Dedico
esta história a todos os casais que mesmo se debatendo com as imperfeições de
um relacionamento continuam comprometidos com a construção de uma verdadeira
história de amor
OS DOIS LADOS DA MOEDA
A história que se segue além de ser verídica é
inédita, ou seja, acontece uma vez só para nunca mais. Diferente das outras,
ela não começa assim – “Era uma vez”... Ela está acontecendo agora e o final
depende, exclusivamente, da decisão e da postura dos protagonistas da mesma. É
uma dialética do relacionamento humano e como tal, apesar de ser apenas uma
história, parece na verdade ser duas. Sendo duas, qual delas você prefere ouvir
primeiro? Cara ou coroa? Talvez seja melhor começarmos pelo melhor que cada um
possui dentro de si para construir uma verdadeira história de amor.
Lira e Caio vivem felizes. Se conheceram a 6 anos
atrás quando ambos viviam a angústia da separação de um grande amor . Caio,
portador de um humor contagiante, trouxe em 2 dias de convivência o brilho da
alegria que faltava aos olhos de Lira. Esta enxergou na alma de Caio,
sensibilidade e grandeza e, ele vice versa. O desejo de união brotou ali,
naquele exato momento, onde um se viu refletido na alma do outro. Só que a vida
lhes pediu, na ocasião, um tempo, prometendo mais tarde um reencontro. Deu a Lira
e a Caio a oportunidade de viverem outras experiências importantes que
serviriam de alicerce para uma união futura. Hoje eles estão juntos há um ano e
cheios de projetos de vida. Lira vem encontrando pela frente um importante
desafio – mudar, radicalmente, a sua vida para viver com Caio e com uma nova
mulher que anseia renascer dentro dela mesma. O amor por Caio e por ela é um
grande incentivo neste processo. Caio, apesar de não ser bom na arte de
expressar seu amor por meio de palavras, o expressa através de gestos
significativos que muito emociona sua parceira. Lira entende a sua dificuldade
e aceita a sua forma de expressão, aliás, para ela, muito mais significativa do
que palavras. “Palavras dificilmente conseguem ser tão verdadeiras quanto os
gestos de amor”. Caio e Lira, apesar de serem muito parecidos, são ao mesmo
tempo muito diferentes. A igualdade na forma de ser e pensar favorece uma
crescente identificação de ambos. As diferenças atuam como um importante
instrumento de aprendizagem. Um oferta ao outro aquilo que lhe falta
preenchendo-o de recursos. Este casal tem algo em comum; adoram coisas
diferentes. Sendo assim, sabiam que relacionar-se com uma pessoa igual a eles
seria, por demais, entediante. As
diferenças, por algumas vezes, geraram conflitos, mas eles estão sendo
suficientemente maduros para enfrentá-los. Cientes de que toda crise é um
chamado de transformação e não necessariamente de rompimento, comprometeram-se a
enfrentá-las juntos, tirando delas todos os ingredientes capazes de favorecer o
desenvolvimento mútuo. As crises começaram já nos primeiros dias de namoro,
incitando cada um a mudar o que já estava por demais cristalizado e velho. Uma renovação
em todos os níveis do ser tornou-se, primordialmente, necessária para manter
não só o relacionamento vivo como também cada um deles, pois tanto Caio quanto
Lira ansiavam, internamente, pelo
nascimento de uma nova pessoa, por estarem enjoados de uma identidade já antiga
que solicitava reformas. Um relacionamento que não exigisse uma postura nova
jamais poderia ajudá-los a se transformar na pessoa nova e saudável que
buscavam com tanto afinco. Neste processo foram se encontrando dia após dia. Com profissões bem
diferentes, tornaram-se, simultaneamente, aprendizes e mestres um do outro. O
mais interessante é que, mesmo tecnicamente despreparados profissionalmente
para oferecer ajuda , eles se utilizam da intuição para acrescentar algo
inusitado e colaborar positivamente para com a prática profissional do parceiro.
