quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ASA QUEBRADA


Dedico esta história a todos aqueles que desprezam suas asinhas quebradas
 
 

Era uma vez um passarinho muito especial, embora, ele próprio não soubesse que era. Ele se achava um pássaro pior do que os outros. Sabe porque? Porque ele nasceu com suas asinhas quebradas e não conseguia voar. E o nome dele? Voce pode imaginar qual era? Na verdade, ninguém sabia o seu nome, mas todos sabiam bem o seu apelido. O apelido dele era Soluço. Ele ganhou este apelido de seus amigos porque vivia soluçando – soluço de choro e lamentação. Soluço chorava muito lamentando suas asinhas quebradas. Queria ser como os outros pássaros. Queria ter asas fortes e poder voar.

A mãe de Soluço não podia resolver este problema do filho, mas fazia de tudo para ajuda-lo. Embora, Soluço não soubesse ainda, a sua mãe sabia uma coisa muito importante – sabia que ser um pássaro feliz era mais importante do que ter asas fortes e poder voar. Mamãe sabia que nem todos os pássaros que voavam e que tinham suas asas perfeitas eram felizes. Ciente disto, dizia sempre para o filho:

- Meu filho, o importante é ser feliz! Felicidade não se conquista com estas asas que voce vê e que deseja tanto, mas sim com as asas que voce não vê e que são perfeitas e fortes em voce.

Soluço achou estranho este papo da mamãe. Nunca pensou que pudesse ter asas fortes e perfeitas. Onde é que mamãe conseguiu ver nele estas asas? Confuso, perguntou para sua mãe:

- Será que voce não está com algum defeito de visão, mamãe? Eu não tenho estas asas que voce diz que eu tenho. Eu só tenho estas asinhas frágeis e quebradas que jamais me permitirá voar.

         A mãe deu algumas bicadas afetuosa na cabeça do filho e respondeu:

- Meu filho, voce é quem está com problema de visão. Vou manda-lo para um oftalmologista da alma.

- Oftalmologista da alma? O que é isto? Perguntou Soluço.

-É um pássaro muito especial que fará voce se enxergar melhor. Respondeu mamãe com muita ternura.

-Mas, eu não quero me enxergar melhor, eu quero voar melhor. Retrucou Soluço já chorando.

- Não há como voce voar sem curar primeiro a sua visão. Salientou a mãe.

Soluço não queria se consultar com o tal oftalmologista da alma, mas a mãe lhe pediu tanto que Soluço acabou cedendo. Foi até lá e ficou muito surpreso com o consultório do tal oftalmologista. Era um lugar diferente de todos que já tinha ido. Era, na verdade, o lugar mais bonito que teve a oportunidade de conhecer. Era um lugar especial na natureza, diferente de tudo que já tinha visto até então. Antes que abrisse o bico para manifestar qualquer expressão de contentamento ou surpresa, apareceu diante de si um pássaro branco gigantesco, diferente de todos que havia conhecido ao longo da vida. Além de gigante, ele tinha algo muito diferente de todos os pássaros e da maioria dos seres que conhecia na natureza – ele não tinha olhos. Soluço, além de surpreso, achou aquilo muito esquisito e antes que desse seu primeiro pio, o pássaro branco lhe perguntou:

-Assustado comigo, Soluço?

Soluço ficou sem jeito de dizer que achava ele muito estranho, preferiu continuar calado. O pássaro branco continuou:

- Voce veio aqui aprender a voar?

- Eu não posso voar. As minhas asas são frágeis e quebradas. Afirmou Soluço.

O pássaro branco deu uma longa risada advertindo-o com brandura:

- Que pena que voce pense assim! Tudo aquilo que a gente acredita se concretiza. Pelo jeito, voce nunca vai conseguir tirar seus pés do chão.

- Como é que eu poderia com estas asas defeituosas? Questionou Soluço.

-Desde quando isto é um defeito, Soluço? Perguntou a grande ave.

- Muitos amigos meus mechem comigo dizendo que sou um pássaro deficiente. Os outros que não mechem, olham para mim com muita pena. Lamentou Soluço, soluçando aos prantos.

- Deficiente é a forma deles  enxergá-lo e à vida. Ponderou o pássaro branco.

-Como assim, grande pássaro? Eu não estou entendendo o que você quis dizer.

- Porque está também com seu olhar doente. As pessoas de olhar doente que conviveram com você lhe contaminaram com uma doença muito séria chamada cegueira.

- Mas, você é quem  parece cego, pois nem olhos você tem.  Eles, por outro lado, possuem olhos normais. Retorquiu Soluço.

- Uma normalidade assustadora! Advertiu com censura o Pássaro Gigante.

- Como assim? Perguntou, surpreso, engolindo um soluço já pronto para sair.

- Armados com esta normalidade assustadora, os cegos da alma se tornam insensíveis e acabam ferindo muita gente. A armadura que usam para se defender da própria cegueira não lhes permitem sentir prejudicando ainda mais a visão do espírito. Alertou O Grande Pássaro.

