zica para acabar com o medo. Ela me ajudou a acabar com o meu e eu lhe ajudarei a acabar com o seu.
Que bom, mamãe! Eu não verei mais estas estrelas?
Calma, vou lhe explicar como tudo deverá funcionar. Existem algumas regras que você deverá seguir e respeitar.
Quais? Perguntou curiosa, sentando-se no colo da mãe.
A primeira delas é nunca guardar seu medo na caixinha escura.
Mamãe, eu nunca guardei meu medo em nenhuma caixinha.
Guardou sim, filha. Veja bem, só hoje você me falou dele. A caixinha escura é o pedacinho que a gente não conhece dentro da gente mesmo.
Quer dizer que existe um pedaço da gente que a gente desconhece? Quer dizer que eu não me conheço direito?
É isto mesmo! Precisamos jogar luz neste pedacinho escuro para que possamos enxergar o que está guardado lá. Todas as vezes que você fala daquilo que teme, daquilo que lhe provoca qualquer sentimento ruim, você está colocando para fora, tirando da caixinha escura o que não pode ficar contido lá. Sentimento ruim preso dentro da caixinha cresce e explode em forma de pavor. Assim, fale sempre de seus sentimentos para as pessoas que você ama e confia. O amor e a confiança destas pessoas são sentimentos de luz que ajudarão a iluminar este seu lado escuro. Expresse seus sentimentos. Não banque a egoísta guardando-os só para você. Admita que precisa ser ajudada ao invés de fingir que está tudo bem.
Se eu fizer isto o meu medo desaparecerá? Perguntou Lucy irradiando a luz da esperança em seus olhinhos verdes.
Parte dele desaparecerá. Existem outras regras para espantar a outra parte.
Me ensine mamãe, eu prometo que seguirei a risca.
A segunda regra é enfrentar o seu medo ao invés de fugir dele. Tudo que a gente foge nos persegue.
Como é que posso enfrentar as estrelas de meu quarto? É fácil enfrentar as estrelas de luz, mas, as de cara feia... Ai, nem consigo pensar como posso fazer isto!
Você pode fazer isto conquistando a certeza de algumas coisas. Pontuou a mãe.
Que coisas?
Você precisa saber primeiro por que vê estrelas.
Como posso descobrir?
Eu posso lhe contar.
Quer dizer que você sabe porque eu vejo estrelas?
Se eu não soubesse, correria o mundo inteiro até descobrir para lhe contar. Exclamou a mãe externando seu grande amor pela filha.
Se eu tivesse tirado meu medo da caixinha escura antes, talvez a senhora já tivesse me contado. Por que não fiz isto antes? Indagou-se arrependida.
Tá vendo como é importante tirar o medo da caixinha? Relembrou a mãe.
Já que sabe por que vejo estrelas, me conte rapidinho. Perguntou Lucy irradiando ansiedade.
Outra regra importante é não ter pressa para acabar com seu medo. Só a paciência e a perseverança nos ajuda enxergar o que está no escuro. Não desista de encontrar estrelas dentro de ti. Ao invés de encontrá-las apenas no teto de seu quarto, descubra a sua estrela e aproveite a luz das estrelas felizes que você vê e gosta para iluminar muita coisa aí dentro. Aconselhou a mãe tocando com a ponta de seus dedos no peito de Lucy.
Será que tenho estrelas dentro de mim?
Ou será que você é também uma estrelinha bem iluminada? Você ilumina tanto a nossa vida que eu não posso pensar diferente. Falou a mãe sorrindo.
Não estou entendendo, mamãe.
—Deixe eu explicar melhor. Quando a gente tem muita luz, esta luz faz a gente enxergar coisas que a maioria das pessoas não conseguem ver. É como ascender a luz de um quarto escuro. A gente passa a ver melhor tudo que está dentro dele.
—Ah! Já entendi. Quer dizer que eu vejo estrelas, pois meus olhos conseguem ver o que os olhos dos outros não conseguem ver.
—Isto mesmo! Mas é importante que você saiba que isto é uma benção e não uma coisa ruim. Ao invés de enxergar isto como um problema, veja tudo isto como uma oportunidade de crescimento. Você só consegue enxergar mais porque a luz do seu olhar é mais forte e intensa. Você só consegue enxergar mais porque você tem mais poder. Por isso, não pode fechar seus olhos para aquilo que vê. É neste ponto que entra a próxima regra.
—Opa! Estou começando a gostar desta história. Me fale qual é a próxima regra, mamãe. Não vejo a hora de colocá-la em prática.
—Use o seu poder e não o seu medo para lidar com tudo isto. Use o poder de sua luz para iluminar seu lado obscuro. Sorria para as estrelas tristonhas e zangadas. Irradie e oferte a sua luz   para elas. Enfrente o mal humor delas com sua alegria e capte ainda mais a energia das estrelinhas que você gosta intensificando a luz que reluz dentro de ti.
Lucy deu uma gargalhada como se tivesse feito a maior descoberta de sua vida. Olhando nos olhos da mãe, viu uma linda estrela brilhando lá no fundo.
—Mamãe, agora estou vendo estrela no seu olhar.
—Será que vai ficar com medo de mim agora? Perguntou a mãe num tom de brincadeira e fazendo cócegas na barriga da menina.
—É claro que não! A sua estrela é linda! Não tenho medo dela. Você me ajuda a olhar as estrelas de meu quarto e enfrentá-las?
—É claro, filhinha! Eu vou adorar conhecer as suas estrelas. Vou fazer cócegas nas estrelas tristonhas. Quem sabe eu posso descolar um sorriso delas da mesma forma que consigo descolar esta gargalhada gostosa que sai da sua caixinha de som.
—Só faltava essa! Agora eu tenho também caixinha de som! Ironizou Lucy.
—Ichi! Se você soubesse quantas caixinhas guardamos dentro da gente. É caixinha escura, caixinha de som, caixinha surpresa, enfim, é caixinha que não acaba mais.
—Mamãe posso lhe contar um segredo? Perguntou Lucy cochichando no ouvido da mãe.
—“Pode”, não –  “Deve”. Nunca se esqueça da primeira regra. Advertiu a mãe.
—Mamãe, tenho que admitir que pela primeira vez desejo ver as estrelas no teto do meu quarto para mostrá-las para você.
—Como já lhe disse, vou adorar conhecê-las. Você acha que consegue vê-las agora?
—Não estou conseguindo, mamãe.
—Sabe por que filhinha?
—Por que? Perguntou ansiosa.
—Porque seu medo já está acabando. Durma e amanhã quem sabe... Talvez você consiga vê-las. Me chame para eu ajudá-la a fazer graça para as estrelas sem luz. Acho que elas precisam de amigos e de muita alegria.

