domingo, 15 de fevereiro de 2015

O ANJO DO JARDIM


Duca era um anjinho muito especial que ganhou de presente um lindo jardim para cuidar. Dizem que quando ganhamos uma nova vida, ganhamos também um presente bem especial que possa agradar bastante a nossa alma e deixa-la entusiasmada para viver esta nova experiência.
Deus deu para Duca um jardim repleto de flores de todas as espécies, bem como o poder de entender a linguagem de todas elas. Na sua vida antiga, Duca era um rapaz que vendia flores pelas ruas de uma grande cidade. Vagava pelas ruas agitadas e poluídas, oferecendo a todos o encanto das lindas rosas que vendia. Duca adorava ver o brilho no olhar de quem era presenteado com suas flores especiais. Podia sentir , mais do que o aroma delas, a essência do amor exalando um ar de felicidade no coração de todas as pessoas que recebiam suas rosas. Assim como conseguia sentir e decifrar a essência de todos os sentimentos bons que brotavam no coração das pessoas naquele momento especial, Duca sentia uma enorme vontade de compreender o sentimento das rosas que vendia. O que estariam elas sentindo? O que pensavam? Será que gostavam de estar ali; será que  prefeririam viver no jardim onde nasceram? Infelizmente, Duca teve que passar a sua vida toda sem ter estas respostas e viver com esta frustrante dúvida. O seu maior desejo era compreender a linguagem das flores, mas nem sempre todos os nossos desejos podem ser satisfeitos.
Deus adora nos presentear com aquilo que mais amamos. Ele sabe, mais do que ninguém, nos dar o presente certo, na hora certa. Inicialmente, despertou em Duca o grande desejo de compreender a linguagem das flores. Munido deste desejo, finalmente, deu a ele não só a capacidade de entender e  compreender tudo que as flores diziam e sentiam, bem como, um jardim repleto de todas as espécies de flores do universo. Este era, naquele momento existencial, o melhor presente que Duca poderia receber; ele estava muito feliz e grato pelo mesmo. Agora, poderia ir muito além. A sua relação com as flores seria bem diferente do que estava acostumado. Além de decifrar a sua linguagem, tinha o importante ofício de cuidar de todas elas.
Apesar de toda dádiva recebida, existia ainda algumas limitações; talvez para despertar em Duca outros desejos que pudessem ser realizados no momento certo. Ele não podia ser visto e nem ouvido pelas flores que cuidava. Embora não estivesse ainda apto a receber este novo presente, estava satisfeito com a dádiva que lhe fora oferecida. Duca era um ser muito sábio; ao invés de lamentar o que não tinha, sabia agradecer e usufruir , ao máximo, as dádivas que recebia. Ao nascer para esta nova vida, Duca também se esqueceu de todas as experiências vividas na vida anterior. Vivia profundamente sua experiência nova sem questionar muito o porque de estar ali. Só sabia que amava intensamente o seu jardim e o seu ofício.
Como fora um vendedor de rosas em sua vida passada, adorava ouvir os bate papos de algumas roseiras de seu jardim. Sentava ao lado delas e ficava horas ouvindo as conversas daquelas flores que lhe provocavam um sentimento diferente. Amava todas as flores de seu jardim, mas não conseguia entender porque tinha sempre mais interesse em ouvir as conversas das roseiras. Tudo tem uma explicação, mas naquele momento não cabia a Duca decifrar este enigma; cabia ao mesmo, apenas viver intensamente o presente que lhe fora ofertado. Sendo assim, o anjinho sapiente não desperdiçou nem um minuto deste prazer.
No jardim de Duca, existiam roseiras cujas rosas nunca tivemos a oportunidade de ver por aqui. Além das roseiras que já conhecemos, Duca tinha roseiras que geravam rosas azuis, verdes, pretas, cinzas, douradas, prateadas e até mesmo com todas as cores do arco-íris juntas. Todas as suas roseiras eram batizadas com um nome que se parecesse bastante com elas. Na vida passada, quando vendia rosas, Duca gostava de pintar as rosas brancas com estas cores. Gostava de brincar de Deus, ou seja, de criar rosas que não existiam por aqui. As rosas azuis eram as que ele mais gostava de criar. As cinzas, lhe traziam uma certa melancolia, mas mesmo assim, ele se dava ao trabalho de cria-las, pois além de existir algumas pessoas que se interessavam por elas, tinha um lado seu, embora obscuro, que tinha uma predileção especial por elas.  
