Dedico
esta história a todos aqueles que desprezam suas asinhas quebradas
Era uma vez um passarinho muito especial, embora, ele
próprio não soubesse que era. Ele se achava um pássaro pior do que os outros. Sabe
porque? Porque ele nasceu com suas asinhas quebradas e não conseguia voar. E o
nome dele? Voce pode imaginar qual era? Na verdade, ninguém sabia o seu nome,
mas todos sabiam bem o seu apelido. O apelido dele era Soluço. Ele ganhou este
apelido de seus amigos porque vivia soluçando – soluço de choro e lamentação.
Soluço chorava muito lamentando suas asinhas quebradas. Queria ser como os
outros pássaros. Queria ter asas fortes e poder voar.
A mãe de Soluço não podia resolver este problema do
filho, mas fazia de tudo para ajuda-lo. Embora, Soluço não soubesse ainda, a
sua mãe sabia uma coisa muito importante – sabia que ser um pássaro feliz era
mais importante do que ter asas fortes e poder voar. Mamãe sabia que nem todos
os pássaros que voavam e que tinham suas asas perfeitas eram felizes. Ciente
disto, dizia sempre para o filho:
-
Meu filho, o importante é ser feliz! Felicidade não se conquista com estas asas
que voce vê e que deseja tanto, mas sim com as asas que voce não vê e que são
perfeitas e fortes em voce.
Soluço achou estranho este papo da mamãe. Nunca pensou
que pudesse ter asas fortes e perfeitas. Onde é que mamãe conseguiu ver nele
estas asas? Confuso, perguntou para sua mãe:
-
Será que voce não está com algum defeito de visão, mamãe? Eu não tenho estas
asas que voce diz que eu tenho. Eu só tenho estas asinhas frágeis e quebradas
que jamais me permitirá voar.
A
mãe deu algumas bicadas afetuosa na cabeça do filho e respondeu:
-
Meu filho, voce é quem está com problema de visão. Vou manda-lo para um
oftalmologista da alma.
-
Oftalmologista da alma? O que é isto? Perguntou Soluço.
-É
um pássaro muito especial que fará voce se enxergar melhor. Respondeu mamãe com
muita ternura.
-Mas,
eu não quero me enxergar melhor, eu quero voar melhor. Retrucou Soluço já
chorando.
-
Não há como voce voar sem curar primeiro a sua visão. Salientou a mãe.
Soluço não queria se consultar com o tal
oftalmologista da alma, mas a mãe lhe pediu tanto que Soluço acabou cedendo. Foi
até lá e ficou muito surpreso com o consultório do tal oftalmologista. Era um
lugar diferente de todos que já tinha ido. Era, na verdade, o lugar mais bonito
que teve a oportunidade de conhecer. Era um lugar especial na natureza,
diferente de tudo que já tinha visto até então. Antes que abrisse o bico para
manifestar qualquer expressão de contentamento ou surpresa, apareceu diante de
si um pássaro branco gigantesco, diferente de todos que havia conhecido ao
longo da vida. Além de gigante, ele tinha algo muito diferente de todos os
pássaros e da maioria dos seres que conhecia na natureza – ele não tinha olhos.
Soluço, além de surpreso, achou aquilo muito esquisito e antes que desse seu
primeiro pio, o pássaro branco lhe perguntou:
-Assustado
comigo, Soluço?
Soluço ficou sem jeito de dizer que achava ele muito
estranho, preferiu continuar calado. O pássaro branco continuou:
-
Voce veio aqui aprender a voar?
-
Eu não posso voar. As minhas asas são frágeis e quebradas. Afirmou Soluço.
O pássaro branco deu uma longa risada advertindo-o com
brandura:
-
Que pena que voce pense assim! Tudo aquilo que a gente acredita se concretiza.
Pelo jeito, voce nunca vai conseguir tirar seus pés do chão.
-
Como é que eu poderia com estas asas defeituosas? Questionou Soluço.
-Desde
quando isto é um defeito, Soluço? Perguntou a grande ave.
-
Muitos amigos meus mechem comigo dizendo que sou um pássaro deficiente. Os
outros que não mechem, olham para mim com muita pena. Lamentou Soluço,
soluçando aos prantos.
-
Deficiente é a forma deles enxergá-lo e
à vida. Ponderou o pássaro branco.
-Como
assim, grande pássaro? Eu não estou entendendo o que você quis dizer.
-
Porque está também com seu olhar doente. As pessoas de olhar doente que
conviveram com você lhe contaminaram com uma doença muito séria chamada
cegueira.
-
Mas, você é quem parece cego, pois nem
olhos você tem. Eles, por outro lado,
possuem olhos normais. Retorquiu Soluço.
-
Uma normalidade assustadora! Advertiu com censura o Pássaro Gigante.
-
Como assim? Perguntou, surpreso, engolindo um soluço já pronto para sair.
- Armados
com esta normalidade assustadora, os cegos da alma se tornam insensíveis e
acabam ferindo muita gente. A armadura que usam para se defender da própria cegueira
não lhes permitem sentir prejudicando ainda mais a visão do espírito. Alertou O
Grande Pássaro.