Naquela noite Lucy dormiu e sonhou que era uma estrela parecida com as estrelinhas luminosas que apareciam no teto de seu quarto. Sonhou que as feias estrelinhas eram estrelinhas perdidas no universo. Perdidas, perderam a luz. Lucy ao invés de fechar os olhos para elas, oferecia o seu olhar, o seu sorriso e a sua atenção. Ao fazer isto todas as estrelas se enchiam de luz curando sua expressão de dor e sofrimento. Lucy acordou feliz. Descobriu que tememos apenas aquilo que desconhecemos. Que ao cuidar daquilo que temia, o medo desaparecia. Se a gente não foge do medo é ele que foge da gente. Agora, ela sabia que não tinha mais motivo para temer. Conhecia bem o seu poder e a sua luz. Não sabia explicar, mas tinha também a sensação de que era muito protegida por algum anjinho no universo. Confiava não só na proteção de seus anjinhos, mas também no poder de sua luz. Sabia que precisava levar sua luz a todos os seres que estivessem sem brilho. Todas as noites ia para cama querendo ver estrelas no teto de seu quarto. Queria apresentá-las a sua mãe. Mas, por incrível que pareça, nunca mais conseguiu ver estrelas no teto de seu quarto por mais que quisesse enxergá-las. Aprendeu a olhar para o céu para contemplar estrelas de diferentes brilhos. Aliás, o céu sempre foi mais belo que o teto de seu quarto.  E, com este olhar diferente, passou a perceber que existem também pessoas com brilhos diferentes. No meio de tanta gente feliz e em paz existem pessoas tristes e zangadas. Jamais teve medo das pessoas parecidas com as estrelas que um dia temera. Sabia como enfrentá-las. Sabia mais que enfrentá-las; sabia ajudá-las. Descobriu que por trás de uma cara feia existe muito medo e fragilidade. Superado seu medo, Lucy cresceu e passou a vida se dedicando a levar mais luz para quem dela necessita. Ficou conhecida por todos como Lucy – a estrela da terra. 