Tinha duas roseiras no jardim deste anjinho, que o deixava sempre muito intrigado. Ele ficava impressionado com a sabedoria de uma e a ignorância da outra. Assim como Duca recebeu a dádiva de entender a linguagem das flores, você também receberá, neste momento, esta dádiva. Ouça bem o que as duas roseiras do jardim estavam conversando. Se Deus lhe deu, agora, o poder de ter acesso ao conteúdo desta conversa, provavelmente, alguma coisa boa você pode aprender com ela. Pode ser que você esteja também recebendo este presentinho de Deus.  Portanto, atente-se:
_ Por que você está com esta cara tão boa hoje? Aliás, você está sempre com uma cara de satisfeita... Não consigo lhe entender! Perguntou Cinzinha, uma roseira de rosas cinzas.
_Porque eu não haveria de estar? O dia está lindo e a primavera está chegando. Respondeu Zul, a roseira de rosas azuis.
_Se você reparar bem, tem uma nuvem cinza no céu. Daqui a pouco, ela pode ficar preta e uma tempestade horrível cair sobre nós. Alertou Cinzinha.
_Ah, é apenas uma nuvenzinha bebê! Acho que ela não tem este poder todo, não... Precisa crescer muito para gerar a força de uma tempestade. O céu está todo azul, assim como as rosas que desabrocharão em mim na primavera que está tão próxima. Já consigo sentir a energia dela, embora eu goste muito também do inverno. Vou até sentir saudades dele quando ele partir. Mas, sei que ele volta todos os anos e a expectativa de sua chegada traz desejos bons dentro da gente. Ponderou Zul com alegria.
_Só se for dentro de você, porque em mim só traz arrepios. Detesto este frio todo! Falou Cinzinha com sua face enrugada e encolhendo suas folhinhas como se estivesse se protegendo.
_Mas, é no inverno que nos interiorizamos para produzir com afinco o que vamos parir na primavera; nossas mais lindas rosas. Alegou Zul.
_Lindas! Só se for as suas. A gente nem sempre tem o poder de parir as melhores rosas deste jardim. Confesso que fico, muitas vezes, bem decepcionada com algumas rosas que desabrocham em mim. Reclamou Cinzinha denotando ares de muita insatisfação.
_Pois, eu fico sempre muito satisfeita com as minhas rosas. Elas são fruto do que eu pude dar de melhor em mim. É a representação genuína de minha energia; na verdade, a materialização de minha própria energia.
Antes que pudesse continuar falando, foi interrompida por Cinzinha.
_Você é muito ingênua mesmo! Tudo você acha lindo! Precisa ser mais realista. Você pode até não gostar do que eu vou lhe falar, mas acho que você está precisando de um toque de realidade. Você gera muita rosa feia e de baixíssima qualidade. Expressou, Cinzinha, seu ponto de vista exalando muita arrogância e agressividade.
Nem este comentário desagradável de Cinzinha teve o poder de abalar Zul. Pelo contrário, a roseira se reergueu ainda mais e com ar de realeza interpelou a amiga.
_Tudo bem! Este é o seu ponto de vista e precisa ser respeitado. No entanto, jamais verei com seus olhos. Tenho os meus olhos vivos e cheio de luz. É com meus olhos que gosto de ver a vida e tudo que faço. Fui  agraciada por Deus com olhos de luz, não preciso do olhar de ninguém para enxergar profundamente a vida. Pegar emprestado o olhar do outro para ver o que seu próprio olhar pode ver, é tornar-se cego mesmo tendo a dádiva da visão. Para mim, você não vê o mundo de forma realista. Vê de forma pessimista. Procura o feio e a negatividade em tudo. Eu, por outro lado,  procuro rechear o meu bolo com otimismo. Argumentou Zul.
_Já vem você falando em metáforas... Discordo de você e não entendi o que quis dizer com esta história de bolo. Dá para explicar melhor? Solicitou Cinzinha com escárnio.   
_Pois não! A realidade é o bolo. O bolo pode ficar mais gostoso e bonito se o rechearmos com otimismo. Podemos também estragar nosso bolo se o rechearmos com este pessimismo que você produz com tanta abundância dentro de ti. Alertou Zul com doçura para não ferir a amiga com suas palavras.
