quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

GATO GRATO

Dedico esta história à toda riqueza que nos cerca, mas que nem sempre nos damos conta dela

            Era uma vez uma família de gatos brancos  como neve, pêlo fofo como algodão e olhos azuis como o céu em dia ensolarado.  Mamãe e papai gato davam muito amor e carinho aos  seus dois filhotes  Jujuba e Solé  e,  por sua vez, recebiam também muito amor deles. Uma das coisas que esta família mais gostava de fazer era passear na casa da vovó Mundica e do vovô Tomé. Todos os dias, no final da tarde, davam um jeitinho de dar uma passada por lá, nem que fosse só para fazer um lanchinho bem gostoso. Vovó Mundica fazia guloseimas maravilhosas para seus netinhos, mas o que eles gostavam mais de fazer era brincar com seu primo Zeca que morava na casa da vovó e do vovô.  Para Solé e Jujuba, a casa da mamãe e do papai era um lugar gostoso mas cheio de regras. Mamãe e papai eram carinhosos, mas muitas vezes bravos e exigentes com os deveres que eles deveriam cumprir. Na casa da vovó, por outro lado, muitas regras podiam ser burladas e por conta disto, eles se divertiam ainda mais fazendo sempre muitas artes que em casa nem sempre seriam permitidas. Não é que fossem também permitidas na casa da vovó, mas o fato é que ela tinha um coração mole e acabava não sendo tão firme como a mamãe e o papai. A casa da vovó parecia um paraíso, assim,   Jujuba e Solé começaram a pensar que deveria ser muito bom morar lá. Gostariam muito de ter o que Zeca tinha e eles não: a presença da vovó  Mundica a maior parte do tempo com eles -  Por que o primo Zeca podia ter o privilégio de morar com a vovó e o vovô e eles não? Isto não era justo na cabecinha deles. Só que tem um detalhe nesta história que eu ainda não contei...
            Zeca era um gato também bem parecido com todos eles. Era branquinho, tinha o pêlo fofo como algodão e os olhos azuis como o céu. Só não tinha uma coisa que Jujuba e Solé tinham com fartura todos os dias: a presença da mamãe e do papai gato. A mamãe de Zeca foi chamada para uma missão muito importante e não pôde mais viver com seu filhote. O Deus dos gatos pediu que ela fosse morar lá no céu com ele para ajudá-lo numa missão misteriosa que ninguém consegue desvendar até que seja chamado também para ajudar. Como só ela foi chamada  naquele momento para ajudá-lo, Zeca teve que ficar  morando com os avós , pois o papai dele precisava trabalhar numa outra cidade muito distante e não podia cuidar do filho com tanta disponibilidade como a vovó Mundica e o vovô Tomé que já estavam aposentados e não precisavam trabalhar tanto. Vovó e vovô davam para Zeca muito carinho e não deixava faltar nada para o neto. De vez em quando, Zeca ia passear na casa do papai ou o papai ia vê-lo na casa da vovó. Zeca ficava com saudade da mamãe que não podia ver mais e até mesmo do papai que só podia ver de vez em quando, mas acabou se acostumando com esta vida, pois a vovó procurava suprir a falta que Zeca sentia dando muita atenção, amor e carinho para ele. Zeca se sentia diferente dos outros gatos que tinham uma casa com uma mãe e um pai. Isto o deixava triste, mas a tristeza logo passava quando o vovô Tomé com sua sabedoria explicava para o neto:
- Somos todos diferentes. Seja mais cedo ou mais tarde, ninguém vai ter a mesma vida. Haverá sempre um desafio diferente para cada gato enfrentar.  Cada um terá uma vida especial com coisas boas e ruins.   Não podemos ter tudo nesta vida. Precisamos aprender a não sofrer por aquilo que nos falta, mas agradecer e se contentar com tudo aquilo de bom que temos.
            Zeca entendia as explicações do vovô, mas de vez em quando se distraía e parecia se esquecer de tudo. Quando isto acontecia, começava a se comparar com os outros gatinhos, principalmente com seus primos Jujuba e Solé.  A comparação é uma coisa muito perigosa; ela desperta dois sentimentos muito ruins: o ciúme e a inveja. Eles trazem um sofrimento muito grande para quem se deixa ser dominado por eles; ora a pessoa fica muito triste, ora fica com muita raiva. Foi assim que o ciúme e a inveja entraram nesta história.  Zeca foi dominado por estes sentimentos ruins e passou a ter muita raiva dos primos que ele gostava tanto. Nem queria mais brincar com eles. Ele não achava justo eles terem o papai e a mamãe sempre ali disponível e ele não. No entanto,  vocês não sabem o pior desta história... Vocês podem achar que somente Zeca foi dominado pelo ciúme e pela inveja, mas não foi só isto que aconteceu.  Jujuba e Solé passaram também a brigar com Zeca. Eles não achavam justo Zeca poder morar no paraíso da casa da vovó e eles não. O ciúme e a inveja deixa avarento todo gatinho que eles dominam. A avareza é também um outro sentimento ruim que faz a gente não se contentar com nada, nem mesmo com as melhores coisas que a gente tem na vida. Passamos a querer tudo  e não damos conta de dividir nada com ninguém, ou a viver sem as coisas que o outro tem e a gente não. Dominado pela avareza,  passamos a querer coisas que  podemos muito bem viver sem elas. E, foi justamente isto que acabou acontecendo com os 3 gatinhos fofos desta história. Zeca, Jujuba e Solé caíram na armadilha do ciúme e da inveja e se tornaram gatos  avarentos. Estes sentimentos são tão ruins que acabam transformando quem por eles é dominado numa coisa muito feia. O pêlo antes macio dos três gatinhos passou a ficar áspero como uma esponja de aço. Antes eles acariciavam com a sua fofura; agora parecia que queriam ferir e machucar com a sua aspereza. Seus olhinhos azuis, antes parecido com a cor do céu ensolarado, se transformou num cinza triste. Seus olhares anunciavam sempre uma tempestade de sentimentos ruins.
            A mamãe e o papai de Jujuba e Solé ficaram  muito preocupados com os filhos e com o sobrinho que também amavam tanto. Não sabiam como libertá-los do ciúme e da inveja. Aqueles gatinhos felizes já não se sentiam felizes como antes;  se tornaram escravos de sentimentos muito ruins. A gente se torna escravo quando passa a ter um dono e deixa de ser dono da gente mesmo. E agora? O que fazer com 3 gatinhos tão lindos, mas com sentimentos tão feios dentro deles? O que fazer com 3 gatinhos que tinham tudo para serem felizes, mas só conseguiam sentir a tristeza e a raiva? Você tem alguma idéia para salvar Jujuba, Solé e Zeca?
            Se você não tiver nenhuma idéia, saiba que a vovó Mundica teve uma idéia muito boa para resolver este problema. Resolveu fazer uma armadilha que espantaria o ciúme e a inveja para sempre da vida de seus queridos netinhos. Ela sabia que estes sentimentos ruins detestam o perfume da gratidão. A vovó tinha um jardim onde ela tinham plantado uma variedade imensa de bons sentimentos, um deles a gratidão. Este jardim ficava no coração da vovó Mundica. Vovó abriu seu coração e de lá saiu o perfume da gratidão. Eta perfume poderoso! À medida que este delicioso aroma foi impregnando tudo ao redor, o ciúme, a inveja, a avareza, a raiva e a tristeza deram um jeito de sair correndo  para bem longe. Foi assim que vovó Mundica conseguiu  libertar seus netinhos.
            Você deve estar se perguntando como a vovó espalhou o perfume da gratidão. Ela fez isto ensinando seus netinhos a agradecer ao invés de reclamar. Todas as vezes que eles reclamavam,  ela fazia com que eles percebessem se ficavam tristes ou alegres. Eles foram percebendo que ficavam sempre tristes e com muita raiva. Todas as vezes que eles agradeciam, ela fazia o mesmo; e eles perceberam que  ficavam sempre alegres vibrando no sentimento de gratidão.  Além de ensinar a eles perceberem a presença dos sentimentos bons e ruins dentro deles, ela também contava histórias e cantava músicas que faziam Zeca, Solé e Jujuba espantar qualquer sentimento ruim. Uma das canções era mais ou menos assim:

Gato, gato, gato
Eu sou mais que gato
Eu sou grato
Grato, grato, grato
Eu sou mais que grato
Eu sou um gato grato
Eu sou grato pelo que tenho
E pelo que não tenho também
Eu sei que não posso ter tudo
Mas posso ser tudo de bom

domingo, 13 de setembro de 2015

SOLÉ - O SÁBIO RATINHO



Dedico esta história a todos aqueles que temem o inevitável.


