quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

MEXIDO DE FELICIDADE

Dedico esta história todos aqueles que estão em busca da felicidade e a todos que já a encontrou

Em algum lugar que não sei bem onde, morava uma bruxa misteriosa e bondosa que trazia consigo a receita da felicidade. No nosso mundo, sempre ouvi muitas pessoas dizerem que a felicidade não existe; dizem que existem apenas momentos felizes. Esta maneira de pensar sempre me deixou confusa pois, na verdade, nunca consegui sentir a felicidade como um momento, sempre a senti muito forte vibrando dentro de mim. Foi assim que resolvi consultar a minha intuição para que ela pudesse me levar até a tão famosa bruxa que, com certeza, me ofertaria a tão desejada receita da felicidade. De posse dela, eu a eternizaria dentro de mim sem deixá-la jamais correr o risco de se tornar um momento fugaz.
Fui atrás da tal bruxa. Para encontrá-la tive que escalar a dura realidade e adentrar em meus sonhos e fantasias. Sem saber como, vi-me repentinamente defronte de uma mulher que não tinha cara de bruxa; tinha cara de criança, corpo de adolescente, jeito de adulto e sabedoria de quem já viveu muito. Com uma colher minúscula, ela mexia uma porção invisível dentro de um minúsculo tacho de cobre. Inspirava com prazer o aroma de seu preparado e experimentando-o deleitava-se dizendo:
— Que delícia!
A expressão de felicidade que aparecia em seu rosto desencadeou em mim um enorme desejo de provar também a sua porção mágica, apesar de não conseguir enxergar nada dentro daquele tacho. Antes que eu lhe pedisse um pouquinho de seu preparado ou fizesse qualquer pergunta ou apresentação referente à minha pessoa, ela procurou certificar-se da minha presença, afirmando com toda certeza:
— Aposto que veio à procura da receita da felicidade.
— Como sabes que vim aqui para isto? Perguntei.
— A sua expressão revela busca e revela dúvida também. Está confusa com alguma coisa?
— Achei o seu tacho pequeno demais para caber um sentimento tão grandioso quanto a felicidade. O mais intrigante é que não consigo ver nada dentro dele e você se delicia com algo que não consigo ver e sentir.
— A felicidade cabe em qualquer lugar, ela não tem tamanho. O seu cheiro e sabor escapa aos sentidos daqueles que não a prepararam. Sendo assim, a minha porção da felicidade só pode ser sentida por mim. Afirmou convicta.
— Interessante! Como posso preparar a minha porção? Perguntei exalando curiosidade.
— Tem certeza que deseja ser feliz? Perguntou-me.
— É claro! Respondi — Tem alguém neste mundo que não deseja?
— Há pessoas que desejam apenas a alegria.
— Alegria e felicidade não seriam a mesma coisa?
— Alegria é só um ingrediente da felicidade. Felicidade é um preparado muito simples, porém complexo. Nem todo mundo está disposto a prepará-la. Muitos acham mais fácil comprar nos hipermercados da vida uma substância apetitosa já pronta, ao invés de se dar ao trabalho de preparar algo que leva vários ingredientes.
— Quais os ingredientes necessários para preparar a porção da felicidade?
— Adivinhe! Exclamou a bruxa.
— A única certeza que tenho é que não há espaço para a tristeza neste preparado. Falei convicta.
— Engano seu. Até mesmo da tristeza é possível se retirar um extrato para a felicidade.
Fiquei ainda mais confusa. Tristeza nunca combinou com felicidade em minha filosofia de vida e, naquele momento, aquele ser misterioso afirmava que ela também poderia contribuir para com a porção do sentimento mais requisitado pelos homens. Vendo a minha expressão de perplexidade a bruxa continuou:
— Nesta busca por um sentimento tão nobre quanto a felicidade, talvez fosse mais sensato deparar-se com uma fada e, no entanto você deparou com uma bruxa. Às vezes, achamos que a tristeza nos apresentará a infelicidade e ela muitas vezes vem nos preparar para saborear a felicidade que nos aguarda. Outras vezes, achamos que a alegria é a base da felicidade e ela acaba nos jogando no terreno da infelicidade. Parece um paradoxo viver, mas na verdade o que realmente acontece é que não conhecemos bem a essência dos sentimentos. Todo sentimento tem um tempero. É necessário sabermos usar a dose certa que agrade o paladar ou tirar dele a essência capaz de dar sabor agradável à vida.
— Quer dizer que posso estar triste e estar feliz ao mesmo tempo? Perguntei.
— Não. Você pode estar triste e SER feliz. Estar é diferente de ser. A felicidade não é um estado, mas sim, uma estrutura, ou melhor dizendo, uma construção. Eu diria que ninguém está feliz. Uma pessoa é feliz ou não dependendo da obra que realizou em sua própria vida.
— Então, não sou alegre. Eu estou alegre. Nossa, como é difícil diferenciar a alegria da felicidade.
— Sabe por que? Perguntou-me a bruxa rindo.
— Por que?
— Se eu lhe contar uma lenda sobre as travessuras de alguns sentimentos arteiros, você vai entender.
— Conte-me que já estou ficando curiosa. Solicitei.
— Dizem que o criador realizou uma festa de fantasia onde todos os sentimentos foram convidados. Ninguém soube explicar o porque desta festa, soube-se apenas do resultado dela. Relatam que a alegria foi fantasiada de felicidade, a paixão de amor, a preocupação de interesse, a rebeldia de liberdade, a indiferença de paz e por aí vai. Eles ficaram tão parecidos com estes sentimentos que ficava difícil identificar quem era um e outro. O pior é que eles gostaram tanto de viver a fantasia de ser um sentimento mais nobre que até hoje vivem pregando peças nos mais desavisados.
— Acho que estes sentimentos já me pregaram muitas peças. Daqui para frente tenho que ficar mais vigilante. Mas, quero ficar mais atenta à receita da felicidade. É possível você me ensina-la agora? Perguntei.
— Você veio atrás de uma receita como todos que conseguiram chegar até aqui. Só que daqui você não sairá com receita alguma, mas lhe darei algo mais precioso do que esta receita que você julga existir.
— O que? Perguntei curiosa.
— Darei a voce o Tacho para que prepare a sua própria porção de felicidade.
A bruxa foi até a despensa e saiu de lá com um lindo tacho de cobre na mão. Entregou-o a mim, ordenando-me:
— Não me pergunte mais nada. Vá embora e prepare a sua porção com os ingredientes que desejar. Nunca se importe se alguém lhe disser que algum tempero é picante, azedo, amargo, doce ou salgado. O que importa é a combinação e o sabor final que ele dará ao seu paladar.
Não pude perguntar mais nada, pois sem que eu percebesse já estava de volta. Talvez você esteja se perguntando: De volta para onde? Voltei para este mundo onde as pessoas julgam a felicidade apenas como um momento fugaz. Assim que cheguei, parei para pensar como prepararia este alimento tão importante e cheguei a conclusão que já o ando preparando desde criança, pois olhei para o meu tacho e vi dentro dele um delicioso mexidão. Não sei se você o enxergaria ou sentiria o seu delicioso sabor. Só sei que meu mexido além de simples, me alimenta e sempre me dá água na boca.
— Que delícia!

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