quarta-feira, 9 de julho de 2014

O BRINQUEDO DESEJADO



O BRINQUEDO DESEJADO
UMA VERSÃO MODIFICADA DA HISTÓRIA “ LOJA DE BRINQUEDOS”
( CARDÁPIO DA ALMA)




Era uma vez um garoto cujo pai era dono de uma loja de brinquedos. O aniversário desta criança estava chegando e ela poderia escolher qualquer brinquedo que desejasse, dentre as dezenas de brinquedos disponíveis nas prateleiras da loja do pai. Dois brinquedos fascinaram aquela alma infantil, no entanto, o pai um pouco rígido, lhe dava o direito de escolher apenas um. Deveria garimpar seu desejo mais precioso. Não foi tão difícil fazer a escolha, pois dentre os dois, aquela criança sabia, no fundo de sua alma, o que realmente desejava. Sabia que desejava os dois, mas só um deles poderia ser a sua pedra preciosa passível de ser vivida e exibida no seu dia a dia.  Sabia também que o brinquedo escolhido era o que os pais mais gostavam de brincar; sendo assim, poderia gozar a comodidade de ter sempre a companhia dos mesmos para brincar junto.
No entanto, toda vez que aquela criança passava pelas prateleiras da loja do pai e via aquele outro brinquedo ora desejado, um enorme desejo de tocá-lo e saborear os prazeres que este poderia lhe proporcionar,  tomava conta de si. Como era um desejo proibido, a única maneira de vivenciá-lo era às escondidas e longe de todos os olhares. Assim, descobriu uma forma de brincar, de tocá-lo e gozá-lo sempre longe de todos. Às vezes, tinha medo de aparecer alguém que pudesse se interessar e comprar aquele brinquedo, separando-o definitivamente daquele seu prazer proibido.  Enquanto isto não acontecia, se limitava,  esporadicamente, quando lhe sobrava tempo, brincar às escondidas  com aquele brinquedo sempre ali disponível. Toda vez que brincava com o mesmo, lembrava-se dos conselhos e advertências do pai: “Não brinque com nenhum brinquedo que não seja seu, pois se estragá-lo terá que pagar um alto preço por isto”. Apesar de todas as advertências, não conseguia deixar de brincar com o proibido; parecia uma verdadeira tentação, um vício difícil de ser superado. Por outro lado, sentia-se mais seguro com o seu brinquedo escolhido, apesar de entediar-se, às vezes, com o mesmo. Se o estragasse,  achava, ilusoriamente,  que o preço não seria tão alto e que poderia conserta-lo de alguma forma sem maiores prejuízos.  Ter os dois era uma boa saída. Viver a concessão e a proibição, tudo na medida certa, era para ele uma dieta bem equilibrada de desejos antagônicos. Viver o permitido e o proibido. Poder o que não pode,  pode  parecer dialético, mas, mais do que dialético era prazer, pois  diante do tédio, tinha sempre em mãos a aventura do proibido. Viver assim era uma situação cômoda e, ao mesmo tempo, estimulante e gostosa.
O garoto sabia que seria castigado se alguém o pegasse com aquele brinquedo da loja. Embora não fosse seu, não tinha um dono ainda. Ao futuro pertencia a propriedade do mesmo.  Poderia até escolhê-lo no próximo natal ou aniversário, mas, lá no fundo,  não desejava tomar posse do mesmo; talvez um outro brinquedo diferente fosse sempre mais interessante de ser adquirido. Aquele brinquedo tinha algo mágico que o assustava. O bom mesmo era a falta dele; uma falta que rendia desejo; um desejo de ter o que não se pode ter. A ideia de possuí-lo, deixava-o inseguro. Possuindo-o, ele deixaria de ser falta e consequentemente deixaria de ser desejado. Assim, nunca teve coragem de pedir aquele brinquedo de presente. Ele tinha algo de proibido que fascinava muito mais do que as facilidades e a segurança do conquistado. Aquele brinquedo alimentava as suas aventuras e afastava o tédio do dia a dia. Gostava muito do mesmo, mas jamais foi capaz de escolhê-lo. No fundo, sabia que este jamais lhe poderia ser “presente”, apenas falta ou, no máximo,  lembrança. Sua alma nostálgica gostava da lembrança do impossível e do inalcançável.
Mas toda texto tem um ponto final. No contexto da vida, tudo tem um fim. Depois de tantas vírgulas e reticências, chegou o ponto final no relacionamento do garoto com seu brinquedo proibido. Um dia os dois se separaram definitivamente. O brinquedo proibido para o garoto não era proibido para outros que  desejavam a presença e a permanência dele em suas vidas. E, assim, ele foi escolhido para ser vivido no dia a dia de um outro menino.  O garoto sentiu uma pontada de ciúmes e ficou a pensar como alguém poderia ver estabilidade na representação simbólica da efemeridade e da peripécia que o seu  brinquedo  proibido  lhe proporcionava. .
Aquele garoto fez as suas escolhas. Dentre elas, viver com seu brinquedo escolhido e abrir mão do outro proibido e tão desejado.  Se ele aprendeu a usufruí-las plenamente, sem ter que brincar escondido com outros brinquedos proibidos, isto eu não sei lhe dizer. Só sei que não estragou o brinquedo da loja e posso até imaginar que aquele brinquedo sentia saudades dele também, pois, na solidão de uma vida em prateleira, o garoto também lhe trazia de presente aventuras e prazeres. Acho que um por um bom tempo, um complementou o vazio existencial do outro.
Quanto ao brinquedo, apesar de ter passado muito tempo desejando ser escolhido pelo garoto e se emperrando ou dando defeito toda vez que um menino qualquer, mimado ou descuidado, tentava escolhê-lo, finalmente, conseguiu desejar também um novo dono. Parece, inclusive, que aquele brinquedo  participava ativamente na escolha de seu dono. Talvez esta fosse a magia que tanto assustava o garoto; um brinquedo que sabia escolher por quem seria escolhido. A maior felicidade do  brinquedo  foi quando se viu escolhido por um menino que o desejava habitante de sua vida e, não simplesmente, da prateleira de seu quarto servindo-se apenas de enfeite, ou da caixa de sucatas esquecida no porão da casa.
E assim, diante de tantos desejos e escolhas, brinquedo e garoto seguiram suas vidas separados, unidos apenas pela lembrança de um passado que mesmo gostoso, tem como todo passado a sina de virar tempo daquilo que não pode mais ser.  E no presente de cada um, novos prazeres surgiram tornando a vida sempre desejada.

 No término de uma história sempre começa outra. Fico a pensar em como ficou a vida deste brinquedo com seu novo dono e do garoto com seus novos brinquedos. Acredito que no presente da vida deles, repousa um passado que, se estimulado pela saudade, tem vontade de acordar.