No sótão de uma casa muito antiga vivia uma amável família de ratos. Desde cedo, a mamãe e o papai rato ensinavam seus filhos a se protegerem dos perigos do mundo; e um deles eram os gatos que também ali moravam. O ideal seria morar num local onde não existissem perigos, pensavam os ratinhos mais novos assim que tomavam consciência dos riscos que a vida lhes impunha. Mas, a vida nem sempre pensa assim e nos coloca diante de situações onde a gente tem que aprender  a ser muito sábio e corajoso.
Certo dia, mamãe rata se deparou com Solé, o ratinho caçula da casa,  chorando escondido para que ninguém pudesse ver.  Preocupada com seu filhote, aninhou-o sobre seu colo e perguntou afetuosamente:
- Filhinho, porque você está chorando?
- Eu não estou chorando não, mamãe. Caiu um cisco no meu olho e está ardendo muito. Despistou Solé,  envergonhado,  secando as lágrimas de seus olhinhos para  enganar a mamãe.
- A mim você não engana. Não devemos ter vergonha de chorar. Todas as vezes que choramos a nossa alma está tentando lavar uma energia ruim que precisa ser removida dentro da gente.
- Energia ruim! O que é isto mamãe? Só o nome ruim já assustou Solé fazendo com que arregalasse seus olhinhos vermelhos de tanto chorar.
-Isso mesmo! Energia ruim - repetiu a mamãe pausadamente – Você acha que as coisas ruins só existem fora da gente? Os nossos piores inimigos estão dentro da gente mesmo.
Solé deu um salto colocando as patinhas no centro do peito.  
- Como assim, mamãe! Quer dizer que os gatos desta casa não são os nossos piores inimigos? Eu estava aqui chorando com medo do perigo que existe lá fora e você vem me dizer que existe um perigo ainda maior dentro de mim? Agora é que eu vou ficar com medo mesmo. Tô vendo que não tenho para onde fugir.
-Você não tem que fugir para lugar nenhum. Você só precisa saber enfrentar os perigos de dentro e fora de você. Respondeu a mamãe enfaticamente.
- Não estou entendendo mais nada... Não é o papai que vive nos dizendo para fugir dos gatos da casa. Papai me disse que eles são mais fortes e não temos como medir força com eles... Retrucou Solé.
- Papai está certíssimo! Confirmou a mãe.
- Você está ficando maluca, mamãe... Como é que você diz que o papai está certo ao nos aconselhar fugir e ao mesmo tempo você nos diz para não fugir? Quem está certo? Qual o conselho deverá ser seguido; o seu ou o dele? Perguntou Solé muito confuso.
- O dois. Respondeu mamãe rata dando uma gostosa gargalhada e dando uma beijoca bem gostosa no rostinho do filho.
- Tô vendo que este mundo é muito complicado mesmo... Assim, fica difícil entender o jeito certo de viver. Me dá mais medo ainda! Desabafou Solé aninhando-se ainda mais no colo da mamãe rata.
Mamãe rata colocou Solé diante de si e olhou com firmeza nos olhinhos do filho dizendo:
- Solé, preste muita atenção no que eu vou lhe dizer. Viver não é tão complicado assim como você está pensando. O que falta é sabedoria para resolvermos os nossos problemas e  vivermos a vida com mais leveza e tranquilidade. Este medo ruim que está dentro de você é uma das energias ruins que precisa ser lavada. É por conta deste medo ruim que você estava chorando, não é mesmo?
- É, mamãe. Eu tenho tanto medo feio... Tenho muito medo de você, do papai, dos meus irmãozinhos e até mesmo de eu morrer. Fico imaginado coisas horríveis!  Se um gato daqueles nos pega... Não quero nem pensar! Na verdade, não quero pensar, mas ao mesmo tempo não consigo parar de pensar nestas coisas ruins. Desabafou Solé,  enchendo seus olhinhos de lágrima novamente.
- Tá vendo... Sua alma mandou mais água para limpar esta energia ruim dentro de você. Chorar é bom que limpa, mas é melhor a gente aprender a não sujar ao invés de ter que ficar limpando toda hora. Concorda? Ponderou a mamãe rata.
- Você tem razão, mamãe. Mas, como é que a gente faz para o medo não sujar a gente? Eu teria que ser muito corajoso e não ter medo de nada né? Perguntou Solé, soluçando e ao mesmo tempo passando suas patinhas sobre os olhos com o intuito de  secar as lágrimas que escorriam copiosamente dos mesmos.
- Precisamos ter apenas o medo bom e eliminar o medo ruim. Explicou a mãe.
- Então, você está dizendo que existe dois tipos de medo? Perguntou Solé cheio de curiosidade.
- Isso mesmo, filhinho. O medo bom se torna prudência e o medo ruim se torna neurose. E, é preciso tomar muito cuidado com esta última. A neurose é uma doença. Advertiu a mãe.
- Agora que ficou complicado mesmo. Prudência... Neurose... Nunca ouvi falar disto.
- Nunca é tarde para aprendermos coisas novas. Deixa que mamãe vai lhe explicar tudo direitinho. Prudência é um jeito cuidadoso de agir para a gente não cair em  enrascadas. Se a gente não tem medo nenhum, a gente fica inconsequente.
Solé fez uma cara esquisita, como se não estivesse entendendo alguma coisa.
- Epa! Que cara é esta? Pela sua cara,  já  sei que vai me perguntar o que é ser inconsequente.
Solé deu uma risadinha balançando a cabecinha afirmativamente. A mamãe continuou explanando:
- Se você não tiver medo do gato, vai sair da nossa toca sem os cuidados necessários para se proteger e acabaria sendo engolido por eles. Isso seria ser inconsequente. Ser consequente é saber que o perigo existe. O ideal é ser consequente e sábio ao mesmo tempo. Saber que o perigo existe e que a gente não precisa se tornar vítima dele. Se formos só consequentes e não tivermos a sabedoria para lidar com o medo,  evitaremos os gatos, mas nos tornaremos vítimas da tal neurose que acabei de lhe apresentar. Alertou a mãe.
- Quer dizer que a neurose é tão perigosa quanto os gatos que estão lá fora? Perguntou Solé surpreso.
- Isso mesmo! A neurose é  consequência da sujeira que o  medo ruim provoca dentro da gente. Quando a neurose pega a gente, ela só faz a gente pensar coisa ruim. Ela só mostra o perigo, jamais a forma de nos proteger e enfrenta-lo. É por isso que a mamãe falou que o perigo maior pode estar dentro da gente. Se a nossa cabeça não sabe pensar coisa boa, o mundo vai se tornar um inferno, um lugar muito ruim para se viver. Mas, se essa cabecinha aprender a pensar a coisa certa, ou seja, se você conseguir ter pensamentos positivos, o mundo vai se tornar um lugar muito bom de se viver, um verdadeiro paraíso.
Paraíso, mamãe. Mesmo com os gatos lá fora nos esperando para nos atacar? Perguntou Solé denotando receio e uma certa restrição frente ao que a mamãe acabara de dizer.
Mamãe rata compreendendo a insegurança do filho continuou explicando para o mesmo estes ensinamentos da vida que parecem a primeira vista tão complexos.   
- Gatos vão sempre existir. Não é acabando com eles que conseguiremos construir o nosso paraíso. O melhor a fazer é aprender a lidar com o perigo. Na tentativa de acabar com ele, muitas vezes a gente acaba se tornando um ser perigoso também.  A única coisa que a gente nunca deve fazer é nos tornar uma fonte de perigo seja para o outro ou para nós mesmos. Os gatos tem o mesmo direito que nos temos  de existir, assim como cada ser neste mundo. Mesmo que a gente não queira, todo ser, inclusive nós,  representa,  de certa forma,  uma fonte de perigo para outro.
- Como assim? Não entendi. Eu nunca desejei fazer mal a ninguém. Retrucou Solé.
- Eu também, filhinho. Mas, mesmo sem desejar, acabamos fazendo o mal sem a intenção de sermos maus. Assim como todos os seres vivos , precisamos nos alimentar para viver. Para alimentarmos precisamos comer outros seres que devem nos perceber da mesma forma que percebemos os gatos. Mesmo sem desejar, transmitimos doenças a outros seres que podem morrer por conta disto, assim como outros seres nos transmitem doenças também.
Ixe! Então, eu não vou comer mais nada.
- Se você não comer mais nada, vai fazer muito mal para si mesmo. Você vai se matar devagarinho e vai também causar uma grande tristeza para a sua família e para todas as pessoas que te amam. Você acha isto justo?
- Não seria justo comigo e nem com vocês. Então, estou num beco sem saída... Refletiu Solé.
-Não, meu filho! A vida não é um beco sem saída. A vida é assim e pronto. Há sempre uma hora para tudo; para nascer, crescer e morrer. É tudo muito simples, mas a gente tenta complicar. Precisamos não só compreender, como também aceitar tudo isto. Todo mundo quer nascer e crescer, mas não quer morrer...
- Eu não quero morrer, mamãe!  E,  nem quero que você e ninguém morra também. Afirmou Solé cheio de ansiedade.
- Ninguém quer isto, mas morrer não depende da gente. Por isso, não adianta nada ficar pensando nisto. Precisamos pensar apenas em como viver bem. Quando chegar o momento de nossa morte e da morte do outro, a única coisa que nos resta é aceitar isto, mesmo que a gente fique muito triste. Por isso, eu falei da importância de viver com sabedoria; deixar para ficar triste só no dia que a gente tiver que lidar com a tristeza e jamais antes disto.
-Acho que  eu não estou sabendo viver com sabedoria,  porque eu fico pensando na morte e ela nem veio ainda me visitar. Fico com medo do gato nos devorar, mas agora estou começando a entender que este meu medo ruim está devorando a minha alegria. Tenho tudo para ficar alegre e acabo ficando triste quando penso nestas coisas. Conjecturou Solé.
-Acho que você está começando  a entender... Isso mesmo! Você tem sua família com saúde e feliz aqui juntinho de você, mas os seus pensamentos negativos fazem você criar uma vida ruim para todos nós; uma vida feia que só existe ai na sua cabeça. Aprenda a controlar este pensamento para você finalmente conquistar seu paraíso. No seu paraíso você só vai ter o bom medo dos gatos e de qualquer outro perigo e vai viver a alegria de ter a sua família e tudo que lhe faz bem junto de você. Pensando nas coisas boas que você tem, você vai ficar agradecido. A gratidão afasta o medo de tudo que possa lhe faltar, pois você estará focado na abundância de coisas boas ao seu redor. E, você só tem motivos para agradecer. Sua vida é muito boa. Concorda, filhinho? Perguntou a mãe rata depois de explicar tanta coisa importante para Solé.
-Concordo, mamãe!  Mas, o  que eu tenho que fazer para não morrer? Perguntou Solé, desejando uma receita para uma vida eterna.
-Viva! Viva mais e pense menos. Pense apenas nas coisas que você precisa fazer para viver bem e feliz. Aconselhou mamãe rata com sabedoria.
- E se a morte vier me visitar? O que eu posso fazer? Perguntou Solé.
-Quando isto acontecer, a morte vai trazer uma vida nova para você e a única coisa que você terá que fazer é aceitar esta vida nova, mesmo que a princípio você não goste muito dela. Mas, agora é momento de viver a vida que você tem e não a vida não lhe pertence ainda.  Cuidado com aquilo que seu pensamento negativo teme perder.  Lembre-se de que o único controle que você pode ter é de seus pensamentos; controle da vida ou da morte, jamais. Esta vida que você tem pode ser vivida intensamente.  A morte, só quando chegar e pode ser que ela demore muito ainda para nos visitar. A gente pede para nossos anjinhos nos proteger e vai vivendo com a segurança que eles também nos proporcionam. Assim, você tem a segurança que a sua prudência, sabedoria e sagacidade lhe oferece. Tem a segurança que a mamãe e o pai lhe proporciona. E tem ainda a segurança que seus anjinhos lhe ofertam todos os dias. É muita segurança, concorda? Assim, fica muito difícil alguma coisa ruim acontecer. Se aprender a pensar coisas boas, viver a vida que tem e confiar nesta segurança toda, você não vai temer nenhum gato mais. Não vai nem mesmo precisar passar a vida fugindo deles. Explicou a mãe com muita paciência e carinho.
-Mas, se eu não fugir deles, eles poderão me devorar. Contestou, Solé.
- Não, necessariamente. Você pode aprender a controla-los. Mesmo que eles sejam fisicamente mais fortes, você pode ser mais forte aqui oh! Demonstrou a mãe, batendo seus dedinhos compridos na cabeça.
- Na mente? Perguntou Sole checando seu entendimento.
- Isso mesmo! Com a mente saudável, você saberá sempre o momento certo de fugir, de enfrentar e de transformar o perigo. Mais do que isto, com uma mente saudável, sem o lixo de pensamentos ruins, confiando em toda segurança que acabei de lhe apresentar, você vai saber o que pensar e fazer para construir uma vida muito feliz e saudável. Afirmou mamãe rata cheia de confiança.
- Acho que aprendi a fugir, mas não sei ainda como enfrentar e transformar cada gato horrível que vejo lá fora. Refletiu Solé com desejo de arranjar uma solução para esta sua dificuldade.
- Fuja quando você não tiver recurso para enfrentar. Enfrente quando você não tiver recurso para transformar. E transforme quando você se descobrir um ser muito forte e repleto de recursos.  Aconselhou a mãe com sabedoria.
-E, o que eu faço para ser forte e cheio de recursos, mamãe.
- Só vivendo e pensando coisas boas, filhinho. Respondeu a rata mãe.
Solé compreendeu que tinha muito que viver. Daquele dia em diante ele passou a ficar mais vigilante. Todas as vezes que percebia um pensamento ruim querendo controlar a sua mente, dava um jeito de expulsa-lo. Ele desenvolveu uma técnica que funcionava sempre. Ele determinava:
- Chispa daqui pensamento indesejado,  porque eu sou muito feliz e não há espaço para você no meu paraíso.