-
Você está querendo me dizer que a nossa alma enxerga? Perguntou Soluço.
-
Mais do que isto. A nossa alma além de enxergar, ouve, se movimenta, enfim, é portadora de todos os sentidos que o nosso
corpo possui e alguns mais que o nosso
corpo não tem. A nossa alma é muito mais aprimorada que o nosso corpo. Quem
sente, vive e se expressa através dela se torna um ser extraordinário. Salientou
o Grande Pássaro.
-Ser
extraordinário... O que é isto, Pássaro Gigante?
-
Um ser extraordinário é um ser muito especial, capaz de fazer coisas
inacreditáveis e capaz de viver de uma forma especial sem se preocupar em se comparar com os outros e
fazer as coisas que estes outros fazem, pois ele sabe que é diferente e que é
na sua diferença que reside o seu poder de ser extraordinário. Explicou o
Pássaro Gigante sem olho.
-
Quer dizer então que a minha diferença não faz de mim um pássaro pior do que os
outros? Surpreendeu-se Soluço irradiando sua primeira centelha de esperança.
-
Isto mesmo! Mas apenas se você souber olhar para ela com os olhos da alma. Se
olhar para si como um coitadinho, não verá nada de extraordinário em você; se
verá apenas como um pássaro repleto de deficiências. Alertou o Grande Pássaro.
-
Você me ajuda a olhar com os olhos da alma, Grande Pássaro?
-
Antes de ajudá-lo, é necessário que você deseje isto com o seu coração. A minha
ajuda não provocará nada em você sem a força de seu desejo. Atentou o Gigante
sem olho.
-
Eu desejo, eu desejo! Expressou Soluço batendo as suas asinhas com a energia da
esperança e do otimismo dentro de si. No meio de tanta euforia, seus pezinhos
saíram do chão pela primeira vez. Nunca havia experimentado um vôo, mesmo que
ainda baixinho. Assustado consigo mesmo, ao invés de soluço, deu um grito
estridente: - “Consegui!” Mas se estabacou no chão logo em seguida.
Seu entusiasmo se transformou rapidamente numa grande
frustração trazendo de volta seu soluço. Com seus olhinhos lacrimejando
lamentou com o Grande Pássaro:
-
Está vendo! Dá tudo errado! Eu não consegui voar como os outros pássaros.
-
Estou vendo sim... Estou vendo que você está novamente se vendo com os olhos do
corpo ou, mais precisamente, com os
olhos de um ego ferido.
-Ego?
Que palavra esquisita! O que é isto? Perguntou Soluço confuso.
-
Ego é uma parte orgulhosa e arrogante da gente que anseia ser perfeita, apesar
de ignorar a verdadeira perfeição. É a parte que se compara o tempo todo com o
outro e deseja ser mais que todo mundo. Querendo ser mais se esquece de ser ele
mesmo. Esta parte não gosta daquilo que a gente é de verdade; gosta, apenas, daquilo que gostaria de se tornar um dia.
Acaba se tornado, muitas vezes, o nosso pior inimigo. Explicou o Grande Pássaro
num tom de alerta.
-Voce
quer dizer que o nosso pior inimigo está dentro da gente? Perguntou Soluço
arregalando seus olhinhos assustados.
-Isto
mesmo! Se souber vence-lo, nenhum pássaro, por pior que seja, vai incomodar
você. Afirmou o Grande Pássaro.
-
E como se vence o inimigo que está dentro da gente? Perguntou Soluço exalando
curiosidade.
-
Deixando de fazer o que você acabou de fazer. Quando você tirou os pés do chão,
ao invés de se alegrar e valorizar o início desta grande conquista, você se deixou ser levado pelos desejos de seu ego,
só deu importância a eles. Explicou o Pássaro Gigante de gigantesca sabedoria.
-
E, qual o desejo de meu ego? Perguntou Soluço.
-
Voar alto como muitos pássaros que você admira. Afirmou o Pássaro sem olho como
se estivesse enxergando a mais profunda essência de seu ser.
-
Desejar isto é ruim? Questionou soluço.
-
Pode ser muito bom quando você sabe esperar o momento certo para conseguir
isto. E pode ser uma tragédia quando você despreza aquilo que você é e aquilo
que voce conseguiu com tanto esforço conquistar. Você pode até não ter voado
alto, mas conseguiu tirar os pés do chão, coisa que você nunca conseguiu antes.
Para derrotar seu inimigo, você precisa ser primeiro um grande amigo de si
mesmo. Um verdadeiro amigo nos incentiva em cada conquista, por menor que ela
seja. Não fica criticando e desprezando as nossas dificuldades. Alertou o
Grande Pássaro.
-
Você tem razão! Acho que não tenho sido um bom amigo para mim. Ponderou Soluço.
-
Pois então, trate se ser o seu melhor
amigo e você se tornará uma pessoa extraordinária. Fará coisas que jamais
imaginou que daria conta de fazer. E não dará importância alguma para aquilo
que não é importante você conquistar. Se tornará menos avarento e se contentará
com o essencial.
