quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

ESPAÇO DE LUZ

Dedico esta história ao brilho que cada um carrega dentro de si

        Admirando o céu estrelado, deitada na rede com caneta e folha na mão, tentei buscar em algum lugar do universo uma estória que pudesse falar do brilho que cada um carrega dentro de si. Observando o infinito que abriga estrelas de diferentes formas, tamanhos e brilhos pude associar o universo delas com o intrigante universo humano. E foi assim que encontrei diante de enormes estrelas um ponto de luz, minúsculo o suficiente, para iluminar as minhas idéias. De uma pequena luz nasceu uma grande estória.

Era uma vez um ponto luminoso que residia no infinito universo das estrelas. Escondido em meio a tanta luz trazia consigo o sonho de ser um dia chamado estrela. Era pequeno demais para ser designado assim, precisava crescer, mas não sabia como. Sonhava ser visto e admirado por todos que dirigissem o olhar para o céu, invejando as outras estrelas que brilhavam de felicidade ao receber olhares vindo de inúmeros lugares do universo.

O único desejo que o ponto luminoso possuía era ser como as outras estrelas e a única certeza que tinha era a de não querer ser ele mesmo. Comparava-se o tempo todo com as grandes estrelas e invejava o lugar delas. A inveja e a vaidade roubavam a sua vitalidade e o seu brilho. Cansado e opaco, já quase se apagando, recebeu finalmente a visita do guardião estrelar que aparecia toda vez que o universo corria o risco de perder uma estrela. Era como se ele fosse um salva-vidas tentando salvar com sabedoria qualquer estrela ameaçada de se afogar na escuridão.