O MILAGRE DA SEMENTE

          Ninguém conseguia entender como uma flor poderia viver num deserto. E, ali estava ela, viçosa e bonita. Ela não estava só, junto a ela um jardineiro além de contempla-la, dedicava-lhe todo amor e carinho.
            Pesquisadores do mundo inteiro tentavam estudar e compreender as razões que fazia uma flor tão delicada aceitar e suportar tão bem a aridez daquele deserto. Carentes de teorias que pudessem explicar tal fenômeno, optaram finalmente por entrevistar o humilde jardineiro que se dedicara e acompanhara o desenvolvimento daquela flor tão singela. Com poucas palavras ele tentou mostrar a prática que as teorias não conseguiam explicar:
— Toda flor provém de uma semente cujo único desejo é germinar. A semente possui certeza absoluta que poderá se transformar em flor um dia. Todo homem carrega dentro de si a semente do amor. Esta semente dá ao homem a certeza absoluta de que pode cuidar e se responsabilizar pelo desenvolvimento de qualquer ser em qualquer lugar. A terra carrega consigo a semente da maternidade. Por mais árida que tenha se tornado, ela possui mesmo que adormecido o dom de fazer germinar em seu seio o que deseja brotar. Estas três sementes juntas fizeram o milagre da vida acontecer, pois o milagre é uma semente presente em todo ser que tem fé. Basta acreditar e o milagre acontece.
            Os cientistas não acreditaram na teoria provinda da prática de um simples jardineiro, pois todo cientista carrega dentro de si a semente do ceticismo e da complexidade. Aquela teoria era simples demais para ser aceita e compreendida pela honrada e complicada ciência mesmo sabendo que estes mistérios ou milagres continuam sempre acontecendo em algum lugar sem que a mesma consiga explica-los.
            O jardineiro continuou cuidando da flor certo de que a compreensão só poderá brotar no seio de uma ciência que consiga um dia cultivar a semente da humildade.