_Você está querendo me dizer que sou um bolo estragado? Perguntou Cinzinha com indignação.
_De jeito nenhum! Você é vida e a vida é o bolo. Você tem o poder de recheá-lo como quiser. Talvez, precise  aprender alguma receitas novas.
_Pois saiba, que estou muito satisfeita com as minhas receitas. E, não me interesso nem um pouco pelas suas. Como você mesma disse, não desejo ver o mundo com seus olhos. Impugnou Cinzinha.
_Tudo bem! Procure apenas ficar alerta para uma coisa. Atentou Zul.  
_Já vem você com suas alertas idiotas! Você está sempre me alertando para as coisas boas ao nosso redor. Não precisamos de alerta para as coisas boas. Precisamos nos alertar para as coisas ruins, pois só elas podem nos causar danos. Contestou Cinzinha.
_Verdade! Mas a ausência de coisas boas na vida nos causam também danos irreparáveis. Por isso, é preciso enxergar. Só temos aquilo que enxergamos. Só teremos coisas boas se pudermos enxerga-las.
Foi mais uma vez interrompida por Cinzinha que expressou-se com arrogância:
_Chega de papo furado! Mas...Qual era mesmo a alerta que você quis me dizer? Perguntou Cinzinha querendo denotar desinteresse, embora estivesse interessadíssima no assunto.
_Quer mesmo saber? Perguntou Zul.
_Quero sim. Embora eu saiba de antemão, que não me interessarei por este assunto; sou, no máximo, curiosa. Diga!
Zul deu um sorriso singelo procurando palavras que pudessem mostrar para Cinzinha aquilo que ela se negava enxergar.
_Veja sempre com seus olhos, mas certifique-se se a tua visão não está sendo prejudicada por alguma lente muito escura,  suja ou embaçada que você possa estar usando sem perceber. Aliás, tem muitos seres que colocam em nós estas lentes. Geralmente fazem isto quando estamos dormindo. Sem perceber, passamos a enxergar o mundo do jeito que eles querem, achando que estamos vendo o mundo com os nossos olhos.
Cinzinha calou-se e ficou pensativa. Pela primeira vez não retrucou a amiga. Conseguiu fazer uma coisa que não estava acostumada; conseguiu refletir. A sua reflexão trouxe clareza. Parece que a reflexão é uma boa flanela para desembaçar e tirar a poeira de nossas lentes.  
O tempo passou  trazendo a primavera e todas as outras estações. Pela primeira vez, alguma coisa diferente parecia estar acontecendo com Cinzinha; ela não reclamava tanto mais. Aliás, a cada estação, trocava não só ideias, mas muita energia com Zul. Parece que estas trocas foram deixando Cinzinha diferente. Ela foi ficando cada vez mais bonita e tornou-se capaz de admirar todas as rosas que produzia. Nunca mais os pulgões e pragas acolheram-se em suas folhas. De repente, deixou de ser uma morada especial para os mesmos. Ela que vivia doente, agora estava sempre viçosa.
Os problemas e dificuldades não deixaram de existir para Zul e Cinzinha que se tornaram duas almas gêmeas. Apenas, a forma de encara-los e  enfrenta-los é que mudou radicalmente. E, isto fazia toda a diferença.
Daquela união cada vez mais forte , nasceu entre elas uma roseirinha bebê. Quando as rosas desta roseira desabrocharam pela primeira vez, encantaram os olhos do mundo. Eram rosas muito diferentes, de uma tonalidade distinta; um cinza azulado ou para quem preferir, um azul meio acinzentado. Dizem que o perfume destas rosas estimulava o nosso terceiro olho, o nosso ajna chakra, um centro poderoso de energia presente em todos nós.
Quanto a Duca, viveu ali muitos anos, feliz de poder ser o anjo das flores. Descobriu que as rosas preferem viver nas roseiras do que em buquês. Mas, descobriu também que elas não se importam de serem colhidas para uma boa causa.  Quando um problema mais sério surgia para elas, Duca dava sempre a sua mãozinha angelical e as coisas acabam sempre ficando mais fáceis. É por isso que Zul e Cinzinha sempre falava para sua filhinha:
_Quando as coisas parecerem muito difíceis e complicadas, pede para seu anjinho que ele dá um jeito.



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