Depois que determinava isto, dava um jeito de ocupar sua mente com coisas boas, fazendo simplesmente algo que lhe desse muito prazer em fazer. E assim, foi se tornando, ao longo dos anos,  um ratinho poderoso, cheio de recursos. Passou a ter tantos recursos que conseguiu algo que a maioria dos ratos jamais conseguem: conseguiu transformar os gatos daquela casa em grandes amigos. Você pode até não acreditar, mas no dia que você conseguir obter os mesmos recursos que Solé,  não vai ter dúvidas de que isto é realmente possível. 

sábado, 1 de agosto de 2015

ESFREGUINHA



Dedico esta história a toda criança ativa que descobrindo o que muitos  adultos tentam negar e encobrir, acabam sendo reprimidas e  mal compreendidas  frente a ignorância daqueles que se julgam maduros, mas que possuem, na verdade, uma criança também reprimida e mal resolvida dentro deles. 


Num  gigantesco lago de águas cristalinas, rodeado por uma floresta  de árvores gigantescas de infinita beleza, vivia uma comunidade de patos selvagens. Ali, eles nasciam, cresciam e aprendiam as lições básicas para sobrevivência e para as inúmeras viagens que deveriam fazer ao longo da vida. Todos os anos, durante o inverno,  a temperatura ficava tão baixa que as águas do grande lago congelavam . As águas cristalinas por onde os patos selvagens nadavam e se compraziam durante a primavera e verão eram substituídas por uma imensa pedra de gelo.  Nadar; nem pensar! Só esquiando mesmo... Mas, pato não foi feito para esquiar.  O jeito era aproveitar a estação gelada para fazer maravilhosas viagens para outras regiões mais quentes. Retornavam quando a primavera chegava trazendo de volta o calor e a alimentação que já começava a ficar escassa no outono. No outono, embora as águas não congelassem, iam gradativamente ficando bem geladinha. As folhas das frondosas árvores se desprendiam dos galhos e uma paisagem desagasalhada começava a tomar conta de todo o lugar. O friozinho começava a chegar. E, foi  no meio deste friozinho que uma patinha chamada Vitória Régia,  muito simpática e feliz descobriu uma forma gostosa de se esquentar. Esfregando suas asinhas no seu corpinho, conseguia  se aquecer e fugir daquele frio que a deixava muito tensa. Se esfregando, esfregando, esfregando, seu corpinho além de aquecer, lhe proporcionava uma outra sensação muito gostosa. Vitória Régia descobriu que além de esquentar,  um prazer enorme brotava no meio daquele calor. Em  meio aquele frio todo, a patinha  suava de tanto se esfregar, percebendo que,  mesmo ofegante,  era muito gostoso fazer aquele movimento todo.
Inicialmente, se esfregar era uma boa solução para o problema do frio, mas este esfrega todo passou a se tornar também um problema, pois a patinha começou a ter tanta vontade de se esfregar para obter aquele prazer gostoso que passou a fazer isto muitas vezes ao dia e em lugares onde aquele esfrega todo não era bem-vindo. Quando ia para as aulas de natação e de voo, a patinha ao invés de prestar atenção nos ensinamentos do professor, preferia se esfregar, esfregar, esfregar... De tanto se esfregar, começou a chamar a atenção dos coleguinhas que achavam estranho aquela movimentação toda da patinha. Foi ai que seus coleguinhas começaram a chama-la de Esfreguinha. Vitória Régia não gostou nada daquele apelido, pois gostava muito de seu nome. Começou a ficar envergonhada todas as vezes que se esfregava e a achar que estava fazendo alguma coisa errada, pois todo mundo olhava aqueles seus gestos de uma forma muito esquisita. O olhar dos outros patos pareciam dizer:  Você está fazendo uma coisa errada! Vitória Régia começou a se sentir culpada. A culpa gera um incômodo que deixa a gente muito triste. Assim, o esfrega,  esfrega além de prazer deixava a patinha triste também.
Na verdade, não havia nada de errado no esfrega, esfrega de Vitória Régia, só estava errado o momento que ela escolhia para fazer aquilo. Ela precisava descobrir uma forma de resolver este conflito.  Onde poderia encontrar uma solução para este prazer que passou a se tornar um problema? Foi aí que Vitória Régia procurou a mamãe pata para compartilhar seu conflito. Contou para mamãe tudo que estava acontecendo e a mamãe com toda sua sabedoria orientou amavelmente a sua filhinha:
- Querida, você não precisa se preocupar. Eu tenho uma ótima saída para o seu conflito. Eu já passei por isto também e consegui resolver esta situação de uma forma muito simples. Não vamos deixar que este prazer se torne um problema na sua vida. Concorda?
- É isto mesmo que eu quero,  mamãe . Mas, não sei o que fazer... Eu queria parar de me esfregar, porém acho gostoso fazer isto. Eu me sinto tão relaxada despois que me esfrego...
- Realmente, esfregar desta forma relaxa bastante. No entanto, você precisa apenas saber o momento certo para relaxar. Tem hora para tudo. Se a mamãe ficasse só relaxando, não iria trabalhar e nem trazer comida para casa. Você só precisa aprender a controlar seu desejo. Nosso desejo não tem que ser atendido prontamente. Precisamos aprender a hora certa de satisfaze-lo. Nem toda hora é hora de dormir, embora dormir seja muito gostoso.
- E nem toda hora é hora de comer, embora comer seja muito gostoso também. Completou Vitória Régia.
- Isto mesmo. Vejo que compreendeu bem o que quero lhe ensinar. Não dá para realizar todos os desejos ou satisfaze-los na hora que eles aparecem. Precisamos saber a hora certa para cada coisa. Você não pode deixar que o desejo de se esfregar atrapalhe outras coisas que também são importantes  na sua vida, como estudar, brincar, comer, dormir e um monte de outras coisas que você precisa fazer na vida. Explicou com ternura a mamãe.
- Mamãe, eu não sei ainda qual a hora certa de me esfregar. Tem hora certa para isto? Perguntou Vitória Régia um pouco confusa.
- Não tem uma hora específica ou um dia da semana apropriado para isto. Você só não pode se esfregar em horas destinadas a outras atividades, como, por exemplo,  estudar. E, deve também saber que você deve se esfregar apenas na sua  intimidade para não  causar constrangimento para as outras pessoas. Ponderou a mamãe pata.
- O que é intimidade e o que é constrangimento? Perguntou Vitória Régia.
- Intimidade é um lugar e uma hora que pertence só a nós mesmos, ou seja, tem um momento do dia que você está apenas com você mesma e mais ninguém. Nesse momento, se o desejo de se esfregar aparecer, você pode se esfregar à vontade. Estando apenas com você, não irá incomodar ninguém. Tem momentos que são só nossos e de mais ninguém.  E constrangimento é um sentimento de estranheza que a gente causa no outro quando a gente tem um comportamento que não é adequado para o momento. Mesmo que a coisa seja certa, no momento errado, fica esquisito. Imagina se eu resolver começar a cantar de madrugada quando todo mundo estiver dormindo. Todo mundo vai achar esquisito, não é mesmo?
- Entendi, mamãe. Cantar não é errado, mas de madrugada quando o silêncio é necessário para todo mundo descansar ficaria realmente muito esquisito!
- É esta esquisitice que causaríamos no outro, que a gente chama de constrangimento. Completou a mamãe pata.
-Entendi perfeitamente, mamãe. Só que tem ainda um problema...
-Que problema filhinha? Perguntou a mamãe dando uma gostosa risadinha.
-E se eu tiver muita vontade, muita vontade mesmo e não conseguir esperar a hora da intimidade para me esfregar? O que eu devo fazer?
-Se estiver na frente de outras pessoas, procure um lugar onde não tenha ninguém. Crie um lugar de intimidade para fazer isto sem causar o tal constrangimento nas pessoas ao seu redor. Mas, o ideal é você aprender a dominar o seu desejo e a melhor maneira de fazer isto é parar de prestar atenção no seu desejo e focar a sua atenção naquilo que está acontecendo no momento. Você pode também,  procurar uma outra atividade que distraia a sua atenção. É melhor que aja assim, pois não ter controle sobre o seu desejo pode ser muito perigoso. Alertou a mamãe arregalando seus olhinhos e olhando profundamente nos olhos da filha.
-Perigoso! Como assim, mamãe. Perguntou Vitória Régia exalando preocupação.
-Quando o nosso desejo começa a mandar na gente e perdemos o controle sobre ele, uma doença muito séria chamada obsessão passa a nascer dentro da gente.
- Obsessão! Que doença é esta, mamãe? Perguntou a patinha mais assustada ainda.
- A pessoa obsessiva só consegue pensar naquilo que o desejo manda e passa a se tornar escrava dele. Por isso, a gente tem que dominar o nosso desejo e não o contrário. Você quer se tornar escrava de seu desejo? Indagou a mãe pata.
-De jeito nenhum, mamãe! Eu quero ser livre. Não vou deixar que meu prazer se me esfregar se torne uma doença. Eu sou dona de meu desejo e não o contrário. Pode deixar que eu vou saber muito bem determinar os meus momentos de intimidade. Respondeu Vitória Régia com muita determinação.
