terça-feira, 27 de agosto de 2013

UM MUNDO PERFEITO

 Dedico esta história à imperfeição e ao nosso inquietante desejo de transcende-la


Vou lhes contar a história de dois mundos bem diferentes um do outro. O primeiro era o mundo de Xambu, um nobre guerreiro. Para Xambu , o seu mundo era perfeito e instigante.

O segundo era o mundo de Gumã, um cientista que se dedicava à   pesquisa dos nobres sentimentos . Para Gumã, o seu mundo era imperfeito e insuportável.

O mundo de Xambu vivia em guerra e no mundo de Gumã reinava a paz e o amor. Xambu tinha tudo que um guerreiro precisa para viver sua  energia bélica. As desigualdades, a miséria, as injustiças e a crueldade faziam do mundo de Xambu o lugar perfeito para ele exercitar a sua missão de vida e  sentir-se útil e valorizado por aqueles pelos quais lutava. Xambu nunca questionava a ordem  de seu mundo. Sabia, apenas, que deveria lutar contra a desordem. Mesmo sem ter consciência, apreciava a desordem que ordenava, de certa forma, a sua razão de viver.

         Certo dia, Xambu foi convidado a conhecer o mundo de Gumã. Passaria lá uma boa temporada para que pudesse aprender algo novo e inusitado, capacitando-o a levar para o seu mundo as lições de paz, justiça e igualdade de direitos que ali reinavam. Xambu achou uma grande chatice aquele mundo tão organizado e sem problemas, sentia-se ocioso e pouco valorizado, pois não tinha com quem e por quem guerrear. Aproximando-se de Gumã, questionou-o de maneira tosca:

−Seu mundo é muito chato!

−Concordo plenamente – confirmou Gumã.

−Como é que você consegue viver aqui? Não há o que fazer. Tudo que deve ser feito parece já estar concluído.

−Estou em busca de um sentimento que seja o mais elevado de todos. É necessário ultrapassar a paz e o amor a fim de se conquistar um sentimento ainda mais sublime e perfeito.

−Paz, amor... Esta busca te alimenta? Perguntou Xambu confuso sem entender muito bem o que Gumã realmente pretendia. A busca daquele cientista lhe parecia vaga e sem sentido.

−Só me sinto, a cada dia, mais frustrado. Dá vontade de desistir de tudo! Tem sido muito difícil viver aqui. Eu preferiria estar lá.

−Lá? Onde? Perguntou Xambu confuso sem saber que lugar Gumã se referia.

−Lá; um lugar perfeito onde existe o que eu busco. É horrível ter que conviver aqui com este problema tão grande.

−Mas, o que eu vejo em seu mundo é justamente o contrário. Vejo  falta de problemas. Aqui reina alguma coisa que  deixa seu mundo muito parado, devagar. Se vocês tivessem os problemas de meu mundo, talvez, estivessem mais satisfeitos.

−Mas, os problemas geram insatisfação. Pontuou Gumã.

−Não! Os problemas movem o nosso mundo. Se não existissem problemas, solucionada estaria a vida e nada haveria por se fazer. E, eu sou um guerreiro, preciso lutar por um ideal que jamais será alcançado.

−Como assim? Não faz sentido lutar por algo se você sabe que não se alcançará nunca. Retrucou Gumã.

−O grande sentido é perseguir. Depois de alcançado perde a graça. Por isso, criamos sempre novos problemas para, a partir daí, criarmos novos ideais a serem perseguidos, justificando a nossa permanência nesta vida. Justificou Xambu.

−É muita maluquice o que você esta falando! Preciso conhecer seu mundo e os seus problemas para entender a lógica de seu raciocínio.

−Será um grande prazer! O meu mundo não é muito longe daqui. Fica do outro lado do seu. Se quiser, posso levar voce agora mesmo.


Xambu levou Gumã  ao seu mundo. Assim que cruzaram a fronteira, entraram na zona de conflito mais perigosa de todo o território. O silêncio do mundo de Gumã foi substituído pelo barulho de explosivos e tiros  que ecoavam por todos os lados. A paisagem verdejante e serena foi substituída por um cinza  árido e sangrento. O olhar tranquilo e brilhante de seu povo foi substituído por um olhar colérico, opaco e desolador. Naquele mundo não havia espaços para a paz e o amor. Onde estariam estes sentimentos num mundo atordoado pelo instinto de morte e destruição? Por que, ao invés de investir na busca de sentimentos nobres, já triviais em seu mundo, aquele povo se limitava a viver valores e sentimentos tão destrutivos? A imperfeição que Gumã  atribuía ao seu mundo era uma perfeição jamais sonhada por aquele povo. A vivência da paz e do amor exigia uma evolução que eles ainda não possuíam. Como esta evolução fazia falta para aquele mundo em guerra! Se eles tivessem consciência dos ganhos que teriam com esta evolução, talvez se comprometeriam mais com a mesma. No entanto, a ignorância não permitia. Diante de tanta precariedade, Gumã passou a valorizar mais a evolução de seu povo. O amor e a paz deixou de ser um sentimento que precisava ser transcendido. Mesmo que houvesse, no cerne deste universo, sentimentos e virtudes mais poderosas, a compreensão de que a paz e o amor não perdem o seu valor e a sua importância por isto, deixou Gumã mais tranquilo. Ele estava perdendo a paz por desejar tanto e por desejar algo maior do que ela. Ele estava deixando de amar por desejar algo maior que o amor. A perda gradativa destes dois sentimentos, gerou, concomitantemente, um conflito interno e uma guerra consigo mesmo. O seu mundo interior já estava ficando bem parecido com o mundo de Xambu. Só depois desta compreensão, Gumã pode alcançar uma paz e um amor maior ainda do que a paz e o amor que ele conhecia . Percebeu, finalmente, que mais importante que transcender estes dois sentimentos, era transcender a si próprio. Que era, sobretudo, mais sábio aperfeiçoar-se do que buscar a perfeição.

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