        O guardião estrelar era considerado a maior estrela do universo. O seu brilho era como se fosse a junção de milhares de estrelas juntas. Ponto de luz surpreso com tanta luz se aproximando gritou temeroso:
— Pare, por favor! Eu não quero morrer consumido pela sua luz.
O guardião continuou se aproximando e despertando um pavor cada vez mais intenso naquele pontinho luminoso.
— Eu não quero morrer! Eu não quero morrer! Por favor, não roube a pouca luz que me resta.
Serenamente o guardião lhe tranqüilizou:
— Eu não vim roubar a sua luz. Eu vim ajudá-lo a intensificá-la.
— Como assim? Perguntou com indignação aquele ponto minúsculo.
— Se você não deseja morrer necessita romper com as trevas.
— Por que você me diz isto? Eu não sou parceiro das trevas.
— Mas está se afogando nelas. Talvez queira ajuda, é por isso que vim.
— Você me daria um pouco de sua luz para que eu possa me transformar numa estrela igual às outras? Perguntou o ponto de luz intensificando a sua esperança.
— Eu não posso lhe ceder a minha luz, ela só pertence a mim. E, não há como você se transformar numa estrela igual as outras. Cuidado com a inveja e com a vaidade que não lhe permite valorizar as diferenças.
— Como pode dizer que invejo?
— Não há como negar aquilo que está registrado em seu brilho e em seu olhar.
Incomodado e decepcionado, ponto de luz foi se afastando devagarzinho dirigindo-se cada vez mais para o interior das trevas. O seu brilho foi se ofuscando e a sua fragilidade desatou um desabafo agressivo:
— Se sou um invejoso, você é um grande egoísta. Não custava nada me oferecer um pouco desta farta luz que recebeu.
— Você está enganado. Eu não recebi minha luz de ninguém, eu a conquistei.
— Eu não acredito! Como posso ter algo sem que alguém me dê?
— Conquistando!
— Não acredito em conquistas. Eu acredito na sorte. Eu não tive a sorte que as outras estrelas tiveram de conseguir um lugar estratégico no universo.
— O que você chama de lugar estratégico?
— Um lugar onde possamos ser vistos e admirados por todos.
Percebendo a visão equivocada daquela minúscula luz, o guardião estrelar tentou firmar um pacto com a mesma.
— Provarei para você que não é o lugar que faz a estrela, mas o inverso, ou seja, a estrela faz o lugar. No entanto terás que firmar um acordo comigo.
— Que acordo?
— Caso eu consiga provar para você o que acabei de dizer, você terá que aceitar um desafio.
— Qual desafio?
— Deixar de olhar as outras estrelas por um instante para desenvolver a capacidade de enxergar a si próprio.
— Para onde deverei desviar o meu olhar para que eu possa me enxergar?
— Para o espelho das águas do mar.
Desesperado e colérico ponto luminoso se exaltou relutando cumprir o acordo a ser firmado.
— Você quer me enganar e me transformar numa estrela do mar. Dizem que todas as estrelas que perderam o brilho caíram para sempre no fundo abismo do mesmo. Eu não quero correr este risco.
— Por medo de se afogar no mar, você afogará nas trevas infinitas do universo. Boa sorte! Nunca diga que não teve uma opção de escolha. Lamento por ti.
O guardião estrelar foi se afastando lentamente. À medida que se afastava a sua luz continuava a mesma, forte e poderosa. A distância não diminuía a sua intensidade. Surpreso com o que viu, ponto de luz inflou o peito e deu um estridente grito de socorro:
— Volte, por favor! Não me abandone. Eu aceito o desafio.
Guardião estrelar retornou pacientemente. A insignificante luz fez ainda algumas conjeturas antes de aceitar definitivamente o desafio, parecia não acreditar muito na possibilidade do guardião conseguir provar um discurso que parecia mais uma utopia.
— Só terei que me olhar caso você prove que o lugar não faz a estrela, mas sim o inverso. Ponderou a luzinha num tom de exigência.
— Perfeitamente.
— Como você conseguirá me provar isto?
— Muito fácil! Apenas tirando você do lugar que ocupa hoje.
— Maravilha! Isto é tudo que desejei durante toda a minha vida. Para onde me levará? Perguntou a opaca luz num misto de ansiedade e exaltação.
— Você será levado para onde desejar. Escolha a estrela mais invejada por você que providenciarei todos os recursos para que ocupe o lugar dela.
        Padecendo em ânsia apontou rapidamente para a segunda maior estrela do universo, já que a primeira era o próprio guardião, sendo, portanto, inapropriado querer ocupar o lugar da estrela que o ajudaria.
— Quero ocupar o lugar da estrela Lúcy.
— Aguarde um momento que providenciarei as mudanças de posições. Preciso comunicar com Lúcy para que ela possa ceder-lhe este lugar que tanto deseja.
— Você acha que ela aceitaria ocupar este lugar horrível que ocupo? Acha que abriria mão do brilho que possui para passar a viver nestas trevas que vivo?
— A mudança de lugar não afetará o brilho de Lúcy, aliás, uma das coisas que mais intensifica a sua luz é a possibilidade de estar mudando sempre de lugar. Ela adorará esta nova aventura. Vou provar que as trevas que você enxerga fora existe apenas dentro de si mesmo.
        Ponto de luz expressou desprezo, mas limitou-se se manter calado aguardando o momento tão esperado. Guardião estrelar aproximou-se de Lúcy fazendo os ajustes necessários e retornou exultante.
— Preparado? Tudo acontecerá como um flash.
        Repentinamente raios de luz cruzaram o universo. Ponto de luz se viu lançado para um espaço totalmente novo no extremo oposto espaço sideral. Ainda tonto tentando administrar sua euforia e seu medo, ouviu as palavras finais do atencioso guardião estrelar:
— Cumpri a minha parte. Agora me diga o que vê e o que sente.
Decepcionado, ponto de luz pôs-se a chorar lamentando a ilusão que alimentou durante toda a sua vida.
— Mudamos de lugar, no entanto Lúcy continua linda. Seu brilho aumentou ainda mais no espaço que para mim era só de trevas. Neste momento ele se transformou num espaço de luz e eu o perdi. Não consegui roubar a luz de Lúcy ocupando seu lugar. Sinto-me cada vez mais opaco e frágil e o espaço de luz que pertencia a Lúcy já não ilumina nada ao ser ocupado por mim. Você tem razão, o espaço não faz a estrela. Talvez seja mesmo a estrela responsável por construir o seu espaço, no entanto, eu não aprendi ainda construir o meu por ter passado uma vida inteira cobiçando um lugar que não me pertencia.
— Lamento muito, porém, quero que perceba que a tomada de consciência sobre a ignorância que o dominou até então se transformou em luz dentro de ti. Cumpri a minha missão, espero que consiga concluir a sua. Não tenho mais o que fazer aqui.
       O guardião estrelar partiu, mas continuou visível mesmo distante. Uma luz daquela jamais se apaga, se presentifica eternamente. Quanto ao ponto de luz, desiludido pôs-se a chorar por tempo indeterminado. Ninguém soube explicar até hoje por quanto tempo chorou. Dizem apenas que suas lágrimas se transformaram num mar de água salgada e cristalina de onde emergiu uma linda estrela brilhante que mergulhou no universo com o propósito de ocupar continuamente um novo lugar no infinito.
    Hoje, quando olho para o céu eu a vejo muito grande sorrindo para mim. Parece apreciar-se e amar-se muito. Ela me contou que lá de cima a terra parece mais um mar de estrelas de diferentes tamanhos, formas e brilhos. Foi a partir disto que descobri ser muito importante tentarmos resgatar aqueles pontos de luz que não conseguiram ainda se enxergar como estrela. Se você for uma estrela talvez possa me ajudar. Desde já lhe agradeço, pois o nosso planeta precisa de muita luz. Você estará fazendo por mim, por você, por nós. Abençoada seja a sua luz!

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