No plano físico se incentivam, mutuamente, a não fazer mais aquilo que o
comodismo vinha ditando. Utilizam-se de humor e brincadeiras para não parecer
cobrança o que, na verdade, é um incentivo. Estão desenvolvendo um corpo cada
vez mais saudável e menos encouraçado. No plano sexual, Lira achava que sabia
tudo e de repente tornou-se uma aprendiz muito comprometida com formas de amar
até então desconhecidas para ela. Goza com imensa satisfação esta nova
experiência de prazer. Caio, por outro lado, tem sido instigado a viver mais
intensamente o que parecia viver pela metade. O desejo passou a ser um desafio
que ambos se comprometeram enfrentar. O gostinho da vitória vem sendo alcançado
devagarinho, dia após dia, na vivência a dois. Isto traz um pouco de ansiedade
para ambos, mas vencer a ansiedade tornou-se mais um desafio para encontrar a
paz. Eles sabem que a vida sempre escolhe o nosso ponto fraco para testar o
nosso comprometimento. Sabem que com o tempo este ponto fraco será, na verdade,
o ponto mais forte deles, por isso, não desistem. Outra dinâmica interessante
deste relacionamento é que nunca depreciam as dificuldades do outro. Os
recursos que um já possui e que o outro não, são doados, incondicionalmente, de
maneira a favorecer o crescimento do parceiro. Aquilo que ambos não possuem
para oferecer ao outro vira compromisso mútuo, ou seja, ao invés de se
acomodarem, correm atrás de alternativas e soluções. Sabem que o comodismo
poderá se transformar num vírus capaz de arruinar não só o relacionamento, mas
também a vida pessoal de cada um. O ponto forte deste relacionamento é a
capacidade que ambos possuem para enxergar e se relacionar com o lado saudável
do outro e a dedicação para tratar do lado doente sem fragilizá-lo ainda mais. Caio
e Lira formam um casal ideal; são suficientemente imperfeitos para incitar o valioso
desejo de aperfeiçoarem-se, utilizando o
outro como uma ferramenta de transformação. Por isso, acreditam, fidedignamente,
que poderão ser felizes para sempre, pois o sempre é para eles um agora repleto
de desafios e possibilidades.
Existe, entretanto, o outro lado da moeda que não lhes
contei ainda. Parece uma história totalmente diferente, mas posso lhes garantir
que é a mesma. Talvez, vocês possam encontrar algum ponto em comum.
Lira e Caio vivem em conflitos. Não se
agridem, aliás, fazem de tudo para se relacionarem bem, mas estão sempre
inseguros, certos de que as limitações do outro poderão, em algum momento,
arruinar este relacionamento. Se conheceram a 6 anos atrás quando ambos viviam
intensamente a angústia da separação. Eles se desejaram, mas nenhum dos dois
tiveram, na época, a coragem de investir
no relacionamento, talvez por medo dos fantasmas que carregavam. Mas, a vida
sempre insiste em trazer de volta aquilo que negamos viver. Assim, há um ano
atrás, eles se reencontraram novamente e
iniciaram um namoro. Possuem projetos de vida importantes, mas sempre duvidam
que o outro esteja por inteiro nestes projetos. Lira terá que mudar,
radicalmente, a sua vida para viver
plenamente o seu amor por Caio e por uma nova mulher que anseia nascer dentro
dela mesma. No entanto, a mulher que é já se encontra, por demais, estabilizada no mundo seguro que construiu.
Apesar de saber que estabilidade e realização são duas coisas bem diferentes,
Lira ainda se sente insegura. Fica em dúvida se o amor de Caio é
suficientemente grande para apóia-la neste momento de intensas mudanças. Como
Caio dificilmente expressa por palavras o que sente, Lira sente-se cada vez
mais insegura. Acostumada a ouvir declarações de amor, vive na expectativa de
ouvir as mesmas declarações do parceiro atual. No entanto, ele não satisfaz as
suas expectativas e ela vai acumulando frustrações. Caio acaba também ficando
frustrado, pois Lira não se satisfaz apenas com os gestos de amor que ele
expressa com tanta dedicação. É muito difícil para Caio e Lira lidar com as
diferenças. Sendo assim, acabam entrando em conflito. Cada um
utiliza um recurso diferente para lidar com o mesmo. Como ambos não conseguem
ser agressivos, nunca brigaram. No entanto, Lira se fecha em seu mundo
alimentando suas mágoas e Caio torna-se indiferente procurando não perceber o
que se passa ao seu redor. Focar-se em suas atividades profissionais é uma
forma de fazer isto. Quando ele age assim, Lira passa a conceber sua tão bela
profissão como uma amante, ou seja, uma rival em seu relacionamento. Caio, às
vezes, não dá a importância necessária aos valiosos projeto profissionais e
pessoais que Lira possui, gerando assim
a falsa idéia de que este não se interessa por nada que lhe diz respeito. Desta
forma, Lira desenvolveu a ideia de que Caio só enxerga a si próprio e passou a
ver nele um grande egoísta. Com isso, Caio já está passando a se sentir assim. E,
cada vez que ele se convence de que é um egoísta, mais ela se convence disto também. Caio tem
uma virtude que poucos homens possuem, que
é a de assumir seus erros e limitações. Lira aprecia muito esta sua virtude ,
mas não aprecia o defeito que se assenta sobre ela. Assim, depara-se com um
grande conflito; não sabe o que deverá valorizar mais – a virtude ou o defeito do namorado. Fica até
parecendo que Lira não possui defeitos. Aliás, este é o maior deles, ou seja,
cobrar-se ser perfeita demais. Sendo muito certinha, passa a incomodar muito
mais a si mesma do que ao seu namorado. Por outro lado, esta é também uma
grande virtude de Lira; desejar amadurecer cada vez mais como ser humano. Neste
desejo de amadurecer, Lira tornou-se muito observadora e vigilante. Observa
cada falha sua e do parceiro numa tentativa de lapidar suas arestas. Caio,
apesar de ser extremamente sensível e maduro, é, por outro lado, bem disperso.