-
Como eu posso ser meu melhor amigo? Perguntou Soluço querendo iniciar uma
amizade verdadeira consigo mesmo.
-
Primeiro, se aceitando do jeito que você é sem jamais impor a si mesmo ser
alguém que você não quer ou não dá conta de ser. Isto pressupõe ter um grande
respeito por si mesmo. Segundo, se incentivando a lutar por tudo aquilo que é,
de fato, importante para você. E não por aquilo que é importante para os
outros, para seu ego doente ou para o inimigo que mora dentro de você. Terceiro,
valorizando todas as suas conquistas, mesmos as menores conquistas. Quarto, dar
apoio a si mesmo diante das derrotas, pois todos nós fracassaremos em algum
momento de nossas vidas. Apoiar-se pressupõe ser tolerante com seus limites ao
mesmo tempo que incentiva a sua superação. O quinto passo é estar sempre
vigilante para que você possa anular qualquer pensamento ou atitude onde o seu
inimigo interno esteja lhe desqualificando. Antes que o Grande Pássaro pudesse
continuar ditando suas normas, Soluço o interrompeu:
-
Como assim? Pode me explicar melhor este passo?
- É
claro! Se o seu inimigo interno disser: Você não pode! Deixe que sua alma diga:
Você pode!
Se
o seu inimigo disser: Você é incapaz! Ouça a sua alma dizer: Você é capaz! Se o
seu inimigo lhe mostrar suas deficiências; olhe para o olho de sua alma que ela
lhe estará mostrando o verdadeiro sentido delas e muito mais do que isto; o
potencial escondido por detrás de todas elas. Explicou cheio de entusiasmo o
Grande Pássaro.
-
Estou começando a entender, grande pássaro! Expressou Soluço serenamente e
repleto de admiração pelo seu mestre.
O Pássaro,
mesmo sem olhos, olhava no fundo dos olhos de Soluço. Que olho era aquele? Pensava
Soluço. Com certeza, devia ser os olhos da alma. Com o olhar fixo em Soluço,
continuou:
-
E por último, perceba-se e sinta-se sempre tão grande quanto me vê. Você é muito
grande! Você se vê pequeno por usar as lentes erradas para se analisar. Toda
vez que usar as lentes da deficiência, se verá pequenino demais. Quando usar as
lentes de sua alma; se verá grande, um verdadeiro gigante capaz de enfrentar
qualquer obstáculo.
O Grande Pássaro deu um abraço em soluço cobrindo-o
com suas grandes asas. Depois deste afetuoso abraço, olhou novamente bem no
fundo dos olhos de soluço e finalizou:
-
Agora é com voce!
O pássaro partiu e Soluço ficou surpreso a pensar:
-
Como é que ele pode me olhar no fundo dos olhos se não tem olhos. Acho que
entendi uma coisa muito importante. O grande pássaro me olha com os olhos da
alma. – Que olhar profundo!
Soluço compreendeu que se um pássaro sem olhos possuía
um olhar tão profundo e conseguia enxergar tão bem o que a grande maioria não
conseguia enxergar, com certeza, um pássaro com asas quebradas também poderia
voar. Com esta nova certeza habitando seu ser, muita coisa mudou na vida de
Soluço.
O tempo passou e Soluço passou a investir cada vez
mais em suas asas ao invés de amaldiçoa-las. Com exercícios para o corpo e para
a alma fortaleceu suas asas e conseguiu mais do que tirar os pés do chão, voar
muito alto. Valorizava cada conquista que conseguia. Aprendeu a agradecer suas
conquistas ao invés de soluçar suas derrotas.
Depois de muito treino e de muita fé em si mesmo,
conseguiu voar até o alto da montanha mais alta da região. Contemplando o
horizonte do alto da montanha, uma voz interior saiu de dentro de si
parabenizando-o; parecia com a voz do grande pássaro:
-
Parabéns, Soluço! Esteja sempre assim.
-
Como? Perguntou, perplexo, para aquela
voz que se parecia com a do seu grande
mestre.
-Esteja
sempre acima de suas dificuldades. Vendo-as de cima, elas parecerão sempre
muito pequenas e voce se transformará para sempre num grande pássaro.
Feliz com tudo que acabara de ouvir foi interrompido
por uma outra voz, bem diferente da anterior. Fitou seu olhar na direção desta
nova voz e deparou-se com um pássaro, um antigo conhecido, que o olhando surpreso
perguntou:
-Soluço?
-
Soluço, não! – retrucou – Só Luz! Meu nome é Só Luz.
Pela
primeira vez Soluço afirmou a sua verdadeira identidade. Nunca mais abriu mão
dela. De Soluço, o pássaro de asas quebradas, passou a ser conhecido por todos
por Só Luz, o pássaro iluminado. Quando os outros pássaros lhe perguntavam como
conseguira fortalecer suas asas e voar tão alto, ele respondia:
-
Fortaleça primeiro o seu espírito e conquistará a terra e o céu. Mais do que
isto, conquistará a si mesmo.