O BRINQUEDO DESEJADO
UMA VERSÃO MODIFICADA DA HISTÓRIA “ LOJA DE BRINQUEDOS”
( CARDÁPIO DA ALMA)
Era uma vez um garoto cujo pai era dono de uma loja de
brinquedos. O aniversário desta criança estava chegando e ela poderia escolher
qualquer brinquedo que desejasse, dentre as dezenas de brinquedos disponíveis
nas prateleiras da loja do pai. Dois brinquedos fascinaram aquela alma infantil,
no entanto, o pai um pouco rígido, lhe dava o direito de escolher apenas um. Deveria
garimpar seu desejo mais precioso. Não foi tão difícil fazer a escolha, pois
dentre os dois, aquela criança sabia, no fundo de sua alma, o que realmente
desejava. Sabia que desejava os dois, mas só um deles poderia ser a sua pedra
preciosa passível de ser vivida e exibida no seu dia a dia. Sabia também que o brinquedo escolhido era o
que os pais mais gostavam de brincar; sendo assim, poderia gozar a comodidade
de ter sempre a companhia dos mesmos para brincar junto.
No entanto, toda vez que aquela criança passava pelas
prateleiras da loja do pai e via aquele outro brinquedo ora desejado, um enorme
desejo de tocá-lo e saborear os prazeres que este poderia lhe proporcionar, tomava conta de si. Como era um desejo
proibido, a única maneira de vivenciá-lo era às escondidas e longe de todos os
olhares. Assim, descobriu uma forma de brincar, de tocá-lo e gozá-lo sempre longe
de todos. Às vezes, tinha medo de aparecer alguém que pudesse se interessar e
comprar aquele brinquedo, separando-o definitivamente daquele seu prazer
proibido. Enquanto isto não acontecia,
se limitava, esporadicamente, quando lhe
sobrava tempo, brincar às escondidas com
aquele brinquedo sempre ali disponível. Toda vez que brincava com o mesmo,
lembrava-se dos conselhos e advertências do pai: “Não brinque com nenhum
brinquedo que não seja seu, pois se estragá-lo terá que pagar um alto preço por
isto”. Apesar de todas as advertências, não conseguia deixar de brincar com o
proibido; parecia uma verdadeira tentação, um vício difícil de ser superado.
Por outro lado, sentia-se mais seguro com o seu brinquedo escolhido, apesar de
entediar-se, às vezes, com o mesmo. Se o estragasse, achava, ilusoriamente, que o preço não seria tão alto e que poderia
conserta-lo de alguma forma sem maiores prejuízos. Ter os dois era uma boa saída. Viver a
concessão e a proibição, tudo na medida certa, era para ele uma dieta bem
equilibrada de desejos antagônicos. Viver o permitido e o proibido. Poder o que
não pode, pode parecer dialético, mas, mais do que dialético era
prazer, pois diante do tédio, tinha
sempre em mãos a aventura do proibido. Viver assim era uma situação cômoda e,
ao mesmo tempo, estimulante e gostosa.
O garoto sabia que seria castigado se alguém o pegasse
com aquele brinquedo da loja. Embora não fosse seu, não tinha um dono ainda. Ao
futuro pertencia a propriedade do mesmo.
Poderia até escolhê-lo no próximo natal ou aniversário, mas, lá no fundo,
não desejava tomar posse do mesmo;
talvez um outro brinquedo diferente fosse sempre mais interessante de ser
adquirido. Aquele brinquedo tinha algo mágico que o assustava. O bom mesmo era
a falta dele; uma falta que rendia desejo; um desejo de ter o que não se pode ter.
A ideia de possuí-lo, deixava-o inseguro. Possuindo-o, ele deixaria de ser
falta e consequentemente deixaria de ser desejado. Assim, nunca teve coragem de
pedir aquele brinquedo de presente. Ele tinha algo de proibido que fascinava
muito mais do que as facilidades e a segurança do conquistado. Aquele brinquedo
alimentava as suas aventuras e afastava o tédio do dia a dia. Gostava muito do
mesmo, mas jamais foi capaz de escolhê-lo. No fundo, sabia que este jamais lhe
poderia ser “presente”, apenas falta ou, no máximo, lembrança. Sua alma nostálgica gostava da
lembrança do impossível e do inalcançável.
Mas toda texto tem um ponto final. No contexto da
vida, tudo tem um fim. Depois de tantas vírgulas e reticências, chegou o ponto
final no relacionamento do garoto com seu brinquedo proibido. Um dia os dois se
separaram definitivamente. O brinquedo proibido para o garoto não era proibido
para outros que desejavam a presença e a
permanência dele em suas vidas. E, assim, ele foi escolhido para ser vivido no
dia a dia de um outro menino. O garoto
sentiu uma pontada de ciúmes e ficou a pensar como alguém poderia ver estabilidade
na representação simbólica da efemeridade e da peripécia que o seu brinquedo
proibido lhe proporcionava. .
Aquele garoto fez as suas escolhas. Dentre elas, viver
com seu brinquedo escolhido e abrir mão do outro proibido e tão desejado. Se ele aprendeu a usufruí-las plenamente, sem
ter que brincar escondido com outros brinquedos proibidos, isto eu não sei lhe
dizer. Só sei que não estragou o brinquedo da loja e posso até imaginar que
aquele brinquedo sentia saudades dele também, pois, na solidão de uma vida em
prateleira, o garoto também lhe trazia de presente aventuras e prazeres. Acho
que um por um bom tempo, um complementou o vazio existencial do outro.
Quanto ao brinquedo, apesar de ter passado muito tempo
desejando ser escolhido pelo garoto e se emperrando ou dando defeito toda vez
que um menino qualquer, mimado ou descuidado, tentava escolhê-lo, finalmente,
conseguiu desejar também um novo dono. Parece, inclusive, que aquele brinquedo participava ativamente na escolha de seu dono.
Talvez esta fosse a magia que tanto assustava o garoto; um brinquedo que sabia
escolher por quem seria escolhido. A maior felicidade do brinquedo foi quando se viu escolhido por um menino que
o desejava habitante de sua vida e, não simplesmente, da prateleira de seu
quarto servindo-se apenas de enfeite, ou da caixa de sucatas esquecida no porão
da casa.
E assim, diante de tantos desejos e escolhas, brinquedo
e garoto seguiram suas vidas separados, unidos apenas pela lembrança de um
passado que mesmo gostoso, tem como todo passado a sina de virar tempo daquilo
que não pode mais ser. E no presente de
cada um, novos prazeres surgiram tornando a vida sempre desejada.
No término de
uma história sempre começa outra. Fico a pensar em como ficou a vida deste brinquedo com seu novo dono e do garoto com seus
novos brinquedos. Acredito que no presente da vida deles, repousa um passado
que, se estimulado pela saudade, tem vontade de acordar.