Às vezes, fala coisas impensadas, sem uma elaboração prévia que em muito aflige
a elaborada racionalidade de Lira. A grande capacidade de perdoar desta é que a
impediu de por fim ao relacionamento, pois Caio por pura dispersão, já adotou,
algumas vezes, posturas contraditórias que ameaçam todos os projetos de união
do casal. Tentando oferecer à namorada explicações racionais e lógicas para o
seu comportamento, Caio busca nos livros que analisam as diferenças entre os
sexos, algo que satisfaça a mesma. Lira se satisfaz em parte, mas frustra-se
por não conseguir do namorado outros tipos de leitura que ela julga mais
importante, sobretudo a leitura de seus mais profundos sentimentos. No plano
sexual, Lira tem se sentido incompetente,
pois não se sente desejada pelo parceiro. Caio a deseja, no entanto, de forma
bem diferente da qual estava acostumada. Ele tem também as suas dificuldades e, por algumas
vezes, projetou em Lira a responsabilidade das mesmas por medo de enfrenta-las
de frente; outras vezes, fugia para não ter que vivenciar aquilo que ameaçava.
Lira tentando ser paciente e compreensiva sentia-se, ao mesmo tempo, negligente
para consigo mesma por aceitar a indiferença do namorado para com suas
necessidades sexuais. Não acha justo ter que se adaptar sozinha às necessidades
e ao ritmo do mesmo sem que este faça o mesmo por ela. Assim, mais uma dose de
frustração é acrescentada neste relacionamento. Lira vem se sentindo uma grande
chata , pois numa tentativa de ajudar Caio a superar algumas dificuldades,
comodismo e negligência para com a própria vida, acaba passando uma impressão
errada de seu gesto. Parece estar cobrando e manipulando quando na verdade está
desejando incentivar mudanças, tornando-o mais vigilante para consigo mesmo,
pois sabe que as dispersões do parceiro sempre trouxeram estragos
significativos em sua vida. Caio tenta acolhe-las com humor, mas, algumas vezes,
Lira recebe as respostas bem humoradas como crítica e se aborrece. Parece que,
lá no fundo, Lira não gosta muito de ser
criticada, já que tem se esforçado tanto para ser perfeita. A dificuldade em aceitar serenamente as
limitações do outro e a incapacidade de enxergar o potencial escondido por detrás
destas limitações é o ponto fraco deste relacionamento. As diferenças do casal
tem se tornado um grande conflito , apesar de existir um grande desejo de estar
junto e enfrenta-las de frente. Lira e Caio não desejam que este conflito se
transforme num campo de batalha capaz de ferir a ambos. Assim, paira a dúvida
se poderão realmente ser felizes para sempre.
Será que contei mesmo a mesma história? Será que o
Caio e a Lira da primeira não desejam enxergar a realidade ou será que o Caio e
a Lira da segunda não conseguem enxergar outras possibilidades de realização?
Talvez o grande mestre Jesus Cristo possa explicar as
faces desta moeda com sua linda parábola: “A lâmpada do corpo é o olho.
Portanto, se o seu olho estiver são, todo o seu corpo ficará iluminado; mas se
o teu olho estiver doente, todo o seu corpo ficará escuro. Pois se a luz que há
em ti são trevas, quão grande serão as trevas.”
Com quais olhos Lira e Caio se enxergarão e guiarão
seu relacionamento? Isto dependerá, exclusivamente, deles próprios. A luz da
realização e as trevas das frustrações estarão sempre presentes na caminhada
que os dois empreenderão pela vida. Sei que ora enxergaram uma, ora outra. Muitas
vezes, pensaram ser miragem a luz que enxergaram. Outras vezes, temeram perder
ao outro e a si próprio quando, por descuido, se afogaram nas trevas. Sei que é
difícil acreditar que as duas histórias fazem parte de uma só; assim como cara
e coroa fazem parte de uma moeda. A moeda foi lançada e a sorte deles
também. Não sei qual será a sorte ou o azar deles, só sei que com os pés na
estrada e de olhos bem abertos, somos nós que construimos a nossa sorte.
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