Daquele dia em diante, Vitória Régia conseguiu dominar não só o seu desejo de se esfregar, mas todos os seus desejos. Aprendeu a  vive-los na hora certa e com muito prazer. Seu esfrega,  esfrega deixou de ser um problema para ser uma solução para relaxar em  seus momentos de intimidade. Seus colegas nunca mais a chamaram de Esfreguinha, pois Vitória Régia aprendeu a fazer a coisa certa na hora certa.


domingo, 15 de fevereiro de 2015

HISTÓRIA DA SEMANA

O CAMINHO

Dizem que Deus traça um caminho para cada criatura viva neste universo.  Sabe-se lá porque ele faz isto; talvez seja uma das suas brincadeiras favoritas. Faz parte do jogo divino torcer para que cada criatura siga o caminho designado para a sua alma.  Dizem que no final do jogo há sempre uma boa recompensa para quem consegue  percorrer o caminho seguindo corretamente o traçado divino.  Tem uma história que ilustra bem tudo isto. Pois bem, vou conta-la para vocês.
            Dizem que Deus fez as tartarugas bem lentas para que elas pudessem apreciar bem cada centímetro do caminho que ele designou para elas. Ao criar as tartarugas, Deus gostou tanto delas, que resolveu além da lentidão dar muitos anos de vida a elas também. Andando devagar e por muitos anos, elas teriam, sem dúvida, muita coisa boa para ver, apreciar e sentir.
Leca e Zuca eram duas tartaruguinhas criadas por Deus  à sua  imagem e semelhança. Epa! Deve ter um equívoco aí, pois não foi o homem a criatura criada à imagem e semelhança do mesmo? Também. Para entender, basta tomar consciência de que ninguém cria nada que não seja uma expressão de si mesmo.  Assim, cada criatura neste universo infinito é uma expressão de Deus; a sua constante onipresença  registrando uma imagem que apesar de una se multiplica. É mais ao menos parecido com a visão que tenho de mim. Quando me olho no espelho, não vejo uma cara só. Quantas vezes fico surpresa com as caras que vejo; todas elas tão diferentes e minhas. Muitas caras e ao mesmo tempo uma só.  Com Deus também não é diferente. Ele registra suas caras em tudo que cria; por isso, tudo é  imagem e semelhança dele, inclusive as tartaruguinhas desta história.
Deus é tempo, é espaço, enfim, Deus é tudo. Ele experimenta a vida através dos seres que cria e cada ser experimenta a vida através dele.  E nesta troca recíproca, a vida se expressa.  Foi assim que a vida de Leca e Zuca se expressou. O jogo divino deu às duas um trajeto muito importante a percorrer ao longo da vida. Teriam que chegar ao cume da montanha mais alta dos arredores de sua terra natal.  Ao chegar ao cume da montanha, receberiam a sua recompensa.
Dada a partida, cada uma iniciou seu trajeto com seu estilo próprio.  Todas as duas com o mesmo projeto de vida traçado por Deus, mas com perfis muito diferentes. Dizem que um mesmo caminho pode se tornar muito diferente frente à percepção de seres com visões díspares .
Zuca era uma tartaruga ansiosa e ambiciosa; queria chegar rápido ao seu destino final. Não suportava a sua natureza lenta e tratava de criar estratégias para acelerar seus passos.  Chegando primeiro ao cume da montanha, seria a primeira a receber a recompensa tão desejada. Para ela, os primeiros são sempre os vencedores no jogo da vida criado pela sua mente ansiosa. Leca, por outro lado, adorava ser uma tartaruga; apreciava bem a sua natureza e se respeitava muito principalmente por ser dotada de grande amor por si mesma. Dizem que quando a gente se ama de verdade, a gente se respeita muito também;  não fazemos nada que prejudique o nosso corpo e a nossa alma.  Pois bem; as duas partiram, cada qual a seu jeito, com as habilidades e recursos próprios. Com a inteligência artesã que tinha, Zuca preparou quatro rodinhas com algumas pedras roladas que garimpou ao longo caminho. Pegou uma tala de madeira e fixou as rodinhas sobre as mesmas formando  um belo skate que lhe daria mais velocidade para  correr pelos caminhos da vida e chegar mais rápido  ao seu trajeto final.  Leca, ao contrário de Zuca, andava com seus próprios pés e passos de tartaruga. Sem pressa alguma, apreciava cada paisagem que se descortinava a  ao longo de seu percurso. Parecia não estar nem um pouco preocupada em chegar à frente de ninguém. Para Leca, chegar à reta final não era o mais importante, pois se sentia chegando a todo momento a algum lugar. Assim, cada lugar novo era uma chegada carregada de novidades a serem vividas e saboreadas.  Além de apreciar, experimenta cada contexto, cada paisagem. Dizem que todo contexto tem um sabor diferente. Deus fez tudo com um sabor inédito.  Dizem que a culinária divina é isto; os sabores que Deus coloca em cada experiência de vida. Leca adorava cada sabor e alguns eram tão agradáveis que ela relutava seguir; ficava mais tempo ali, se empanturrando daquela experiência. Sabia, entretanto, que não dá para parar por definitivo em  lugar algum, por mais agradável que seja a experiência vivenciada ali. As paradas são necessárias, porém transitórias; é preciso seguir em frente. Quem fica definitivamente, fica esquecido de tudo que pode vir a ser. Dizem que a gente não se esquece apenas daquilo que a gente fez ou foi um dia; dizem que é possível se esquecer também daquilo que a gente faz,  é ou pode vir a fazer e ser um dia; e este esquecimento é muito perigoso. O esquecimento habita todos os tempos.  Há coisas que valem à pena serem esquecidas; coisas que não acrescentam; que só nos consomem; que consomem, sobretudo, a nossa energia para seguir em frente.
Zuca, não tinha tempo para refletir sobre estas filosofias de Leca. Filosofia é coisa de gente que tem tempo para pensar; Zuca não tinha. Zuca só tinha tempo para agir. Agia sem pensar, pois tinha que chegar. Dizem que estas ações são também muito perigosas. Dizem, inclusive, que só se deve agir sem pensar quando a gente já sabe. A sabedoria não precisa de muito pensamento, precisa só de alma. Zuca prendeu a alma dela na masmorra de sua mente; uma mente que mentia o tempo todo para ela. Mas, dizem que tem gente que gosta das mentiras que a mente cria por não suportar a verdade de ser ela mesma. E, como já mencionei antes, Zuca não gostava muito de ser uma tartaruga; preferia ter nascido um falcão – o animal mais rápido do mundo. As paisagens passavam por ela rapidamente. Engolia as experiências sem sentir o sabor delas, assim como a gente faz quando come apresado só para encher a barriga; só porque precisa comer para se manter vivo. Zuca procurava,  sobretudo, procurar o caminho mais curto. Criava estratégias mirabolantes para cortar caminhos, principalmente aqueles que pareciam mais difíceis de trilhar, trechos mais íngremes, tortuosos ou repletos de pedregulhos. Leca, ao contrário,  aceitava cada desafio. Se sentia cansada frente os trechos mais difíceis de serem trilhados, mas não desistia de seu caminho, queria percorre-lo integralmente.  Aprendeu com isto, que só se conhece bem o sabor do prazer quem teve a coragem e a resiliência suficiente para provar o sabor das dificuldades também.  Conhecia a lei da interdependência; a direita só existe em relação à esquerda,  o alto em relação ao baixo e por aí vai.  Assim,  sabia que o prazer só existe em relação ao desprazer e se disponibilizou a  conhecer bem o sabor dos dois. Zuca, por outro lado,  engolia sem sentir o sabor de nada. Precisava, apenas, manter a barriga cheia para ter energia para chegar ao final da trajetória. E, foi nesta correria que Zuca chegou anos à frente de Leca no alto da montanha. Inicialmente, sentiu-se vitoriosa. No momento de receber o troféu pela sua conquista, deparou-se com um silêncio atormentador e não com os aplausos que esperava. Cadê o público? Ficou ao longo do caminho. Na reta final só tinha lugar para ela. E, o pior é que  não tinha mais para onde ir – fim de linha.  Não tinha também como voltar. Quando se chega na reta final, não nos é mais dado a oportunidade de voltar. Podemos fazer como Leca -  ficar um tempo maior numa certa experiência de vida - mas nunca podemos voltar atrás. Só nos é permitido seguir em frente. E agora, para onde Zuca iria?  Precisava ficar  e ainda tinha muitos e muitos anos de vida pela frente. Não tinha lembranças para passar o tempo. Tempo era o que não lhe faltava agora. Como relembrar das coisas boas se não teve ao longo do caminho tempo para construir lembranças? Dizem que Deus nos deu a lembrança de presente como única alternativa para voltarmos naquilo que foi bom. Mas, como Zuca engolia as experiências sem sentir o sabor, acabou corrompendo o seu paladar. As lembranças só são fixadas na nossa mente se o sabor delas tiver sido marcante e significativo. Para quem perdeu o paladar, não há sabor significativo. E agora, o que fazer com esta falta de lembrança?  A falta de lembrança causa uma doença que nos protege da dor de não poder ser mais. Zuca se transformou numa tartaruga caduca.