A DOENÇA DA ROSA


Dizem que, num lindo jardim sempre habitado pela harmonia, a rosa adoeceu repentinamente. Nenhuma flor entendia o jeito novo e estranho da mesma. Sempre viçosa, aberta e vibrante passou a ficar,  dia a dia, cada vez mais murcha, fechada e sem vida. “Que doença era aquela que acometera a rosa repentinamente”? Até então, nenhuma flor jamais ouvira falar de uma doença tão grave. Como curar a rosa se ninguém entendia o motivo de sua doença? Preocupados, resolveram marcar uma consulta com o Dr Sol, o iluminado curador de todas as flores. Ele possuía uma sabedoria infinita capaz de curar todos os males. Tocando, graciosamente, a rosa com seus raios luminosos, o sol perguntou:
—O que aconteceu, linda rosa?
—Nada não!.. – respondeu, rispidamente, a rosa.
O sol achou muito esquisito aquele jeito novo da rosa. A sua doçura foi transformada, sem motivo aparente, em uma rispidez acentuada. Tentando envolve-la carinhosamente, questionou a sua indelicada resposta.
—Se não tens nada, porque estás tão brava?
—Eu tenho o meus motivos...
—Que tal  falarmos deles? Talvez, eu possa ajuda-la.
—Tudo bem! Respondeu grosseiramente. O meu problema são as Margaridas.
—Engraçado, nunca nenhuma flor aqui representou um problema para a outra. Vocês sempre viveram tão felizes.
Antes que o sol pudesse continuar foi interrompido ironicamente pela rosa.
—Disse bem! Vi-ve-ram. Mas, não vivemos mais.
—Não é bem assim. Todos continuam vivendo bem, só você não consegue mais viver feliz. Se mudar este sentimento ruim dentro de você, com certeza recuperará a sua felicidade.
—Só se as Margaridas morressem, eu conseguiria me sentir bem.
Apesar de estarrecido, o Sol entendeu rapidamente o sentimento da Rosa, mas decerto, ela não compreendia o que estava se passando consigo mesma. O grande astro sabia que tinha um grande trabalho pela frente. Só à partir do momento que a Rosa se tornasse capaz de compreender o real motivo deste ódio que a dominava, seria capaz de se salvar e se curar definitivamente. Sem censurá-la continuou indagando-a:
—Por que motivo as Margaridas deveriam morrer?
—Porque elas atrapalham a minha vida. Respondeu exalando egocentrismo, a Rosa.
—Engraçado, nunca reparei o quanto as Margaridas atrapalham a sua vida. Sempre as vejo no canto delas, juntas, felizes da vida, sem se preocuparem com nada.
—Você é quem pensa! Elas andam bem preocupadas em seduzir o meu amor. Outro dia o peguei irradiante, admirando-as.
—Que mal existe em admirar e ser admirado? Você sempre foi tão admirada e nunca se ressentiu disto.
—Uma coisa é ser admirada, outra coisa é ser menos amada por seu amor por ele ter descoberto outra flor mais bela.
—Ele te disse que passou a te amar menos por ter descoberto a beleza das Margaridas?
—Não, mas é um risco. Você não acha?
—Você deixaria de amá-lo caso passasse a admirar as Margaridas?
—Eu, admirar Margaridas? Era só o que faltava! Muitas flores podem até achá-las bonitinhas, mas aquelas pétalas finas... Que mal gosto! Fique sabendo que eu jamais vou admirar as Margaridas.
—Isso é muito sério. Disse o Sol com firmeza. Isso pode ser o seu fim. Continuou, olhando no fundo dos olhos da Rosa.
—O meu fim? Como assim ? Perguntou a Rosa preocupada.
—Se você não conseguir admirar as Margaridas, passará a se sentir cada vez mais feia e sem vida.
—Se o remédio é admiração, admirar a mim mesma não basta? Saiba que me acho muito mais linda. Minhas pétalas são mais largas, minha haste mais firme. Não tem comparação!
—Comparação. Preste bem atenção nesta palavra. A sua doença se chama com-pa-ra-ção. Você está doente de comparação.
—Eu, doente? Eu estou muito bem.
—Mas você acabou, agora pouco, de falar que só ficaria bem se as Margaridas morressem?
—Decerto, seria menos um peso para mim. Admitiu a Rosa.
—Atente-se ao que vou lhe falar. A noite está chegando e eu tenho que repousar. O Horizonte me espera, não dá para ficar mais tempo com você, embora eu saiba que você precisará de algum tempo para digerir e vivenciar tudo que irei lhe explicar. Qualquer dúvida, peça ajuda para a lua, hoje ela estará linda. Aliás, poderei usá-la como exemplo para que você compreenda melhor esta importante lição de vida.

