quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

CORDA BAMBA

Dedico esta história ao equilíbrio

Dizia uma antiga lenda que um valioso tesouro habitava uma caverna misteriosa. Nenhum ser humano, por mais afoito que fosse, jamais conseguiu chegar sequer na porta da mesma, pois para chegar até lá, o aventureiro deveria atravessar um precipício equilibrando-se numa corda erguida que servia de ligação entre um lado do abismo e o portal da caverna.
Cada aventureiro que sonhava conquistar o misterioso tesouro, tecia especulações das mais variadas formas:
— Eu acredito que deva ser um barril de pedras preciosas. Fantasiavam alguns.
— Deve ser o mapa de uma inesgotável mina de ouro. Diziam outros.
A imaginação fluía livremente e os ambiciosos que ousavam atravessar aquela corda levavam sempre consigo a esperança de riqueza, mas jamais a traziam de volta. O despenhadeiro nunca contou a ninguém o trágico destino dos mesmos.
Certo dia, porém, um simples e humilde palhaço equilibrista resolveu aceitar o desafio daquela corda. Até então, o desafio sempre fora para ele a maior riqueza de sua vida. Viver num circo, desafiar o mau humor das pessoas, tentando trazer de volta a alegria adormecida, nunca fora uma tarefa fácil. Dramatizar o papel do palhaço que nunca conseguia se firmar na corda bamba era uma missão gratificante, pois trazia no âmago da mesma um alívio para todos aqueles que não conseguiam se firmar na vida. Ironizar o desequilíbrio do ser humano, substituindo o choro pelo riso, tornava-se menos penoso. Sempre acostumados a rirem do palhaço, ninguém deu credibilidade ao seu desejo de ultrapassar aquela corda. Limitaram-se a dar boas risadas quando ele finalmente decidiu desafiar o despenhadeiro.
— Se os mais corajosos e ambiciosos homens jamais conseguiram vencer este desafio, o que um simples palhaço carente de ambição conseguirá fazer? Comentavam as incrédulas e invejosas personalidades da região.
— Que palhaçada! Como ele pode brincar desta forma com a própria vida? Censuravam outros.
Sem se importar com os comentários, arriscou-se. Lá foi o palhaço equilibrando naquela corda como jamais fizera no circo. As regras ali eram bem diferentes. No circo a regra era cair. Ali, manter-se em equilíbrio. Não havia espaços para a risada, apenas para a concentração. Durante todo o percurso teve muito medo. Temeu perder o que de mais valioso possuía — a própria vida. Para preservá-la não poderia perder o equilíbrio. Sabia que não podia pender radicalmente para lado algum; precisava manter-se centrado no próprio eixo. Centrando em si mesmo e dominando a cada passo a técnica do equilíbrio, conseguiu finalmente chegar à porta da caverna. Antes de adentrar foi dominado pelo mais profundo sentimento de valorização da própria vida. Sentiu que nenhum tesouro que aquela caverna possuísse poderia ser maior e mais valioso do que o equilíbrio que garantiu a sua vida. Ficou um bom tempo a pensar se teria o mesmo equilíbrio no seu trajeto de volta, chegando a esquecer-se do tão cobiçado tesouro da caverna, insignificante para ele naquele momento. Depois de muitas reflexões, resolveu finalmente vasculhar aquela enigmática caverna, não encontrando coisa alguma, a não ser um grande vazio que lhe encheu de sabedoria, induzindo-o a voltar novamente para o seu maior tesouro que era a vida que lhe aguardava do outro lado da corda. Cheio de esperança e contando apenas com os conhecimentos adquiridos e seu precioso equilíbrio, conseguiu chegar finalmente do outro lado. Depois de tudo que passou, de todas as conquistas, sabia que a vida jamais seria a mesma, apesar de aparentemente se dedicar às mesmas coisas. Ao cruzar a linha de chegada, uma multidão curiosa lhe perguntou indignada:
— Achou o tesouro?
— Sim, eu o achei. Respondeu irradiando admiração por si mesmo.
— Como pode ter um tesouro se não carrega nada consigo? Perguntaram desconfiados.
— O tesouro da caverna não se carrega, conquista-se. Respondeu com sabedoria
— Como assim?
— Quem pendeu ambiciosamente apenas para o lado da caverna, caiu no precipício. Eu não pendi para lado algum, centrei-me no meu equilíbrio para preservar o tesouro que eu já possuía sem, no entanto, me dar conta do valor do mesmo.
— Que tesouro? Inquiriram surpresos
— A minha própria vida. Exclamou repleto de alegria.
Ninguém deu apreço ao tesouro do palhaço, mas nem por isso ele se entristeceu, pois sabia que apenas a experiência de atravessar a corda bamba é capaz de dar ao ser humano a consciência da importância e do verdadeiro valor deste tesouro. Ele não virou herói, continuou sendo apenas um simples palhaço que, dentro do circo desequilibrava e caía mostrando com ironia a triste condição da maioria.

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