Leca, continuou caminhando, caminhando e experimentando profundamente o sabor de cada experiência, apurando seu paladar até  chegar finalmente  no alto da montanha. Lá do alto pôde avistar todo o trajeto percorrido e muitas lembranças boas vieram acalentar a sua alma  antes que pudesse partir para uma outra experiência nova. Leca se transformou, ao longo destes anos todos,  numa tartaruga muito sábia. Dizem que a sabedoria é o nosso troféu e ela só pode ser conquistada quando a gente se prontifica não só a conhecer, mas também a degustar  o sabor de cada experiência vivida.  A palavra sabedoria vem de saber ou de sabor? Vem do latim Sapere – saber , sentir o gosto de...  Só sabe quem saboreia. Leca compreendeu que a maior conquista não está no final da caminhada , mas ao longo de todo o percurso da vida. Tomada por esta compreensão, pode finalmente, juntamente com Zuca caduca partir para um outro jogo divino que ninguém sabe bem as regras, mas que todo mundo tenta inventar. Eu diria que elas foram viver aquilo que não viveram ainda. Para Leca, um novo lugar; para Zuca o mesmo  novamente. Que possa ser não só novamente, mas com uma nova mente. 

LUCY - A ESTRELINHA DA TERRA



Era uma vez uma estrelinha muito brilhante que vivia no céu iluminando tudo ao redor. Ela olhava para um planeta azul chamado terra e tinha uma enorme vontade de conhecê-lo. Muito perspicaz, a estrelinha percebeu que este planeta precisava de muita luz. Pensou que talvez pudesse ser mais útil na terra do que no céu, já que no céu já existiam muitas estrelas luminosas como ela e na terra não havia tantas estrelas assim. Pediu aos anjinhos que a deixasse ser uma estrelinha na terra. Prometeu que ofertaria toda sua luz deixando a terra mais linda e iluminando o caminho de estrelinhas pouco reluzentes que porventura vivessem ali. Os anjinhos lhe explicaram que na terra não existiam estrelas, mas que existiam muitos seres vivos que apesar de não serem estrelas possuíam uma luz que só os seres celestiais podiam enxergar. Confusa, a estrelinha perguntou o que eram seres vivos. Pacientemente, os anjinhos explicaram mencionando a natureza de cada ser que vivia na terra. Desejando muito trazer a sua luz para a terra, a estrelinha perguntou:
Vocês não poderiam me transformar num ser vivo? Eu poderia levar a minha luz para os seres que vivem na terra.
Qual ser vivo você gostaria de se transformar?
Diante de tudo que vocês me explicaram, acho que os seres humanos precisam de muita luz para não destruírem o maior patrimônio que possuem.
De fato, eles estão destruindo o maior tesouro que possuem; sua própria morada e, conseqüentemente, a própria vida.
Me deixe partir! Por favor! Sei que posso ser tão útil! Implorou a estrelinha.
Vamos pedir autorização ao Grande Deus e brevemente lhe daremos uma resposta. Ponderou os anjinhos.
A estrelinha esperava com otimismo e alegria a resposta de seus anjinhos amigos. Ela estava certa de que seria atendida. Sempre fora muito confiante e a sua luz positiva trouxe para si a exata resposta que esperava. Os anjinhos retornaram trazendo a resposta de Deus.
Você foi autorizada a nascer. Anunciaram os anjos.
Nascer? O que é nascer? Perguntou a estrelinha um pouco atordoada com tanta novidade.
Não tem como você cair na terra como se fosse uma estrela cadente transformando-se num ser nativo de lá. Todos os seres na terra nascem um dia. Você vai nascer como uma linda menina, terá uma bela família e um nome especial.
Família... Nome... O que é isto?
Família é como se fosse um grupo de estrelas muito especiais que conviverão com você e te amarão muito. O amor é uma luz muito forte que pulsa na maioria dos seres que vivem na terra. E, nome é como se fosse um chamado. É como você será conhecida.
Poxa, parece que as coisas na terra são bem diferentes das coisas aqui no céu.
Um pouco!.. Viva e verá! Desafiou os anjos.
Será que eu terei saudade das minhas amigas aqui do céu?
Assim que você nascer, você esquecerá tudo que viveu até agora. Só terá lembranças para as coisas que acontecerão lá na terra.
Vou perder todas as minhas lembranças?
Não. Elas ficarão guardadas aí dentro de você, mas não precisarão ser usadas lá na terra. Se você precisar de alguma lembrança, ela será liberada conforme a sua real necessidade. Nós estaremos sempre juntinhos de você administrando estas questões. Prometeu os anjos acalmando a estrelinha que começava a exalar certa ansiedade.
Eu vou me esquecer de vocês também? Perguntou receosa.
Acho que sim. Mas terá sempre a sensação de que estará sendo protegida por todos nós. Assegurou seus amigos celestiais.
A estrelinha ficou por alguns instantes um pouco pensativa refletindo profundamente sobre tudo aquilo. Depois de algum tempo, suspirou fundo e resolveu fazer uma pergunta intrigante:
Se as coisas funcionam assim na terra, será que acontece também assim aqui no céu?
Como assim? Perguntaram os anjinhos.
Será que antes de ser estrela do céu eu era uma outra coisa qualquer. Será que perdi também a memória daquilo que eu era antes de ser uma estrela?
Os anjinhos não lhe deram uma resposta. Só levantaram os ombros e as sobrancelhas sinalizando uma indagação. Interrompendo as divagações da estrelinha, ordenaram:
Se queres partir, prepare-se. Daqui a poucos minutos uma linda menina chamada Lucy estará nascendo. Você será a energia e a luz que preencherá o corpo e a vida dela. Aceita o desafio de ser gente?
Com todo prazer! Finalizou a estrelinha.
Antes que pudesse pensar em qualquer coisa a respeito, uma luz gigantesca envolveu a estrelinha fazendo-a renascer aqui na terra. Neste momento o sol, a lua e milhares de estrelas  deram suas mãos de luz fazendo uma linda oração para que a terra pudesse acolher com alegria e gratidão a linda estrelinha que o universo lhe ofertara.
Nasceu Lucy, uma linda menina, perspicaz, ativa, amorosa e muito inteligente. De todas as qualidades que Lucy tinha, a sua grande coragem chamava atenção de todos. Era uma criança que aceitava todos os desafios e lutava bravamente por tudo que desejava. De tão confiante que era chegava a causar admiração em uns e incômodo em outros. Não temia nada. Na verdade, quase nada. Lucy tinha um único medo do qual não conseguia se livrar. Todas as noites, quando se deitava para dormir, ela vivia um pesadelo. Era como se fosse um sonho acordada. Ela via estrelinhas sem brilho, de cara triste e zangada, e ao mesmo tempo, estrelas luminosas e felizes reluzindo no teto de seu quarto. Ficava assustada, pois seu quarto, às vezes, ficava parecido com o céu noturno da terra, repleto de estrelas. Temerosa, sem saber o significado daquela experiência e sem saber o que aquelas estrelas reluzentes e sem brilho pudessem fazer com ela, fechava os olhinhos e chorava baixinho para ninguém ouvir. Ficava com vergonha de dizer para as pessoas que estava vendo aquelas coisas estranhas.  Mas, certo dia, o medo ficou tão grande que se transformou em pavor e o pavor em uma grande tristeza que fez Lucy chorar muito alto. Sua mãe, ouvindo seus soluços, correu até o quarto de Lucy para ver o que estava acontecendo. Mais assustada que a filha, a mãe perguntou ansiosa sem saber o que estava acontecendo:
O que houve, minha filha?
Mamãe, eu estou com muito medo. Desabafou Lucy aos prantos.
Medo de que, filhinha? Perguntou a mãe confusa abraçando a filha.