- Você está querendo me dizer que a nossa alma enxerga? Perguntou Soluço.

- Mais do que isto. A nossa alma além de enxergar, ouve, se movimenta, enfim,  é portadora de todos os sentidos que o nosso corpo possui  e alguns mais que o nosso corpo não tem. A nossa alma é muito mais aprimorada que o nosso corpo. Quem sente, vive e se expressa através dela se torna um ser extraordinário. Salientou o Grande Pássaro.

-Ser extraordinário... O que é isto, Pássaro Gigante?

- Um ser extraordinário é um ser muito especial, capaz de fazer coisas inacreditáveis e capaz de viver de uma forma especial sem se  preocupar em se comparar com os outros e fazer as coisas que estes outros fazem, pois ele sabe que é diferente e que é na sua diferença que reside o seu poder de ser extraordinário. Explicou o Pássaro Gigante sem olho.

- Quer dizer então que a minha diferença não faz de mim um pássaro pior do que os outros? Surpreendeu-se Soluço irradiando sua primeira centelha de esperança.

- Isto mesmo! Mas apenas se você souber olhar para ela com os olhos da alma. Se olhar para si como um coitadinho, não verá nada de extraordinário em você; se verá apenas como um pássaro repleto de deficiências. Alertou o Grande Pássaro.  

- Você me ajuda a olhar com os olhos da alma, Grande Pássaro?

- Antes de ajudá-lo, é necessário que você deseje isto com o seu coração. A minha ajuda não provocará nada em você sem a força de seu desejo. Atentou o Gigante sem olho.

- Eu desejo, eu desejo! Expressou Soluço batendo as suas asinhas com a energia da esperança e do otimismo dentro de si. No meio de tanta euforia, seus pezinhos saíram do chão pela primeira vez. Nunca havia experimentado um vôo, mesmo que ainda baixinho. Assustado consigo mesmo, ao invés de soluço, deu um grito estridente: - “Consegui!” Mas se estabacou no chão logo em seguida.

Seu entusiasmo se transformou rapidamente numa grande frustração trazendo de volta seu soluço. Com seus olhinhos lacrimejando lamentou com o Grande Pássaro:

- Está vendo! Dá tudo errado! Eu não consegui voar como os outros pássaros.

- Estou vendo sim... Estou vendo que você está novamente se vendo com os olhos do corpo ou,  mais precisamente, com os olhos de  um ego ferido.

-Ego? Que palavra esquisita! O que é isto? Perguntou Soluço confuso.

- Ego é uma parte orgulhosa e arrogante da gente que anseia ser perfeita, apesar de ignorar a verdadeira perfeição. É a parte que se compara o tempo todo com o outro e deseja ser mais que todo mundo. Querendo ser mais se esquece de ser ele mesmo. Esta parte não gosta daquilo que a gente é de verdade;  gosta,  apenas,  daquilo que gostaria de se tornar um dia. Acaba se tornado, muitas vezes, o nosso pior inimigo. Explicou o Grande Pássaro num tom de alerta.

-Voce quer dizer que o nosso pior inimigo está dentro da gente? Perguntou Soluço arregalando seus olhinhos assustados.

-Isto mesmo! Se souber vence-lo, nenhum pássaro, por pior que seja, vai incomodar você. Afirmou o Grande Pássaro.

- E como se vence o inimigo que está dentro da gente? Perguntou Soluço exalando curiosidade.

- Deixando de fazer o que você acabou de fazer. Quando você tirou os pés do chão, ao invés de se alegrar e valorizar o início desta grande conquista, você  se deixou ser levado pelos desejos de seu ego, só deu importância a eles. Explicou o Pássaro Gigante de gigantesca sabedoria.

- E, qual o desejo de meu ego? Perguntou Soluço.

- Voar alto como muitos pássaros que você admira. Afirmou o Pássaro sem olho como se estivesse enxergando a mais profunda essência de seu ser.

- Desejar isto é ruim? Questionou soluço.

- Pode ser muito bom quando você sabe esperar o momento certo para conseguir isto. E pode ser uma tragédia quando você despreza aquilo que você é e aquilo que voce conseguiu com tanto esforço conquistar. Você pode até não ter voado alto, mas conseguiu tirar os pés do chão, coisa que você nunca conseguiu antes. Para derrotar seu inimigo, você precisa ser primeiro um grande amigo de si mesmo. Um verdadeiro amigo nos incentiva em cada conquista, por menor que ela seja. Não fica criticando e desprezando as nossas dificuldades. Alertou o Grande Pássaro.

- Você tem razão! Acho que não tenho sido um bom amigo para mim. Ponderou Soluço.

- Pois então,  trate se ser o seu melhor amigo e você se tornará uma pessoa extraordinária. Fará coisas que jamais imaginou que daria conta de fazer. E não dará importância alguma para aquilo que não é importante você conquistar. Se tornará menos avarento e se contentará com o essencial.