—Que lição? Perguntou a Rosa mesclando dúvida com ansiedade.
—Eu ilumino o dia e a lua ilumina a noite. Temos o nosso valor e a nossa beleza. Temos o nosso lugar e a importância certa mediante o lugar que ocupamos. Sei que todas as flores deste jardim admiram as noites de luar.
—São lindas mesmo!
—Nem por isso eu desejo que a lua morra para que eu me sinta melhor do que sou. Tenho a minha própria importância. Sei o quanto sou importante para cada um de vocês.
Indispensável, eu diria.
—E daí? Ironizou a Rosa.— O que tudo isto tem haver com a minha doença?
—Ter certeza da nossa importância e valorizar a importância de todos que nos cercam é o passo mais importante na conquista da nossa felicidade e na eliminação do ciúme e da inveja que nascem assim que começamos a gestar as desagradáveis comparações dentro da gente.
—Ciúme, inveja... Que sentimentos são estes? Nunca ouvi falar deles.
—Mas está começando a sentir. Ciúme é esta necessidade maluca de ser o centro das atenções na vida do outro, querendo assim que este só tenha olhos para você. Se não tivéssemos que admirar a beleza do mundo e dos outros, nasceríamos cegos. Alguns até fingem não enxergar para não despertar este sentimento naqueles que se sentem inferiores, evitando assim, desagradáveis conflitos. Os que possuem visão e não enxergam são os piores cegos.
—Você quer dizer com isso que o meu amor é um ser agraciado por Deus com a dádiva de enxergar a beleza do mundo e não alguém que está traindo o amor que sinto por ele?
—Isto mesmo, Rosa! A nossa felicidade sempre dependerá do nosso ponto de vista. Procure enxergar as coisas do jeito que elas são de fato, e não da forma como a sua parte doente gostaria que fosse.
—E como a parte doente que está em mim gostaria que as coisas fossem? Perguntou, humildemente, a Rosa mudando sua feição frente à abertura aos novos aprendizados.
—A parte que adoeceu em você está exalando ciúme e inveja. Esta parte gostaria que o mundo girasse em torno de você e que, dentre todas as rosas e flores do mundo, você fosse a mais bela e a única a ser apreciada por todos.

A Rosa foi ficando mais vermelha do que era, exalando muita vergonha. Aquele sentimento novo que tomou conta de seu ser, sem que se apercebesse, era um sentimento ruim; gostaria de se livrar dele rapidamente. Mas de posse dele, parecia estar aprisionada e sem saída para o mundo encantado que vivia antes. Impotente, começou a chorar.

—Me diga, por favor! O que devo fazer para livrar-me desta doença?

—Admitir que é vítima dela já é o primeiro passo. No entanto, não poderá continuar como vítima. Deverá se responsabilizar por sua vida sabendo que possui dentro de si todos os recursos para se livrar dela. Basta usa-los. Lembre-se que você era uma rosa saudável e procure seguir o seu próprio exemplo de vida anterior, livre de comparações e deste sentimento de menos valia que se apoderou de você.

—Sinto vergonha de ter invejado as Margaridas e, com isto, desejado tanto mal a elas. Lamentou a Rosa.