Das estrelas. Respondeu soluçando.
Mas, as estrelas são tão belas. Elas não podem lhe fazer mal.
Tenho medo das estrelas sem brilho e tristonhas que aparecem no teto de meu quarto.
Não existem estrelas aqui, Lucy.
Elas se apagaram assim que você entrou aqui. Justificou a menina.
Fique tranqüila, filhinha. Você deve ter tido um sonho ruim. Durma, isto tudo vai passar. Amanhã você já não se lembrará disto e a vida vai continuar tranqüila.
Não, não! Fique aqui comigo, mamãe. Sei que não vai passar. Eu sempre vejo estas estrelas no teto de meu quarto. Só que hoje a cara das estrelas tristes estavam ainda mais tristes. Haviam estrelas zangadas também. Só hoje tive coragem de lhe contar. Elas vão voltar! Elas sempre voltam. Desabafou Lucy agarrando a mãe impedindo-a que esta saísse do seu lado.
A mãe de Lucy era muito sábia e sabia exatamente como ajudar a filha. Quando criança teve alguns medos parecidos com os de Lucy. Fora ajudada a combatê-los por intermédio da Vovó Zica que de tudo sabia um pouco. Aproveitando os ensinamentos da avó e olhando fundo nos olhos da filha tratou de lhe passar alguns conselhos.
Filhinha, você quer acabar com este medo?
É o que mais quero, mamãe.
—Então ouça com atenção a receita da vovó Zica para acabar com o medo. Ela me ajudou a acabar com o meu e eu lhe ajudarei a acabar com o seu.
Que bom, mamãe! Eu não verei mais estas estrelas?
Calma, vou lhe explicar como tudo deverá funcionar. Existem algumas regras que você deverá seguir e respeitar.
Quais? Perguntou curiosa, sentando-se no colo da mãe.
A primeira delas é nunca guardar seu medo na caixinha escura.
Mamãe, eu nunca guardei meu medo em nenhuma caixinha.
Guardou sim, filha. Veja bem, só hoje você me falou dele. A caixinha escura é o pedacinho que a gente não conhece dentro da gente mesmo.
Quer dizer que existe um pedaço da gente que a gente desconhece? Quer dizer que eu não me conheço direito?
É isto mesmo! Precisamos jogar luz neste pedacinho escuro para que possamos enxergar o que está guardado lá. Todas as vezes que você fala daquilo que teme, daquilo que lhe provoca qualquer sentimento ruim, você está colocando para fora, tirando da caixinha escura o que não pode ficar contido lá. Sentimento ruim preso dentro da caixinha cresce e explode em forma de pavor. Assim, fale sempre de seus sentimentos para as pessoas que você ama e confia. O amor e a confiança destas pessoas são sentimentos de luz que ajudarão a iluminar este seu lado escuro. Expresse seus sentimentos. Não banque a egoísta guardando-os só para você. Admita que precisa ser ajudada ao invés de fingir que está tudo bem.
Se eu fizer isto o meu medo desaparecerá? Perguntou Lucy irradiando a luz da esperança em seus olhinhos verdes.
Parte dele desaparecerá. Existem outras regras para espantar a outra parte.
Me ensine mamãe, eu prometo que seguirei a risca.
A segunda regra é enfrentar o seu medo ao invés de fugir dele. Tudo que a gente foge nos persegue.
Como é que posso enfrentar as estrelas de meu quarto? É fácil enfrentar as estrelas de luz, mas, as de cara feia... Ai, nem consigo pensar como posso fazer isto!
Você pode fazer isto conquistando a certeza de algumas coisas. Pontuou a mãe.
Que coisas?
Você precisa saber primeiro por que vê estrelas.
Como posso descobrir?
Eu posso lhe contar.
Quer dizer que você sabe porque eu vejo estrelas?
Se eu não soubesse, correria o mundo inteiro até descobrir para lhe contar. Exclamou a mãe externando seu grande amor pela filha.
Se eu tivesse tirado meu medo da caixinha escura antes, talvez a senhora já tivesse me contado. Por que não fiz isto antes? Indagou-se arrependida.
Tá vendo como é importante tirar o medo da caixinha? Relembrou a mãe.
Já que sabe por que vejo estrelas, me conte rapidinho. Perguntou Lucy irradiando ansiedade.
Outra regra importante é não ter pressa para acabar com seu medo. Só a paciência e a perseverança nos ajuda enxergar o que está no escuro. Não desista de encontrar estrelas dentro de ti. Ao invés de encontrá-las apenas no teto de seu quarto, descubra a sua estrela e aproveite a luz das estrelas felizes que você vê e gosta para iluminar muita coisa aí dentro. Aconselhou a mãe tocando com a ponta de seus dedos no peito de Lucy.
Será que tenho estrelas dentro de mim?
Ou será que você é também uma estrelinha bem iluminada? Você ilumina tanto a nossa vida que eu não posso pensar diferente. Falou a mãe sorrindo.
Não estou entendendo, mamãe.
—Deixe eu explicar melhor. Quando a gente tem muita luz, esta luz faz a gente enxergar coisas que a maioria das pessoas não conseguem ver. É como ascender a luz de um quarto escuro. A gente passa a ver melhor tudo que está dentro dele.
—Ah! Já entendi. Quer dizer que eu vejo estrelas, pois meus olhos conseguem ver o que os olhos dos outros não conseguem ver.
—Isto mesmo! Mas é importante que você saiba que isto é uma benção e não uma coisa ruim. Ao invés de enxergar isto como um problema, veja tudo isto como uma oportunidade de crescimento. Você só consegue enxergar mais porque a luz do seu olhar é mais forte e intensa. Você só consegue enxergar mais porque você tem mais poder. Por isso, não pode fechar seus olhos para aquilo que vê. É neste ponto que entra a próxima regra.
—Opa! Estou começando a gostar desta história. Me fale qual é a próxima regra, mamãe. Não vejo a hora de colocá-la em prática.
—Use o seu poder e não o seu medo para lidar com tudo isto. Use o poder de sua luz para iluminar seu lado obscuro. Sorria para as estrelas tristonhas e zangadas. Irradie e oferte a sua luz   para elas. Enfrente o mal humor delas com sua alegria e capte ainda mais a energia das estrelinhas que você gosta intensificando a luz que reluz dentro de ti.
Lucy deu uma gargalhada como se tivesse feito a maior descoberta de sua vida. Olhando nos olhos da mãe, viu uma linda estrela brilhando lá no fundo.
—Mamãe, agora estou vendo estrela no seu olhar.
—Será que vai ficar com medo de mim agora? Perguntou a mãe num tom de brincadeira e fazendo cócegas na barriga da menina.
—É claro que não! A sua estrela é linda! Não tenho medo dela. Você me ajuda a olhar as estrelas de meu quarto e enfrentá-las?
—É claro, filhinha! Eu vou adorar conhecer as suas estrelas. Vou fazer cócegas nas estrelas tristonhas. Quem sabe eu posso descolar um sorriso delas da mesma forma que consigo descolar esta gargalhada gostosa que sai da sua caixinha de som.
—Só faltava essa! Agora eu tenho também caixinha de som! Ironizou Lucy.
—Ichi! Se você soubesse quantas caixinhas guardamos dentro da gente. É caixinha escura, caixinha de som, caixinha surpresa, enfim, é caixinha que não acaba mais.
—Mamãe posso lhe contar um segredo? Perguntou Lucy cochichando no ouvido da mãe.
—“Pode”, não –  “Deve”. Nunca se esqueça da primeira regra. Advertiu a mãe.
—Mamãe, tenho que admitir que pela primeira vez desejo ver as estrelas no teto do meu quarto para mostrá-las para você.
—Como já lhe disse, vou adorar conhecê-las. Você acha que consegue vê-las agora?
—Não estou conseguindo, mamãe.
—Sabe por que filhinha?
—Por que? Perguntou ansiosa.
—Porque seu medo já está acabando. Durma e amanhã quem sabe... Talvez você consiga vê-las. Me chame para eu ajudá-la a fazer graça para as estrelas sem luz. Acho que elas precisam de amigos e de muita alegria.