- Como eu posso ser meu melhor amigo? Perguntou Soluço querendo iniciar uma amizade verdadeira consigo mesmo.

- Primeiro, se aceitando do jeito que você é sem jamais impor a si mesmo ser alguém que você não quer ou não dá conta de ser. Isto pressupõe ter um grande respeito por si mesmo. Segundo, se incentivando a lutar por tudo aquilo que é, de fato, importante para você. E não por aquilo que é importante para os outros, para seu ego doente ou para o inimigo que mora dentro de você. Terceiro, valorizando todas as suas conquistas, mesmos as menores conquistas. Quarto, dar apoio a si mesmo diante das derrotas, pois todos nós fracassaremos em algum momento de nossas vidas. Apoiar-se pressupõe ser tolerante com seus limites ao mesmo tempo que incentiva a sua superação. O quinto passo é estar sempre vigilante para que você possa anular qualquer pensamento ou atitude onde o seu inimigo interno esteja lhe desqualificando. Antes que o Grande Pássaro pudesse continuar ditando suas normas, Soluço o interrompeu:

- Como assim? Pode me explicar melhor este passo?

- É claro! Se o seu inimigo interno disser: Você não pode! Deixe que sua alma diga: Você pode!

Se o seu inimigo disser: Você é incapaz! Ouça a sua alma dizer: Você é capaz! Se o seu inimigo lhe mostrar suas deficiências; olhe para o olho de sua alma que ela lhe estará mostrando o verdadeiro sentido delas e muito mais do que isto; o potencial escondido por detrás de todas elas. Explicou cheio de entusiasmo o Grande Pássaro.

- Estou começando a entender, grande pássaro! Expressou Soluço serenamente e repleto de admiração pelo seu mestre.

 O Pássaro, mesmo sem olhos, olhava no fundo dos  olhos de Soluço. Que olho era aquele? Pensava Soluço. Com certeza, devia ser os olhos da alma. Com o olhar fixo em Soluço, continuou:

- E por último, perceba-se e sinta-se sempre tão grande quanto me vê. Você é muito grande! Você se vê pequeno por usar as lentes erradas para se analisar. Toda vez que usar as lentes da deficiência, se verá pequenino demais. Quando usar as lentes de sua alma; se verá grande, um verdadeiro gigante capaz de enfrentar qualquer obstáculo.

O Grande Pássaro deu um abraço em soluço cobrindo-o com suas grandes asas. Depois deste afetuoso abraço, olhou novamente bem no fundo dos olhos de soluço e finalizou:

- Agora é com voce!

O pássaro partiu e Soluço ficou surpreso a pensar:

- Como é que ele pode me olhar no fundo dos olhos se não tem olhos. Acho que entendi uma coisa muito importante. O grande pássaro me olha com os olhos da alma. – Que olhar profundo!

Soluço compreendeu que se um pássaro sem olhos possuía um olhar tão profundo e conseguia enxergar tão bem o que a grande maioria não conseguia enxergar, com certeza, um pássaro com asas quebradas também poderia voar. Com esta nova certeza habitando seu ser, muita coisa mudou na vida de Soluço.

O tempo passou e Soluço passou a investir cada vez mais em suas asas ao invés de amaldiçoa-las. Com exercícios para o corpo e para a alma fortaleceu suas asas e conseguiu mais do que tirar os pés do chão, voar muito alto. Valorizava cada conquista que conseguia. Aprendeu a agradecer suas conquistas ao invés de soluçar suas derrotas.

Depois de muito treino e de muita fé em si mesmo, conseguiu voar até o alto da montanha mais alta da região. Contemplando o horizonte do alto da montanha, uma voz interior saiu de dentro de si parabenizando-o; parecia com a voz do grande pássaro:

- Parabéns, Soluço! Esteja sempre assim.

- Como? Perguntou, perplexo, para  aquela voz  que se parecia com a do seu grande mestre.

-Esteja sempre acima de suas dificuldades. Vendo-as de cima, elas parecerão sempre muito pequenas e voce se transformará para sempre num grande pássaro.

Feliz com tudo que acabara de ouvir foi interrompido por uma outra voz, bem diferente da anterior. Fitou seu olhar na direção desta nova voz e deparou-se com um pássaro, um antigo conhecido, que o olhando surpreso perguntou:

-Soluço?

- Soluço, não! – retrucou – Só Luz! Meu nome é Só Luz.

Pela primeira vez Soluço afirmou a sua verdadeira identidade. Nunca mais abriu mão dela. De Soluço, o pássaro de asas quebradas, passou a ser conhecido por todos por Só Luz, o pássaro iluminado. Quando os outros pássaros lhe perguntavam como conseguira fortalecer suas asas e voar tão alto, ele respondia:

- Fortaleça primeiro o seu espírito e conquistará a terra e o céu. Mais do que isto, conquistará a si mesmo.