—Quem inveja jamais deseja o bem para o ser invejado, pois deseja para si os atributos daquele ser que não possui. É como se o ser invejoso quisesse reter em si mesmo toda a beleza e todo o poder do mundo. Ilusoriamente, desejam ser um Deus.
A Rosa abaixou o olhar reprovando-se internamente. Queria se esconder de tanta vergonha, mas na impossibilidade de esconder de si mesma e de todos, limitou-se a ficar com seu olhar cabisbaixo por um longo tempo. Quando levantou seu olhar, o sol já não estava lá, a noite a envolvia com uma linda lua cheia a brilhar iluminando todo o jardim. Olhava para todas as flores e percebia a felicidade em cada uma delas. Sentia-se mal com a felicidade delas e agora, não só as Margaridas, mas todas as flores a incomodavam. Entretanto, o novo incômodo era diferente; já não desejava mal a elas, mas não conseguia ainda admirar aquela beleza que reinava no jardim que fazia parte. Sentia que nenhuma flor dali se importava com ela, estavam todas felizes e ela ali, triste e doente. Desanimada, pensou alto olhando para a lua que iluminava tudo e a todos:
—Agora, não tenho nem mesmo a companhia do sol...
—Mas tem a minha companhia. Interviu a lua irradiante.— A minha companhia não serve?  
—Serviria, mas você desconhece o meu problema e não tem como me ajudar.
—Mas posso conhecê-lo se você permitir. Estou disponível a ajudá-la, caso queira, é claro. Disponibilizou-se a Lua.
—Até quero, mas me dá uma preguiça ter que falar tudo de novo.
—Você não precisa falar tudo, comece por onde você terminou.
—E você entenderia se eu começasse do final?
—Que bom! Se você já está no final é porque seu problema já está resolvido.
—Quem me dera! Apenas entendi o que sinto, mas não consegui ainda mudar o sentimento dentro de mim. É como se eu tivesse mudado na cabeça e não o tivesse ainda arrancado do coração.
—Talvez seja o contrário. Certamente, você já o tirou do coração, mas  mantêm o problema vivo na sua mente.
—Sei lá, só sei que o sentimento de ciúme e inveja ainda estão dentro de mim.
—Quer dizer que você sente ciúme e inveja?
—Acho que não sinto mais nada. Olho para tudo e para todos e não vejo mais a beleza; sinto apenas um incômodo, que nem sei bem como explicar.
—Este incômodo é certamente o vazio que tomou conta de você.
—Acho que é isto mesmo! Me sinto vazia. Como você pôde descobrir se nem conhece todo meu problema?
—Os sentimentos são governados por algumas leis. O ciumento e o invejoso está sempre vazio e deseja, inicialmente, preencher este vazio com aquilo que o outro tem. Sentem muita raiva enquanto lutam para tomar do outro o que não lhes pertence e o que jamais conseguirão roubar. Quando se dão conta da impotência para mudar o que não pode ser mudado, são acometidos por uma grande tristeza e desânimo. Tomados pela depressão, se afundam, dia após dia, cada vez mais,  neste vazio sem fundo.
—Preciso de ajuda! Você tem como me tirar deste buraco fundo que caí? Suplicou a rosa desesperada e com muito medo de permanecer, infinitamente, neste inferno que a aprisionava.
—Infelizmente não posso fazer por você o que só você pode fazer por si mesma. Comece por olhar para si. Admire-se! Veja primeiro quanta beleza existe dentro de você para que depois possa, finalmente, admirar a beleza que existe no outro. No entanto, muito cuidado! Admire-se sem comparações.
Lembrando-se das últimas palavras do Sol a Rosa confabulou:
—O Sol me disse que talvez eu quisesse ser um Deus, habitar apenas em mim toda a beleza do mundo. Acho que ele tem razão. A minha própria beleza tem que me satisfazer. Estou sendo insaciável.
—Decerto! Nem Deus quis a beleza do mundo só para ele. Por isso se dividiu em todos os seres do mundo e deu para cada um deles parte de sua beleza. E há quem queira ser mais que Deus, ao invés de ser Uno; ser individualista e garantir a beleza só para si.
—Acho que o que sinto é coisa do diabo! Inferiu a Rosa com seus miolos já quentes de tanto pensar numa saída para seus problemas.
—A escolha é sua. Se desejar ser mais divina, deverá descobrir a divindade dentro de si mesma. Feita esta descoberta, você exalará o sentimento divino de querer também se dividir, se multiplicar. Estará aberta a dar e receber, pois verá riqueza em tudo que lhe rodeia.
—Temo não ter muito tempo para isto mais. Depois desta conversa, já consigo sentir a mudança operando dentro de mim, só não sei se terei tempo para vivenciá-la.
—O tempo é muito relativo. Não poderei viver mais esta noite, mas por certo, muitas outras virão. Talvez eu não possa mais encontrar com você tal qual se encontra hoje, pois o mundo gira, minha cara. Mas, encontrarei uma outra flor; diferente, mas com a tua alma.

A Rosa entendeu o recado da lua deixando duas gotas de orvalho caíram de suas pétalas. A lua me contou que nunca mais encontrou aquela Rosa invejosa e cimenta naquela roseira, mas a encontrou linda, feliz e viçosa em vários pontos daquele mesmo jardim e em centenas de outros. Fiquei, por algum tempo, sem entender como ela pôde se dividir e multiplicar ao mesmo tempo, mas, outro dia, lembrando-me de uma frase divina que diz mais ou menos assim – “Sede fecundos, multiplicai-vos” – deduzi, finalmente, o final desta história. Espero que você seja capaz de deduzir também.