Naquela noite Lucy dormiu e sonhou que era uma estrela parecida com as estrelinhas luminosas que apareciam no teto de seu quarto. Sonhou que as feias estrelinhas eram estrelinhas perdidas no universo. Perdidas, perderam a luz. Lucy ao invés de fechar os olhos para elas, oferecia o seu olhar, o seu sorriso e a sua atenção. Ao fazer isto todas as estrelas se enchiam de luz curando sua expressão de dor e sofrimento. Lucy acordou feliz. Descobriu que tememos apenas aquilo que desconhecemos. Que ao cuidar daquilo que temia, o medo desaparecia. Se a gente não foge do medo é ele que foge da gente. Agora, ela sabia que não tinha mais motivo para temer. Conhecia bem o seu poder e a sua luz. Não sabia explicar, mas tinha também a sensação de que era muito protegida por algum anjinho no universo. Confiava não só na proteção de seus anjinhos, mas também no poder de sua luz. Sabia que precisava levar sua luz a todos os seres que estivessem sem brilho. Todas as noites ia para cama querendo ver estrelas no teto de seu quarto. Queria apresentá-las a sua mãe. Mas, por incrível que pareça, nunca mais conseguiu ver estrelas no teto de seu quarto por mais que quisesse enxergá-las. Aprendeu a olhar para o céu para contemplar estrelas de diferentes brilhos. Aliás, o céu sempre foi mais belo que o teto de seu quarto.  E, com este olhar diferente, passou a perceber que existem também pessoas com brilhos diferentes. No meio de tanta gente feliz e em paz existem pessoas tristes e zangadas. Jamais teve medo das pessoas parecidas com as estrelas que um dia temera. Sabia como enfrentá-las. Sabia mais que enfrentá-las; sabia ajudá-las. Descobriu que por trás de uma cara feia existe muito medo e fragilidade. Superado seu medo, Lucy cresceu e passou a vida se dedicando a levar mais luz para quem dela necessita. Ficou conhecida por todos como Lucy – a estrela da terra. 

O MILAGRE DA SEMENTE

          Ninguém conseguia entender como uma flor poderia viver num deserto. E, ali estava ela, viçosa e bonita. Ela não estava só, junto a ela um jardineiro além de contempla-la, dedicava-lhe todo amor e carinho.
            Pesquisadores do mundo inteiro tentavam estudar e compreender as razões que fazia uma flor tão delicada aceitar e suportar tão bem a aridez daquele deserto. Carentes de teorias que pudessem explicar tal fenômeno, optaram finalmente por entrevistar o humilde jardineiro que se dedicara e acompanhara o desenvolvimento daquela flor tão singela. Com poucas palavras ele tentou mostrar a prática que as teorias não conseguiam explicar:
— Toda flor provém de uma semente cujo único desejo é germinar. A semente possui certeza absoluta que poderá se transformar em flor um dia. Todo homem carrega dentro de si a semente do amor. Esta semente dá ao homem a certeza absoluta de que pode cuidar e se responsabilizar pelo desenvolvimento de qualquer ser em qualquer lugar. A terra carrega consigo a semente da maternidade. Por mais árida que tenha se tornado, ela possui mesmo que adormecido o dom de fazer germinar em seu seio o que deseja brotar. Estas três sementes juntas fizeram o milagre da vida acontecer, pois o milagre é uma semente presente em todo ser que tem fé. Basta acreditar e o milagre acontece.
            Os cientistas não acreditaram na teoria provinda da prática de um simples jardineiro, pois todo cientista carrega dentro de si a semente do ceticismo e da complexidade. Aquela teoria era simples demais para ser aceita e compreendida pela honrada e complicada ciência mesmo sabendo que estes mistérios ou milagres continuam sempre acontecendo em algum lugar sem que a mesma consiga explica-los.
            O jardineiro continuou cuidando da flor certo de que a compreensão só poderá brotar no seio de uma ciência que consiga um dia cultivar a semente da humildade.

A DOENÇA DA ROSA


Dizem que, num lindo jardim sempre habitado pela harmonia, a rosa adoeceu repentinamente. Nenhuma flor entendia o jeito novo e estranho da mesma. Sempre viçosa, aberta e vibrante passou a ficar,  dia a dia, cada vez mais murcha, fechada e sem vida. “Que doença era aquela que acometera a rosa repentinamente”? Até então, nenhuma flor jamais ouvira falar de uma doença tão grave. Como curar a rosa se ninguém entendia o motivo de sua doença? Preocupados, resolveram marcar uma consulta com o Dr Sol, o iluminado curador de todas as flores. Ele possuía uma sabedoria infinita capaz de curar todos os males. Tocando, graciosamente, a rosa com seus raios luminosos, o sol perguntou:
—O que aconteceu, linda rosa?
—Nada não!.. – respondeu, rispidamente, a rosa.
O sol achou muito esquisito aquele jeito novo da rosa. A sua doçura foi transformada, sem motivo aparente, em uma rispidez acentuada. Tentando envolve-la carinhosamente, questionou a sua indelicada resposta.
—Se não tens nada, porque estás tão brava?
—Eu tenho o meus motivos...
—Que tal  falarmos deles? Talvez, eu possa ajuda-la.
—Tudo bem! Respondeu grosseiramente. O meu problema são as Margaridas.
—Engraçado, nunca nenhuma flor aqui representou um problema para a outra. Vocês sempre viveram tão felizes.
Antes que o sol pudesse continuar foi interrompido ironicamente pela rosa.
—Disse bem! Vi-ve-ram. Mas, não vivemos mais.
—Não é bem assim. Todos continuam vivendo bem, só você não consegue mais viver feliz. Se mudar este sentimento ruim dentro de você, com certeza recuperará a sua felicidade.
—Só se as Margaridas morressem, eu conseguiria me sentir bem.
Apesar de estarrecido, o Sol entendeu rapidamente o sentimento da Rosa, mas decerto, ela não compreendia o que estava se passando consigo mesma. O grande astro sabia que tinha um grande trabalho pela frente. Só à partir do momento que a Rosa se tornasse capaz de compreender o real motivo deste ódio que a dominava, seria capaz de se salvar e se curar definitivamente. Sem censurá-la continuou indagando-a:
—Por que motivo as Margaridas deveriam morrer?
—Porque elas atrapalham a minha vida. Respondeu exalando egocentrismo, a Rosa.
—Engraçado, nunca reparei o quanto as Margaridas atrapalham a sua vida. Sempre as vejo no canto delas, juntas, felizes da vida, sem se preocuparem com nada.
—Você é quem pensa! Elas andam bem preocupadas em seduzir o meu amor. Outro dia o peguei irradiante, admirando-as.
—Que mal existe em admirar e ser admirado? Você sempre foi tão admirada e nunca se ressentiu disto.
—Uma coisa é ser admirada, outra coisa é ser menos amada por seu amor por ele ter descoberto outra flor mais bela.
—Ele te disse que passou a te amar menos por ter descoberto a beleza das Margaridas?
—Não, mas é um risco. Você não acha?
—Você deixaria de amá-lo caso passasse a admirar as Margaridas?
—Eu, admirar Margaridas? Era só o que faltava! Muitas flores podem até achá-las bonitinhas, mas aquelas pétalas finas... Que mal gosto! Fique sabendo que eu jamais vou admirar as Margaridas.
—Isso é muito sério. Disse o Sol com firmeza. Isso pode ser o seu fim. Continuou, olhando no fundo dos olhos da Rosa.
—O meu fim? Como assim ? Perguntou a Rosa preocupada.
—Se você não conseguir admirar as Margaridas, passará a se sentir cada vez mais feia e sem vida.
—Se o remédio é admiração, admirar a mim mesma não basta? Saiba que me acho muito mais linda. Minhas pétalas são mais largas, minha haste mais firme. Não tem comparação!
—Comparação. Preste bem atenção nesta palavra. A sua doença se chama com-pa-ra-ção. Você está doente de comparação.
—Eu, doente? Eu estou muito bem.
—Mas você acabou, agora pouco, de falar que só ficaria bem se as Margaridas morressem?
—Decerto, seria menos um peso para mim. Admitiu a Rosa.
—Atente-se ao que vou lhe falar. A noite está chegando e eu tenho que repousar. O Horizonte me espera, não dá para ficar mais tempo com você, embora eu saiba que você precisará de algum tempo para digerir e vivenciar tudo que irei lhe explicar. Qualquer dúvida, peça ajuda para a lua, hoje ela estará linda. Aliás, poderei usá-la como exemplo para que você compreenda melhor esta importante lição de vida.

—Que lição? Perguntou a Rosa mesclando dúvida com ansiedade.
—Eu ilumino o dia e a lua ilumina a noite. Temos o nosso valor e a nossa beleza. Temos o nosso lugar e a importância certa mediante o lugar que ocupamos. Sei que todas as flores deste jardim admiram as noites de luar.
—São lindas mesmo!
—Nem por isso eu desejo que a lua morra para que eu me sinta melhor do que sou. Tenho a minha própria importância. Sei o quanto sou importante para cada um de vocês.
Indispensável, eu diria.
—E daí? Ironizou a Rosa.— O que tudo isto tem haver com a minha doença?
—Ter certeza da nossa importância e valorizar a importância de todos que nos cercam é o passo mais importante na conquista da nossa felicidade e na eliminação do ciúme e da inveja que nascem assim que começamos a gestar as desagradáveis comparações dentro da gente.
—Ciúme, inveja... Que sentimentos são estes? Nunca ouvi falar deles.
—Mas está começando a sentir. Ciúme é esta necessidade maluca de ser o centro das atenções na vida do outro, querendo assim que este só tenha olhos para você. Se não tivéssemos que admirar a beleza do mundo e dos outros, nasceríamos cegos. Alguns até fingem não enxergar para não despertar este sentimento naqueles que se sentem inferiores, evitando assim, desagradáveis conflitos. Os que possuem visão e não enxergam são os piores cegos.
—Você quer dizer com isso que o meu amor é um ser agraciado por Deus com a dádiva de enxergar a beleza do mundo e não alguém que está traindo o amor que sinto por ele?
—Isto mesmo, Rosa! A nossa felicidade sempre dependerá do nosso ponto de vista. Procure enxergar as coisas do jeito que elas são de fato, e não da forma como a sua parte doente gostaria que fosse.
—E como a parte doente que está em mim gostaria que as coisas fossem? Perguntou, humildemente, a Rosa mudando sua feição frente à abertura aos novos aprendizados.
—A parte que adoeceu em você está exalando ciúme e inveja. Esta parte gostaria que o mundo girasse em torno de você e que, dentre todas as rosas e flores do mundo, você fosse a mais bela e a única a ser apreciada por todos.

A Rosa foi ficando mais vermelha do que era, exalando muita vergonha. Aquele sentimento novo que tomou conta de seu ser, sem que se apercebesse, era um sentimento ruim; gostaria de se livrar dele rapidamente. Mas de posse dele, parecia estar aprisionada e sem saída para o mundo encantado que vivia antes. Impotente, começou a chorar.

—Me diga, por favor! O que devo fazer para livrar-me desta doença?

—Admitir que é vítima dela já é o primeiro passo. No entanto, não poderá continuar como vítima. Deverá se responsabilizar por sua vida sabendo que possui dentro de si todos os recursos para se livrar dela. Basta usa-los. Lembre-se que você era uma rosa saudável e procure seguir o seu próprio exemplo de vida anterior, livre de comparações e deste sentimento de menos valia que se apoderou de você.

—Sinto vergonha de ter invejado as Margaridas e, com isto, desejado tanto mal a elas. Lamentou a Rosa.

—Quem inveja jamais deseja o bem para o ser invejado, pois deseja para si os atributos daquele ser que não possui. É como se o ser invejoso quisesse reter em si mesmo toda a beleza e todo o poder do mundo. Ilusoriamente, desejam ser um Deus.
A Rosa abaixou o olhar reprovando-se internamente. Queria se esconder de tanta vergonha, mas na impossibilidade de esconder de si mesma e de todos, limitou-se a ficar com seu olhar cabisbaixo por um longo tempo. Quando levantou seu olhar, o sol já não estava lá, a noite a envolvia com uma linda lua cheia a brilhar iluminando todo o jardim. Olhava para todas as flores e percebia a felicidade em cada uma delas. Sentia-se mal com a felicidade delas e agora, não só as Margaridas, mas todas as flores a incomodavam. Entretanto, o novo incômodo era diferente; já não desejava mal a elas, mas não conseguia ainda admirar aquela beleza que reinava no jardim que fazia parte. Sentia que nenhuma flor dali se importava com ela, estavam todas felizes e ela ali, triste e doente. Desanimada, pensou alto olhando para a lua que iluminava tudo e a todos:
—Agora, não tenho nem mesmo a companhia do sol...
—Mas tem a minha companhia. Interviu a lua irradiante.— A minha companhia não serve?  
—Serviria, mas você desconhece o meu problema e não tem como me ajudar.
—Mas posso conhecê-lo se você permitir. Estou disponível a ajudá-la, caso queira, é claro. Disponibilizou-se a Lua.
—Até quero, mas me dá uma preguiça ter que falar tudo de novo.
—Você não precisa falar tudo, comece por onde você terminou.
—E você entenderia se eu começasse do final?
—Que bom! Se você já está no final é porque seu problema já está resolvido.
—Quem me dera! Apenas entendi o que sinto, mas não consegui ainda mudar o sentimento dentro de mim. É como se eu tivesse mudado na cabeça e não o tivesse ainda arrancado do coração.
—Talvez seja o contrário. Certamente, você já o tirou do coração, mas  mantêm o problema vivo na sua mente.
—Sei lá, só sei que o sentimento de ciúme e inveja ainda estão dentro de mim.
—Quer dizer que você sente ciúme e inveja?
—Acho que não sinto mais nada. Olho para tudo e para todos e não vejo mais a beleza; sinto apenas um incômodo, que nem sei bem como explicar.
—Este incômodo é certamente o vazio que tomou conta de você.
—Acho que é isto mesmo! Me sinto vazia. Como você pôde descobrir se nem conhece todo meu problema?
—Os sentimentos são governados por algumas leis. O ciumento e o invejoso está sempre vazio e deseja, inicialmente, preencher este vazio com aquilo que o outro tem. Sentem muita raiva enquanto lutam para tomar do outro o que não lhes pertence e o que jamais conseguirão roubar. Quando se dão conta da impotência para mudar o que não pode ser mudado, são acometidos por uma grande tristeza e desânimo. Tomados pela depressão, se afundam, dia após dia, cada vez mais,  neste vazio sem fundo.
—Preciso de ajuda! Você tem como me tirar deste buraco fundo que caí? Suplicou a rosa desesperada e com muito medo de permanecer, infinitamente, neste inferno que a aprisionava.
—Infelizmente não posso fazer por você o que só você pode fazer por si mesma. Comece por olhar para si. Admire-se! Veja primeiro quanta beleza existe dentro de você para que depois possa, finalmente, admirar a beleza que existe no outro. No entanto, muito cuidado! Admire-se sem comparações.
Lembrando-se das últimas palavras do Sol a Rosa confabulou:
—O Sol me disse que talvez eu quisesse ser um Deus, habitar apenas em mim toda a beleza do mundo. Acho que ele tem razão. A minha própria beleza tem que me satisfazer. Estou sendo insaciável.
—Decerto! Nem Deus quis a beleza do mundo só para ele. Por isso se dividiu em todos os seres do mundo e deu para cada um deles parte de sua beleza. E há quem queira ser mais que Deus, ao invés de ser Uno; ser individualista e garantir a beleza só para si.
—Acho que o que sinto é coisa do diabo! Inferiu a Rosa com seus miolos já quentes de tanto pensar numa saída para seus problemas.
—A escolha é sua. Se desejar ser mais divina, deverá descobrir a divindade dentro de si mesma. Feita esta descoberta, você exalará o sentimento divino de querer também se dividir, se multiplicar. Estará aberta a dar e receber, pois verá riqueza em tudo que lhe rodeia.
—Temo não ter muito tempo para isto mais. Depois desta conversa, já consigo sentir a mudança operando dentro de mim, só não sei se terei tempo para vivenciá-la.
—O tempo é muito relativo. Não poderei viver mais esta noite, mas por certo, muitas outras virão. Talvez eu não possa mais encontrar com você tal qual se encontra hoje, pois o mundo gira, minha cara. Mas, encontrarei uma outra flor; diferente, mas com a tua alma.

A Rosa entendeu o recado da lua deixando duas gotas de orvalho caíram de suas pétalas. A lua me contou que nunca mais encontrou aquela Rosa invejosa e cimenta naquela roseira, mas a encontrou linda, feliz e viçosa em vários pontos daquele mesmo jardim e em centenas de outros. Fiquei, por algum tempo, sem entender como ela pôde se dividir e multiplicar ao mesmo tempo, mas, outro dia, lembrando-me de uma frase divina que diz mais ou menos assim – “Sede fecundos, multiplicai-vos” – deduzi, finalmente, o final desta história. Espero que você seja capaz de deduzir também.